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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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O adeus (quase) final

Alexandre Guerra, 07.12.18

 

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Imagem de um vídeo de homenagem à chanceler que passou esta tarde na conferência do CDU em Hamburgo/Foto: Reuters

 

Angela Merkel despediu-se esta Sexta-feira da liderança do partido dos Democratas Cristãos (CDU). Apesar de continuar à frente dos desígnios da Alemanha até terminar o seu mandato em 2021, é impossível não sentir no ar um certo ambiente de “fim de festa” e de incerteza. Tenha-se gostado mais ou menos da sua liderança, é preciso reconhecer que Merkel se tornou, com o passar dos anos, no único referencial de poder político do projecto europeu. Quando chega à liderança da Alemanha, em 2005, naturalmente, o Mundo e a Europa eram diferentes, as relações de poder eram outras e os desafios que se vislumbravam então no horizonte estavam longe de perspectivar uma crise financeira de proporções gigantescas, uma crise migratória massiva a fazer relembrar imagens de períodos de guerra, o aceleramento da crise ambiental, a emergência dos populismos, que reavivaram fantasmas do passado que se pensava estarem enterrados, ou a dilaceração do projecto europeu bem no seu “coração”, com o Brexit.

 

Merkel chegou à liderança do CDU numa altura em que os grandes partidos tradicionais na Europa ainda se impunham nos sistemas políticos e num tempo em que havia lideranças entusiasmadas com o projecto europeu, tais como Chirac, em França, ou Blair, no Reino Unido. Mas não só. Tínhamos Verhofstadt na Bélgica, Berlusconi em Itália, Juncker no Luxemburgo e Balkenende na Holanda. Concordando-se ou não com os seus estilos, todos eles eram líderes convictos na virtuosidade da construção europeia e, de certa forma, transmitiam esse ambiente mobilizador (e isto em política tem mais importância do que se possa pensar).

 

Quando Merkel chegou ao grande palco da política europeia viu-se rodeada de defensores do projecto europeu, estando ela própria, ironicamente, a iniciar a sua caminhada com enorme cepticismo sobre a Europa. Mas, com a ajuda de uma Alemanha economicamente estável (em parte devido às reformas do mal amado Gerhard Schroeder) e depois de ir vencendo os desafios políticos internos, Merkel foi assumindo o papel de líder no projecto europeu, foi percebendo que a História a estava a empurrar para algo maior que, provavelmente, nunca imaginaria há quase duas décadas.

 

Dezoito anos depois, já com poucos “amigos” europeístas, com o Reino Unido de saída e um Emmanuel Macron impotente, Merkel está só na defesa das virtudes de uma Europa integrada e solidária. Diz que se vai manter no poder até 2021, mas dificilmente isso acontecerá. É muito provável que, entretanto, deixe o cargo de chanceler, mas, quando esse momento chegar, ela fá-lo-á enquanto única grande Estadista europeísta em exercício. E isso, para aqueles que vêem na Europa um projecto virtuoso e inspirador, deve motivar a mais profunda reflexão sobre as nossas actuais lideranças.  

 

Reconstruir a confiança

Alexandre Guerra, 30.10.13

 

Foto:Michael Sohn/AP

 

Angela Merkel enviou uma delegação a Washington para se reunir esta Quarta-feira com altos representantes da comunidade norte-americana de "intelligence", com o objectivo de se discutir o polémico programa de vigilância que a National Security Agency (NSA) terá feito ao telemóvel da dirigente alemã durante mais de uma década e que terá terminado há poucos meses.

 

O assunto é muito sensível e poderá minar as relações históricas de confiança que têm existido entre os Estados Unidos e a Alemanha. Ao fim e o cabo, aquilo que os documentos divulgados por Edward Snowden puseram a claro é muito grave entre dois países aliados. De tal forma, que o próprio Barack Obama tentou atenuar os "estragos" diplomáticos ao propor uma revisão das políticas de "intelligence" entre os Estados Unidos e a Alemanha.

