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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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O adeus (quase) final

Alexandre Guerra, 07.12.18

 

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Imagem de um vídeo de homenagem à chanceler que passou esta tarde na conferência do CDU em Hamburgo/Foto: Reuters

 

Angela Merkel despediu-se esta Sexta-feira da liderança do partido dos Democratas Cristãos (CDU). Apesar de continuar à frente dos desígnios da Alemanha até terminar o seu mandato em 2021, é impossível não sentir no ar um certo ambiente de “fim de festa” e de incerteza. Tenha-se gostado mais ou menos da sua liderança, é preciso reconhecer que Merkel se tornou, com o passar dos anos, no único referencial de poder político do projecto europeu. Quando chega à liderança da Alemanha, em 2005, naturalmente, o Mundo e a Europa eram diferentes, as relações de poder eram outras e os desafios que se vislumbravam então no horizonte estavam longe de perspectivar uma crise financeira de proporções gigantescas, uma crise migratória massiva a fazer relembrar imagens de períodos de guerra, o aceleramento da crise ambiental, a emergência dos populismos, que reavivaram fantasmas do passado que se pensava estarem enterrados, ou a dilaceração do projecto europeu bem no seu “coração”, com o Brexit.

 

Merkel chegou à liderança do CDU numa altura em que os grandes partidos tradicionais na Europa ainda se impunham nos sistemas políticos e num tempo em que havia lideranças entusiasmadas com o projecto europeu, tais como Chirac, em França, ou Blair, no Reino Unido. Mas não só. Tínhamos Verhofstadt na Bélgica, Berlusconi em Itália, Juncker no Luxemburgo e Balkenende na Holanda. Concordando-se ou não com os seus estilos, todos eles eram líderes convictos na virtuosidade da construção europeia e, de certa forma, transmitiam esse ambiente mobilizador (e isto em política tem mais importância do que se possa pensar).

 

Quando Merkel chegou ao grande palco da política europeia viu-se rodeada de defensores do projecto europeu, estando ela própria, ironicamente, a iniciar a sua caminhada com enorme cepticismo sobre a Europa. Mas, com a ajuda de uma Alemanha economicamente estável (em parte devido às reformas do mal amado Gerhard Schroeder) e depois de ir vencendo os desafios políticos internos, Merkel foi assumindo o papel de líder no projecto europeu, foi percebendo que a História a estava a empurrar para algo maior que, provavelmente, nunca imaginaria há quase duas décadas.

 

Dezoito anos depois, já com poucos “amigos” europeístas, com o Reino Unido de saída e um Emmanuel Macron impotente, Merkel está só na defesa das virtudes de uma Europa integrada e solidária. Diz que se vai manter no poder até 2021, mas dificilmente isso acontecerá. É muito provável que, entretanto, deixe o cargo de chanceler, mas, quando esse momento chegar, ela fá-lo-á enquanto única grande Estadista europeísta em exercício. E isso, para aqueles que vêem na Europa um projecto virtuoso e inspirador, deve motivar a mais profunda reflexão sobre as nossas actuais lideranças.  

 

O discurso de Merkel

Alexandre Guerra, 29.05.17

 

O discurso de Angela Merkel proferido este Domingo num comício para 2500 pessoas em Munique é daqueles que poderá ficar para a História da construção europeia. Não se pode dizer que tenha passado despercebido à imprensa internacional, porque, que se recorde, é a primeira vez que se vê a chanceler alemã a pronunciar-se de uma forma tão assertiva para a necessidade dos europeus contarem com eles próprios e não estarem dependentes dos “aliados” tradicionais, em referências directas aos “afastamentos” dos EUA e do Reino Unido. Ao dizer que a União Europeia tem que “tomar o futuro pelas suas próprias mãos”, Merkel está na prática a assumir que está na hora dos líderes europeus começarem a pensar seriamente na criação de uma efectiva política europeia de defesa e segurança, algo que não existe neste momento. É certo que existem muitas proclamações políticas e alguns mecanismos, mas nada perto daquilo que poderá garantir a defesa física da Europa como um todo perante uma ameaça externa. E nesse ponto é importante não esquecer que a NATO continua a ser a única organização com essa capacidade de resposta, ou seja, com a agilidade de mobilizar forças de diferentes países sob um único “badge” (comando). Em termos de meios militares, a NATO propriamente dita tem uns aviões AWACS (que vão reforçar a sua acção na recolha e partilha de informação entre todos os Estados-membro da Aliança), alguns quartéis-generais e pouco mais, no entanto, tem uma experiência acumulada de décadas, que lhe permite reagir a diferentes ameaças e em diferentes cenários através da interoperacionalidade oleada das forças dos diferentes países colocadas ao serviço NATO. Na prática, a NATO tem sido a estrutura comum da defesa europeia e até há poucos anos o território europeu tinha o exclusivo da sua acção.