 

Merkel reagiu com alguma prudência, mas visivelmente desagradada com a situação, a tal ponto de enviar dois dos seus principais conselheiros a Washington. Para já, pretende-se reconstruir alguma confiança que possa proporcionar uma plataforma negocial, porque é quase certo que algo irá mudar entre os dois países. Resta agora saber aquilo que a Alemanha irá exigir aos Estados Unidos, por modo a repor a confiança entre os dois países.   

 

Os chanceleres, a chanceler e os papas

Alexandre Guerra, 12.11.12

 

Agora, que a chanceler alemã já está de regresso a casa e que os ânimos serenaram neste burgo, talvez possam ser feitas algumas considerações político-diplomáticas à visita de Angela Merkel a Portugal.

 

O Diplomata não vai (nem quer) entrar no insuportável debate das leituras político-partidárias que norteiam os políticos, jornalistas, comentadores e “analistas” de serviço. E muito menos retirar qualquer ilação ao número de horas que Merkel passou em Portugal. Para isso, há por aí gente mais do que “qualificada” nesta coisa da interpretação dos “sinais”.

 

O que motivou o autor destas linhas para este assunto acabou por ser na verdade uma coincidência, já que ao fazer umas pesquisas apercebeu-se do distanciamento físico que, por vezes, existe entre um determinado líder europeu e um povo que não o seu. Por exemplo, entre uma chanceler alemã e os portugueses.

 

Não obstante a proximidade política entre líderes europeus (que se reúnem várias vezes por ano) e a proximidade mediática entre líderes e povos europeus (já que diariamente lhes entram pela casa a dentro), a verdade é que os estadistas parecem ter pouca disposição para se deslocarem a outros países dos Vinte e Sete, mesmo quando existem relações políticas, económicas e sociais fortes.

 

Veja-se o caso de Portugal e a Alemanha, países que, queira-se ou não, partilham interesses (assimétricos, é certo) consideráveis e que os seus povos estão longe de serem estranhos um ao outro. Além disso, fala-se de dois países que integram o mesmo espaço europeu, o mesmo projecto comunitário, e são ainda aliados de longa data no seio da NATO.

 

Aliás, esta proximidade ficou bem evidente no periclitante período pós-25 de Abril, nomeadamente, no “Verão Quente” de 1975, quando os chanceleres Willy Brandt e depois Helmut Schmidt foram os principais líderes europeus a acreditarem e a apoiarem política e financeiramente as forças democráticas, com Mário Soares à cabeça.

 

Na verdade, a RFA foi o único país a disponibilizar dinheiro a Portugal. A CEE em Julho de 1975 continuava a hesitar em providenciar financiamento “por razões políticas”, tendo mesmo Paris vetado esse apoio. E em Washington o “desinteresse” de Henry Kissinger pela transição revolucionária em Portugal tinha-se alastrado ao Departamento de Estado e à Casa Branca.

 

Houve, assim, um esforço e um compromisso efectivos de Brandt e de Schmidt com a causa portuguesa, assente também numa ideia de unidade europeia que ia, naturalmente, de encontro à Ostopolitik.

 

E foi graças a este empenho (e também à chegada de Frank Carlucci a Portugal no início de 75) que Washington começa a inflectir a sua posição e a acreditar que, afinal, era possível Portugal seguir a via da democracia. Para tal, foi muito importante uma conversa de Schmidt com o então Presidente americano Gerald Ford, em Julho de 75.

 

A RFA estava de tal maneira empenhada em que Portugal seguisse o rumo da democracia que não se poupou a esforços para convencer o Presidente Costa Gomes para afastar os comunistas dos vários governos provisórios, visando especialmente Vasco Gonçalves.

 

É o próprio Costa Gomes que mais tarde viria a admitir que Schmidt o teria pressionado durante os trabalhos da assinatura da Acta Final de Helsínquia, a 1 de Agosto de 1975.

 

Uma estratégia que viria a dar resultados, já que no final de Agosto, com o PCP muito manietado no seu espaço, Costa Gomes, num gesto bizantino, demite Vasco Gonçalves da liderança do Governo para o nomear Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Também é nesta altura que a posição do Departamento de Estado norte-americano começa a mudar e os apoios dos países europeus começam a chegar.

 

Este episódio, contado de forma muito resumida, serve apenas para recordar um pouco da História e lembrar que as relações entre os Estados prolongam-se no tempo e devem ser alimentadas habilmente.

 

E perante isto, o autor destas linhas não tem dúvidas que ao longo dos últimos anos algo se perdeu nas relações entre Portugal e a Alemanha. Provavelmente, perdeu-se a política e a arte da diplomacia. Isto também tem muito a ver com a personalidade dos líderes.

 

Como é que é possível que Angela Merkel só agora, no dia 12 de Novembro de 2012, tenha feito a sua primeira vista oficial a Portugal, desde que foi eleita em 2005 (excepto cimeiras da UE e da NATO)? Ou como é que foi possível que o antigo chanceler Gerhard Schroeder tenha feito a sua primeira visita a Portugal em Outubro de 2004, seis anos depois de ter sido eleito?

 

Para se ter uma ideia, no mesmo período (1998 e 2012) Portugal recebeu as mesmas duas visitas “oficiais” dos papas: João Paulo II, em 2000, e  Bento XVI, em 2010. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Mein Kampf vai voltar a ser publicado na Alemanha

Alexandre Guerra, 25.04.12

 

O governo da Baviera anunciou esta Quarta-feira que vai voltar a publicar o "Mein Kampf" antes de 2015, altura em que expiram os direitos de autor, actualmente detidos pelas autoridades daquele "land" alemão.  

 

Embora a lei alemã não proíba a publicação da obra de Adolf Hitler, as autoridades da Baviera têm utilizado os seus direitos de autor para impedir que qualquer cópia fosse novamente editada desde 1945.

 

A partir de 2015, altura em que se assinalam 70 anos sobre a morte de Hitler, a região da Baviera vai deixar de ter o exclusivo dos direitos de autor daquela polémica obra. 

 

Como forma de esgotar o potencial comercial de eventuais edições após 2015, o governo da Baviera informou que está a ultimar uma edição do "Mein Kampf", devidamente anotada e comentada, para estudantes. Com esta iniciativa, as autoridades da Baviera esperam poder deitar por terra quaisquer oportunidades de negócio por parte de editoras que queiram publicar o "Mein Kampf".

 

Já agora, a propósito do livro que Hitler escreveu em 1924 enquanto estava na prisão, o "Mein Kampf" foi publicado em Julho de 1925 com uma tiragem de 10 mil exemplares. O livro tinha quatrocentas páginas e a capa ostentava uma fotografia a preto e branco de Hitler. O título estava estampado numa faixa vermelha que rasgava na diagonal a capa.

 

Em Dezembro de 1926, e motivado pelo prazer da escrita, Hitler viria a publicar um segundo volume, no qual dá um particular destaque ao "projecto político", dissertando sobre questões ideológicas, como o Estado nacional-socialista, a propaganda ou a política internacional.

 

Só em 1930 viria a ser publicada uma edição com os dois volumes, que viria a ser conhecida como a "bíblia nazi", tendo em conta o seu papel fino, o formato de bolso e a capa escura. Houve ainda uma edição de luxo do "Mein Kampf" numerada de 1 a 500.

 

Quanto aos números impressionantes da obra, veja-se logo no início: Até 1929 tinham sido vendidos 23 mil exemplares do primeiro volume e 13 mil do segundo. Um sucesso, portanto.

 

No ano seguinte, e por motivos que agora não serão aqui explanados, o livro vendeu mais 54 mil exemplares. No final de 1932 as vendas já chegavam a 230 mil exemplares. Estima-se que só até Janeiro de 1933, altura em que Hitler sobe ao poder, o "Mein Kampf" terá vendido na Alemanha cerca de 241 mil.

 

Provavelmente, muitas pessoas não terão a noção de que o "Mein Kampf" continuou a ser um "best seller" mesmo depois do II GM. Desde então que tem vendido milhões. Segundo a revista americana Cabinet, só da versão inglesa deverão ser vendidos anualmente 20 mil livros. Nalguns países, o "Mein Kampf" chegou a ocupar o top dos livros mais vendidos. Por exemplo, na Turquia houve um ano em que chegou a vender 80 mil exemplares.  