 

Não é mentira quando Trump enfatiza o desequilíbrio das contribuições financeiras de cada país aliado para aquela organização. É um facto histórico com origens conhecidas no surgimento da Guerra Fria e que durante muito tempo serviu os propósitos norte-americanos na lógica do sistema bipolar, onde parte da Europa era claramente uma área de influência sob o “guarda-chuva” de Washington. Desde o fim da ameaça do Exército Vermelho sobre a Europa que a discussão sobre a Defesa do Velho Continente tem sido recorrente, nomeadamente ao nível do investimento que é preciso ser feito por cada país. Concomitantemente, várias administrações em Washington têm, ao longo dos anos, lançado avisos à Europa para que começasse a investir mais na Defesa e no orçamento da NATO. Por várias vezes, e sobretudo em momentos de crise, política ou militar, líderes europeus vieram para a praça pública falar entusiasticamente na necessidade da Europa começar a gastar mais na sua Defesa. Chegaram a ser ensaiados alguns projectos comuns, mas que nunca se concretizaram. Por isso, aquilo que Merkel disse no Domingo não é propriamente novo no conteúdo nem na forma. A verdadeira novidade foi ter sido Merkel a dizê-lo, sobretudo no tom particularmente firme em que o disse. É certo que estava influenciada pelo ambiente pouco diplomático provocado por Donald Trump nas cimeiras da NATO e do G7, mas para a chanceler ter assumido uma posição daquele calibre é porque a mesma deverá vir acompanhada de uma política firme nos próximos tempos.

 

Merkel foi a primeira líder europeia a assumir uma divergência desta magnitude com a administração Trump. Em causa estão valores fundamentais para a Europa, como são as alterações climáticas, mas é preciso não esquecer que, à margem da cimeira da NATO, o Presidente americano tinha ameaçado restringir as importações de carros alemães para os EUA. Nestas coisas da política internacional, e ao contrário do que muita gente possa pensar, as relações pessoais entre líderes podem fazer toda a diferença no adensar ou no desanuviamento de uma potencial situação de escalada político-diplomática. Neste caso, admite-se que a convivência entre os dois, primeiro em Bruxelas e depois em Taormina, não tenha corrido pelo melhor. Acontece. Agora, é preciso que nos corredores da diplomacia sejam encetados esforços no sentido de se manterem os canais de comunicação abertos entre Berlim e Washington, porque, uma coisa é certa: a Europa não está em condições de caminhar sozinha em matéria de Defesa e vai continuar a depender do envolvimento dos EUA na NATO durante muitos e longos anos. Por outro lado, Trump não deve esquecer, nunca, que apesar de todas as diferenças, é com a Europa com quem os EUA partilham os valores basilares da democracia e do liberalismo que norteiam a sua democracia e sociedade. Além disso, Trump também não se deve esquecer de um conceito muito importante e desenvolvido há uns anos por Robert Keohane e Joseph Nye, o da interdependência complexa. E neste aspecto, EUA e Europa estão ligados um ao outro como dois siameses.

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

A pergunta que os europeus têm que fazer a si próprios

Alexandre Guerra, 01.09.15

 

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Uma família de migrantes descansa perto da vedação na fronteira da Sérvia com a Hungria/Foto: Saba Segesvari/AFP/Getty Images 

 

Quem por estes dias andar por Itália e estiver minimamente atento às notícias é confrontado com o drama dos migrantes ilegais, que ocupa a maior parte do tempo dos noticiários e as primeiras páginas dos jornais. A Itália, à semelhança da Grécia e da Hungria, vive um autêntico estado de emergência. É desta forma que as autoridades italianas estão a encarar o problema. E o caso não é para menos.

 

Os governantes italianos têm a noção de que o problema dos migrantes os atinge no "primeiro impacto" e, por isso, as suas entidades marítimas têm sido as principais protagonistas na intercepção e salvamento de cententas de pessoas, todos os dias, nas águas do Mediterrâneo. 