 

A nova "arma" da política externa russa já está operacional

Alexandre Guerra, 07.09.11

 

Uma das componentes do pipeline a bordo do navio Castoro Sei no Mar Báltico/Foto: Nord Stream

 

No meio de tanto "entusiasmo" no que respeita ao debate sobre a crise dos mercados e das dívidas soberanas e respectivas fórmulas milagrosas de salvação europeia, talvez seja importante sublinhar que a Alemanha e a Rússia acabam de concretizar um dos projectos estratégicos mais importantes para os próximos anos no âmbito da política energética, não apenas daqueles dois países, mas também da Europa. O tão esperado Nord Stream já está operacional, devendo em Outubro começar a fornecer gás natural proveniente da Rússia directamente para a Alemanha, através do gasoduto de pipeline duplo colocado no Mar Báltico.

 

Ainda numa fase técnica inicial, visando o aumento da pressão no pipeline, a cerimónia de arranque foi levada a cabo esta terça-feira pelo primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, um dos mentores deste projecto, que também teve o apoio fervoroso da chanceler alemã, Angela Merkel. A inauguração oficial, no entanto, será só em Novembro com uma visita do Presidente Dimitri Medvedev à Alemanha.

 

 

Atendendo às necessidades energéticas europeias crescentes e às consequentes políticas de conflito daí resultantes, o Nord Stream é mais do que um mero gasoduto. É sobretudo uma arma de política externa da Rússia que se jogará no tabuleiro da geoestratégia e da geopolítica da Europa. Isto não quer dizer que este projecto seja hostil aos interesses da Europa. Na verdade, alguns países da União Europeia serão beneficiados, já que receberão o gás natural russo de uma forma mais segura, rápida e eficaz. Convém não esquecer as várias “crises” energéticas que a Europa tem assistido em invernos recentes, como em 2006 e 2009, provocando nalguns países situações de autêntica ruptura no fornecimento de energia.

 

Mas dentro do espaço comunitário é sem dúvida a Alemanha a principal beneficiária, tendo o privilégio de ter um gasoduto directamente ligado à “fonte”, poupando-se às dores de cabeça provocadas pelas passagens turbulentas em países como a Ucrânia. Há muito que Merkel tinha percebido a importância estratégica deste projecto para a Alemanha, não sendo por isso de estranhar que o mesmo tenha despertado a “realpolitik” pura e dura do Estado alemão.

 

Quando em Outubro de 2008 a chanceler alemã e Dimitri Medvedev se encontraram em São Petersburgo, tinham passado poucas semanas sobre a “invasão” russa na Ossétia do Sul, que tinha gerado a indignação da Europa, incluindo a alemã. Ora, indignação à parte, a ofensiva militar russa e os supostos crimes de guerra cometidos durante os cinco dias de conflito com os soldados da Geórgia não foram suficientes para travar os ímpetos negociais de Merkel em São Petersburgo na defesa dos seus interesses.

 

Na altura, Merkel assegurou para a Alemanha uma importante participação (25 por cento) na exploração do campo de gás natural de Yuzhno-Russkoye na Sibéria. Em troca, o Estado alemão abdicara de metade dos 6,5 por cento que detinha na Gazprom, a empresa russa de gás natural. Com aquele negócio, a E.On, empresa alemã de energia, passou a ter acesso a um vasto campo de gás natural e a Gazprom abdicou das suas pretensões de adquirir uma parte do capital daquela companhia. Como contrapartidas, a Gazprom enfraqueceu a presença alemã no capital da empresa e obteve por parte daquele país um impulso para a construção do projecto Nord Stream.