 

Os dois canais televisivos noticiosos da Rai e da Mediaset (equivalentes à RTPI e à SICN) têm estado a fazer "directos" permanentes dos portos da Catânia e de Palermo, sempre que há a informação de que está a chegar mais um navio da marinha ou da guarda costeira italiana com refugiados a bordo. Só na última semana, quase todos os dias chegaram migrantes àqueles dois portos sicilianos, depois de terem sido salvos no Mediterrâneo, mais concretamente nas águas entre a Líbia e a ilha de Sicília.

 

A verdade é que o problema da migração não afecta da mesma maneira os diferentes Estados da União Europeia. A Itália, a Grécia e a Hungria estão hoje na "linha da frente" desta tragédia e, perante uma ausência de resposta concertada ao nível europeu, têm adoptado medidas de curto prazo para fazer face a um problema para o qual ainda não há resposta sustentável e douradora, digna dos valores humanistas que tanto o Velho Continetne apregoa. 

 

Naturalmente que países da União Europeia como a Alemanha, a Áustria, a França, a Suécia, a Dinarmca ou o Reino Unido têm de lidar com este problema num outro nível e, por isso, a chanceler Angela Merkel tem razão ao dizer o óbvio de que tem que se encontrar uma solução comum. A questão é saber se todos os Estados da UE estão dispostos a fazer parte dessa solução. E se estão, até onde estão dispostos a ir? Mas antes, é preciso encontrar um modelo, se se quiser, uma espécie de doutrina sobre a forma de como os europeus se querem relacionar com os seus "vizinhos" de África e do Médio Oriente. Porque, essa é a questão principal. E só com esse novo paradigma, interiorizado pelos lideres e respectivas opiniões públicas, se deve partir para medidas concretas.

 

Deste modo, ninguém pode ou deve criticar a actuação da Itália, da Grécia ou até mesmo da Hungria. Neste momento, estes países estão apenas a reagir a "quente", a fazer aquilo que podem e que acham que é o mais correcto.Trata-se de uma lógica de actuação imediata e sem qualquer perspectiva de alcançar uma solução duradoura. Essa, como já aqui foi referido, terá que ser pensada em termos políticos, históricos e até mesmo filosóficos. Pode parecer estranho, mas no fundo os europeus têm que perguntar a si próprios como vêem e sentem os "outros", aqueles que chegam à Europa vindos de outras paragens, muitas vezes em desespero, sem nada, apenas com a roupa que trazem no corpo.

 

Reconstruir a confiança

Alexandre Guerra, 30.10.13

 

Foto:Michael Sohn/AP

 

Angela Merkel enviou uma delegação a Washington para se reunir esta Quarta-feira com altos representantes da comunidade norte-americana de "intelligence", com o objectivo de se discutir o polémico programa de vigilância que a National Security Agency (NSA) terá feito ao telemóvel da dirigente alemã durante mais de uma década e que terá terminado há poucos meses.

 

O assunto é muito sensível e poderá minar as relações históricas de confiança que têm existido entre os Estados Unidos e a Alemanha. Ao fim e o cabo, aquilo que os documentos divulgados por Edward Snowden puseram a claro é muito grave entre dois países aliados. De tal forma, que o próprio Barack Obama tentou atenuar os "estragos" diplomáticos ao propor uma revisão das políticas de "intelligence" entre os Estados Unidos e a Alemanha.

 

Merkel reagiu com alguma prudência, mas visivelmente desagradada com a situação, a tal ponto de enviar dois dos seus principais conselheiros a Washington. Para já, pretende-se reconstruir alguma confiança que possa proporcionar uma plataforma negocial, porque é quase certo que algo irá mudar entre os dois países. Resta agora saber aquilo que a Alemanha irá exigir aos Estados Unidos, por modo a repor a confiança entre os dois países.   

 

Os chanceleres, a chanceler e os papas

Alexandre Guerra, 12.11.12

 

Agora, que a chanceler alemã já está de regresso a casa e que os ânimos serenaram neste burgo, talvez possam ser feitas algumas considerações político-diplomáticas à visita de Angela Merkel a Portugal.

 

O Diplomata não vai (nem quer) entrar no insuportável debate das leituras político-partidárias que norteiam os políticos, jornalistas, comentadores e “analistas” de serviço. E muito menos retirar qualquer ilação ao número de horas que Merkel passou em Portugal. Para isso, há por aí gente mais do que “qualificada” nesta coisa da interpretação dos “sinais”.