 

Mas é sem dúvida Moscovo o principal interessado ao ver no Nord Stream uma ferramenta económica poderosa e uma "arma" de política externa eficaz para lidar com alguns Estados vizinhos com quem o relacionamento tem sido mais conturbado. Com este gasoduto a Rússia coloca directamente no mercado europeu (através da Alemanha) o gás natural proveniente das suas imensas reservas, sem que tenha que recorrer a outros gasodutos que transitam por vários países, como a Ucrânia ou a Polónia. Não é por acaso que a Polónia e a Ucrânia foram as vozes mais críticas ao projecto Nord Stream, vendo os seus territórios serem secundarizados no âmbito da estratégia energética europeia.

 

Mas é sobretudo em relação a Kiev que a rota do Nord Stream vai permitir que Moscovo se liberte das tensões e chantagens político-diplomáticas exercidas pelo Governo ucraniano. O  Nord Stream, orçado em 8,8 mil milhões de euros, é composto por um pipeline duplo, estando a primeira linha totalmente construída, com os seus 1224 quilómetros, devendo a segunda linha estar operacional em 2013, tendo até ao momento sido construídos 663 quilómetros.

 

Texto originalmente publicado no Forte Apache.

 

Leni Riefenstahl, a genialidade da propaganda política

Alexandre Guerra, 31.01.11

 

 

Poucos, como a cineasta alemã Leni Riefenstahl (Berlim, 1902-2003), terão utilizado de forma tão genial a sua arte ao serviço de um regime político. Riefenstahl veio encorpar o conceito de propaganda política para uma dimensão artística quase transcendente, tornando-a uma das maiores realizadoras femininas do século XX, embora as suas orientações políticas a tenham condenado a uma ostracização aos olhos da sociedade alemã.

 

Amiga pessoal de Adolf Hitler e figura proeminente no Terceiro Reich, Leni Riefenstahl enquadrou toda a sua obra durante este período na doutrina dominante do regime. E mesmo muitos anos mais tarde, o Diplomata recorda-se de ver um documentário, no qual Leni tinha alguma dificuldade na análise objectiva do que se tinha passado durante o regime Nazi na Alemanha. Chegou a confessar que se sentia fascinada pelo nacional socialismo, mas que desconhecia a política de extermínio dos judeus em curso, assim como a existência de campos de concentração.

 

A sua proximidade ao regime e, que este autor tenha conhecimento, a ausência de remorsos e de desculpas, fizeram dela uma personagem pouco “simpática”, apesar de muita da imprensa internacional lhe reconhecer o pioneirismo e a inovação das suas técnicas cinematográficas. Mesmo na Alemanha esse reconhecimento existiu.

 

Considerada a sua obra prima, Triumph des Willens (diz a Wikipédia que o nome foi atribuído por Hitler) projectou na tela a ideologia Nazi e, sobretudo, a visão que o Fueher tinha da sociedade.

 

Filmado durante um comício do Partido Nazi em Nuremberga, em Setembro de 1934, aquele filme, lançado um ano depois, ganhou vários prémios internacionais

 

Riefenstahl estudou pintura e iniciou-se na dança, tendo sofrido uma lesão no joelho que pôs fim, diz a sua biografia no site oficial, a uma carreira brilhante. Mas é a partir daí que encontra o seu caminho de sucesso enquanto actriz, realizadora e produtora.

 

Começa a trabalhar nos anos 30, granjeando prestígio e fama, que culmina com o Triumph des Willens.

 

Em 1938 surge Olympia, mais um instrumento grandioso de propaganda do regime Nazi. Um documentário sobre os célebres Jogos Olímpicos de Berlim de 1936, que se tornou numa referência na cobertura fotográfica e cinematográfica desportiva. Por exemplo, foi a primeira realizadora a utilizar carris para colocar as câmaras de modo a que pudessem acompanhar os atletas. Entre os atletas filmados, estava um chamado Jesse Owens, que viria a protagonizar um dos momentos mais importantes em termos políticos e sociais no desporto do século XX.      

 

A genialidade de Riefenstahl acabou também por ser a sua condenação pública após o fim da II GM, jamais libertando-se da imagem de propagandista oficial do regime Nazi.

 

Seja como for, e depois de ter estado presa, Leni Riefenstahl conseguiu prosseguir a sua carreira com bastante sucesso, não só como cineasta, mas também como fotógrafa, acolhida na elite mundial com reportagens e trabalhos de grande valor artístico e técnico.   

 

Leni Riefenstahl manteve-se profissional e socialmente muito activa quase até ao fim da sua vida. A 8 de Setembro de 2003 morre com 101 anos, e deixou para a história um dos trabalhos artísticos mais geniais de propaganda política.

 

*Mais um texto do Diplomata no âmbito desta rubrica.

 

2010, o ano em para muitos historiadores alemães acabou a I GM

Alexandre Guerra, 26.12.10

 

 

Para a História, e já num tom de balanço, é muito provável que 2010 seja um dia lembrado como o “ano dos mercados”. O ano em que estes etéreos e omnipresentes “mercados” passaram a ditar as regras do mundo, suplantando a Política, enquanto arte de governação, com base nas dívidas públicas, nos défices, nos PIB’s, na solvabilidade da banca, nas taxas de esforço e por diante.

 

Mas por falar em dívidas públicas e responsabilidades financeiras, 2010 ficará também marcado por um acontecimento que passou quase despercebido, mas simbolicamente muito importante, porque encerra um período da História iniciado com a I Guerra Mundial.

 

No passado mês de Outubro, a Alemanha concluiu o pagamento dos 94 milhões de dólares em dívida pelas reparações financeiras impostas pelo Tratado de Versalhes, em 1919. Poderá parecer um mero pormenor contabilístico, até porque a quantia é irrelevante, mas para muitos historiadores, trata-se de um momento de importante simbolismo, sublinhando que a I GM acabou no passado dia 3 de Outubro.  

 

“É um símbolo. Marca o final da I GM”, disse ao The Christian Science Monitor, Ursula Rombeck-Jaschinski, professora de História Moderna na Universidade de Heinrich-Heine em Duesseldorf. “Prova que a Alemanha está preparada para pagar as suas dívidas 92 anos depois. Mais importante, mostra ainda que a Alemanha de hoje é totalmente diferente da Alemanha dos anos 20 ou 30.”

 

As eleições que deram a liberdade de escolha a Angela Merkel

Alexandre Guerra, 27.09.09

 

 

Nas outras eleições legislativas do dia, que não em Portugal, a chanceler alemã, Angela Merkel, venceu ao garantir mais de 33 por cento dos votos para o CDU (democratas cristãos). Com este resultado, insuficiente para garantir uma maioria absoluta no Bundestag (como aliás já se esperava), a Alemanha continuará a ter um Governo de coligação, no entanto, é ainda prematuro para adiantar a sua cor.

 

Merkel já disse que gostaria de coligar-se com o FDP (14,5 por cento), sendo, por isso, muito provável que a coligação com o SPD (social democratas), forjada em 2005, não se volte a repetir. Os 22,5 por cento obtidos pelo SPD levaram o seu líder Frank-Walter Steinmeir a admitir a derrota. 

 

Uma eventual aliança entre a CDU e o FDP daria para uma maioria estreita no Bundestag sobre uma aliança do centro esquerda formada pelo SPD, os Verdes (10 por cento) e o partido de Esquerda (12,5 por cento). 

 

Além da relação de amizade com o líder do FDP, Guido Westerwelle, a linha ideológica deste partido está mais próxima da visão política que Merkel quer continuar a implementar do que aquela que o SPD tem defendido. O FPD deverá ser assim recompensado pelos melhores resultados de sempre com um lugar no Governo.

 

   

 

Apesar da coligação governamental poder vir a mudar de cor, a Alemanha não vai sofrer grandes alterações nos desígnios da sua política, sobretudo por duas razões: 

 

A primeira razão que se pode retirar é o conservadorismo manifestado pelo eleitorado alemão, ao evitar uma mudança na liderança política do país, optando por reiterar a sua confiança em Merkel, que já fez questão de frisar que manterá o seu programa de Governo.