 

O que motivou o autor destas linhas para este assunto acabou por ser na verdade uma coincidência, já que ao fazer umas pesquisas apercebeu-se do distanciamento físico que, por vezes, existe entre um determinado líder europeu e um povo que não o seu. Por exemplo, entre uma chanceler alemã e os portugueses.

 

Não obstante a proximidade política entre líderes europeus (que se reúnem várias vezes por ano) e a proximidade mediática entre líderes e povos europeus (já que diariamente lhes entram pela casa a dentro), a verdade é que os estadistas parecem ter pouca disposição para se deslocarem a outros países dos Vinte e Sete, mesmo quando existem relações políticas, económicas e sociais fortes.

 

Veja-se o caso de Portugal e a Alemanha, países que, queira-se ou não, partilham interesses (assimétricos, é certo) consideráveis e que os seus povos estão longe de serem estranhos um ao outro. Além disso, fala-se de dois países que integram o mesmo espaço europeu, o mesmo projecto comunitário, e são ainda aliados de longa data no seio da NATO.

 

Aliás, esta proximidade ficou bem evidente no periclitante período pós-25 de Abril, nomeadamente, no “Verão Quente” de 1975, quando os chanceleres Willy Brandt e depois Helmut Schmidt foram os principais líderes europeus a acreditarem e a apoiarem política e financeiramente as forças democráticas, com Mário Soares à cabeça.

 

Na verdade, a RFA foi o único país a disponibilizar dinheiro a Portugal. A CEE em Julho de 1975 continuava a hesitar em providenciar financiamento “por razões políticas”, tendo mesmo Paris vetado esse apoio. E em Washington o “desinteresse” de Henry Kissinger pela transição revolucionária em Portugal tinha-se alastrado ao Departamento de Estado e à Casa Branca.

 

Houve, assim, um esforço e um compromisso efectivos de Brandt e de Schmidt com a causa portuguesa, assente também numa ideia de unidade europeia que ia, naturalmente, de encontro à Ostopolitik.

 

E foi graças a este empenho (e também à chegada de Frank Carlucci a Portugal no início de 75) que Washington começa a inflectir a sua posição e a acreditar que, afinal, era possível Portugal seguir a via da democracia. Para tal, foi muito importante uma conversa de Schmidt com o então Presidente americano Gerald Ford, em Julho de 75.

 

A RFA estava de tal maneira empenhada em que Portugal seguisse o rumo da democracia que não se poupou a esforços para convencer o Presidente Costa Gomes para afastar os comunistas dos vários governos provisórios, visando especialmente Vasco Gonçalves.

 

É o próprio Costa Gomes que mais tarde viria a admitir que Schmidt o teria pressionado durante os trabalhos da assinatura da Acta Final de Helsínquia, a 1 de Agosto de 1975.

 

Uma estratégia que viria a dar resultados, já que no final de Agosto, com o PCP muito manietado no seu espaço, Costa Gomes, num gesto bizantino, demite Vasco Gonçalves da liderança do Governo para o nomear Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Também é nesta altura que a posição do Departamento de Estado norte-americano começa a mudar e os apoios dos países europeus começam a chegar.

 

Este episódio, contado de forma muito resumida, serve apenas para recordar um pouco da História e lembrar que as relações entre os Estados prolongam-se no tempo e devem ser alimentadas habilmente.

 

E perante isto, o autor destas linhas não tem dúvidas que ao longo dos últimos anos algo se perdeu nas relações entre Portugal e a Alemanha. Provavelmente, perdeu-se a política e a arte da diplomacia. Isto também tem muito a ver com a personalidade dos líderes.

 

Como é que é possível que Angela Merkel só agora, no dia 12 de Novembro de 2012, tenha feito a sua primeira vista oficial a Portugal, desde que foi eleita em 2005 (excepto cimeiras da UE e da NATO)? Ou como é que foi possível que o antigo chanceler Gerhard Schroeder tenha feito a sua primeira visita a Portugal em Outubro de 2004, seis anos depois de ter sido eleito?

 

Para se ter uma ideia, no mesmo período (1998 e 2012) Portugal recebeu as mesmas duas visitas “oficiais” dos papas: João Paulo II, em 2000, e  Bento XVI, em 2010. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


A nova "arma" da política externa russa já está operacional

Alexandre Guerra, 07.09.11

 

Uma das componentes do pipeline a bordo do navio Castoro Sei no Mar Báltico/Foto: Nord Stream

 

No meio de tanto "entusiasmo" no que respeita ao debate sobre a crise dos mercados e das dívidas soberanas e respectivas fórmulas milagrosas de salvação europeia, talvez seja importante sublinhar que a Alemanha e a Rússia acabam de concretizar um dos projectos estratégicos mais importantes para os próximos anos no âmbito da política energética, não apenas daqueles dois países, mas também da Europa. O tão esperado Nord Stream já está operacional, devendo em Outubro começar a fornecer gás natural proveniente da Rússia directamente para a Alemanha, através do gasoduto de pipeline duplo colocado no Mar Báltico.

 

Ainda numa fase técnica inicial, visando o aumento da pressão no pipeline, a cerimónia de arranque foi levada a cabo esta terça-feira pelo primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, um dos mentores deste projecto, que também teve o apoio fervoroso da chanceler alemã, Angela Merkel. A inauguração oficial, no entanto, será só em Novembro com uma visita do Presidente Dimitri Medvedev à Alemanha.

 

 

Atendendo às necessidades energéticas europeias crescentes e às consequentes políticas de conflito daí resultantes, o Nord Stream é mais do que um mero gasoduto. É sobretudo uma arma de política externa da Rússia que se jogará no tabuleiro da geoestratégia e da geopolítica da Europa. Isto não quer dizer que este projecto seja hostil aos interesses da Europa. Na verdade, alguns países da União Europeia serão beneficiados, já que receberão o gás natural russo de uma forma mais segura, rápida e eficaz. Convém não esquecer as várias “crises” energéticas que a Europa tem assistido em invernos recentes, como em 2006 e 2009, provocando nalguns países situações de autêntica ruptura no fornecimento de energia.

 

Mas dentro do espaço comunitário é sem dúvida a Alemanha a principal beneficiária, tendo o privilégio de ter um gasoduto directamente ligado à “fonte”, poupando-se às dores de cabeça provocadas pelas passagens turbulentas em países como a Ucrânia. Há muito que Merkel tinha percebido a importância estratégica deste projecto para a Alemanha, não sendo por isso de estranhar que o mesmo tenha despertado a “realpolitik” pura e dura do Estado alemão.

 

Quando em Outubro de 2008 a chanceler alemã e Dimitri Medvedev se encontraram em São Petersburgo, tinham passado poucas semanas sobre a “invasão” russa na Ossétia do Sul, que tinha gerado a indignação da Europa, incluindo a alemã. Ora, indignação à parte, a ofensiva militar russa e os supostos crimes de guerra cometidos durante os cinco dias de conflito com os soldados da Geórgia não foram suficientes para travar os ímpetos negociais de Merkel em São Petersburgo na defesa dos seus interesses.

 

Na altura, Merkel assegurou para a Alemanha uma importante participação (25 por cento) na exploração do campo de gás natural de Yuzhno-Russkoye na Sibéria. Em troca, o Estado alemão abdicara de metade dos 6,5 por cento que detinha na Gazprom, a empresa russa de gás natural. Com aquele negócio, a E.On, empresa alemã de energia, passou a ter acesso a um vasto campo de gás natural e a Gazprom abdicou das suas pretensões de adquirir uma parte do capital daquela companhia. Como contrapartidas, a Gazprom enfraqueceu a presença alemã no capital da empresa e obteve por parte daquele país um impulso para a construção do projecto Nord Stream.

 

Mas é sem dúvida Moscovo o principal interessado ao ver no Nord Stream uma ferramenta económica poderosa e uma "arma" de política externa eficaz para lidar com alguns Estados vizinhos com quem o relacionamento tem sido mais conturbado. Com este gasoduto a Rússia coloca directamente no mercado europeu (através da Alemanha) o gás natural proveniente das suas imensas reservas, sem que tenha que recorrer a outros gasodutos que transitam por vários países, como a Ucrânia ou a Polónia. Não é por acaso que a Polónia e a Ucrânia foram as vozes mais críticas ao projecto Nord Stream, vendo os seus territórios serem secundarizados no âmbito da estratégia energética europeia.

 

Mas é sobretudo em relação a Kiev que a rota do Nord Stream vai permitir que Moscovo se liberte das tensões e chantagens político-diplomáticas exercidas pelo Governo ucraniano. O  Nord Stream, orçado em 8,8 mil milhões de euros, é composto por um pipeline duplo, estando a primeira linha totalmente construída, com os seus 1224 quilómetros, devendo a segunda linha estar operacional em 2013, tendo até ao momento sido construídos 663 quilómetros.

 

Texto originalmente publicado no Forte Apache.

 

As eleições que deram a liberdade de escolha a Angela Merkel

Alexandre Guerra, 27.09.09

 

 

Nas outras eleições legislativas do dia, que não em Portugal, a chanceler alemã, Angela Merkel, venceu ao garantir mais de 33 por cento dos votos para o CDU (democratas cristãos). Com este resultado, insuficiente para garantir uma maioria absoluta no Bundestag (como aliás já se esperava), a Alemanha continuará a ter um Governo de coligação, no entanto, é ainda prematuro para adiantar a sua cor.

 

Merkel já disse que gostaria de coligar-se com o FDP (14,5 por cento), sendo, por isso, muito provável que a coligação com o SPD (social democratas), forjada em 2005, não se volte a repetir. Os 22,5 por cento obtidos pelo SPD levaram o seu líder Frank-Walter Steinmeir a admitir a derrota. 

 

Uma eventual aliança entre a CDU e o FDP daria para uma maioria estreita no Bundestag sobre uma aliança do centro esquerda formada pelo SPD, os Verdes (10 por cento) e o partido de Esquerda (12,5 por cento). 

 

Além da relação de amizade com o líder do FDP, Guido Westerwelle, a linha ideológica deste partido está mais próxima da visão política que Merkel quer continuar a implementar do que aquela que o SPD tem defendido. O FPD deverá ser assim recompensado pelos melhores resultados de sempre com um lugar no Governo.

 

   

 

Apesar da coligação governamental poder vir a mudar de cor, a Alemanha não vai sofrer grandes alterações nos desígnios da sua política, sobretudo por duas razões: 

 

A primeira razão que se pode retirar é o conservadorismo manifestado pelo eleitorado alemão, ao evitar uma mudança na liderança política do país, optando por reiterar a sua confiança em Merkel, que já fez questão de frisar que manterá o seu programa de Governo.

 

A segunda razão importante a reter, e como observou Roland Koch, líder do estado de Hessen, estes resultados eleitorais dão a Merkel a liberdade de escolher o parceiro governamental que bem entende, algo que não aconteceu nas eleições de 2005, nas quais o processo negocial de formação de Executivo foi bastante conturbado e moroso. 

 

Sarkozy e Merkel unidos em Londres reavivam eixo Paris-Berlim

Alexandre Guerra, 02.04.09

 

Foto Max Nash/AP

 

Um dos aspectos mais interessantes observados nas inúmeras movimentações diplomáticas que antecederam a cimeira do G20 desta Quinta-feira, foi constatar que o eixo Paris-Berlim está mais sólido do que nunca. 

 

Ao longo da história da construção europeia este tem sido um tema central, particularmente enfatizado sempre que estão em questão importantes decisões no âmbito comunitário e mundial. 

 

Neste caso em concreto, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a chanceler alemão, Angela Merkel, adoptaram uma só voz na abordagem aos trabalhos de hoje. Para ambos, a aprovação de medidas rígidas na regulação dos mercados é algo "não negociável". 

 

Não se pretende aqui discutir se esta é ou não uma boa medida, quer-se apenas sublinhar que a Alemanha e a França vivem momentos particularmente amistosos e conciliáveis. Por exemplo, o Guardian escrevia ontem que aqueles dois países reavivaram uma parceria que no passado já se afirmou como o eixo dominante da Europa.

 

Parte dessa reaproximação é resultado de um factor muitas vezes descurado na análise política: as relações humanas entre líderes. Factor esse que pode ser bastante importante no comportamento do sistema internacional.

 

É verdade que desde a eleição do Presidente francês houve momentos de tensão com a chefe de Governo alemã, devido às diferentes agendas políticas, mas também por causa dos seus temperamentos. No entanto, Sarkozy e Merkel têm vindo a promover uma relação de proximidade e de confiança entre ambos. 

 

Ora, este tipo de ambiente é favorável à abertura de canais de comunicação e ao reforço da diplomacia. E pode revelar-se de extrema importância para a construção europeia. Porque como em tempos disse Jacques Chirac: "Quando estamos [França e Alemanha] de acordo a Europa avança. Quando não conseguimos alcançar um acordo, a Europa fica em suspenso."