 

A segunda razão importante a reter, e como observou Roland Koch, líder do estado de Hessen, estes resultados eleitorais dão a Merkel a liberdade de escolher o parceiro governamental que bem entende, algo que não aconteceu nas eleições de 2005, nas quais o processo negocial de formação de Executivo foi bastante conturbado e moroso. 

 

Missiva comprova os receios de Mitterrand e de Thatcher à reunificação alemã

Alexandre Guerra, 12.09.09

 

 

Em parte, os receios históricos da França e do Reino Unido perante a possibilidade de ressurgimento de uma Alemanha unificada e poderosa após a II Guerra Mundial acabaram por estar na génese do projecto europeu. Esta entidade, segundo a visão de alguns líderes europeus, seria uma espécie de regulador e inibidor de qualquer ímpeto ou tentação germânica.  

 

François Miterrand, antigo Presidente francês entre 1981 e 1995, foi um dos estadistas que assumiu como missão tornar a Europa forte para manter a Alemanha controlada. Na verdade, e ao contrário da visão americana, líderes como Miterrand tinham, apesar de tudo, mais receio de uma Alemanha poderosa do que da ameaça soviética.

 

Preferiam manter, na medida do possível, a Alemanha agrilhoada às condicionantes herdadas da II Guerra Mundial, sendo que a maior delas era a sua divisão territorial. Um país amputado no seu espaço geográfico está sem dúvida mais fragilizado num dos mais importantes factores de poder.

 

Miterrand estava consciente desse facto  e, por isso, o cenário da reunificação alemã era algo que o preocupava e, eventualmente, o assustava. O seu empenho na construção europeia tinha uma componente ideológica, mas também servia os interesses realistas da França. 

 

Documentos agora revelados pelo Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico) revelam como Mitterrand estava preocupado com o processo que estava em curso para a reunificação da Alemanha. O Presidente francês deu o seu apoio à antiga primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, que se opunha com veemência à junção da RDA e da RFA. 

 

Mitterrand terá mesmo dito a Thatcher durante um encontro no Palácio do Eliseu a 20 de Janeiro de 1990, que a "Europa não estava preparada para a reunificação da Alemanha e que isto não poderia tornar-se prioritário sobre tudo o resto".

 

Apesar desta posição, Mitterrand tinha a perfeita consciência de que a reunificação alemã era um processo imparável e que seria apenas uma questão de tempo até isso acontecer.

 

A guerra dos gasodutos na Cimeira da Primavera

Alexandre Guerra, 20.03.09

 

 

A problemática da energia tem sido recorrente nos útlimos anos na Europa, sobretudo no que diz respeito ao fornecimento de gás natural proveniente da Rússia. Os alarmes têm soado intensamente, e rapidamente se ouvem várias vozes europeias a exortar uma estratégia concertada e comum para garantir a estabilidade energética na Europa.

 

Perante este cenário, seria de esperar que a União Europeia estivesse empenhada em encontrar soluções que permitissem a médio e a longo prazo encontrar um modelo sustentável de fornecimento de fontes de energia, especificamente na área do gás natural.

 

E apesar de nos últimos invernos a Europa criticar a Rússia pelo corte no fornecimento de gás e, consequentemente, falar na necessidade de serem adoptadas medidas que minimizem a dependência europeia face àquele país, a verdade é que quando a "tempestada" se dissipa o discurso parece mudar, e volta a ser cada um por si. 

 

Precisamente, um dos temas que tem sido discutido na Cimeira da Primavera, e que reúne os chefes de Estado e de Governo da UE em Bruxelas, é a inclusão ou não do Nabucco na lista de projectos a serem financiados pelos cofres comunitários.

 

Ora, sendo o Nabuco um gasoduto projectado para fornecer gás natural proveniente de países da Ásia Central, como o Turquemenistão, ou do Médio Oriente, como o Irão, contornando a Rússia e Ucrânia, através de uma ligação no sul da Europa, passando por países como a Turquia e a Bulgária, seria natural que o mesmo fosse facilmente aceite pelos governantes europeus. 

 

Valores em metros cúbicos/Fonte: BP Statistical Review 2006

 

No entanto, a Alemanha opõe-se a este projecto, recusando o financiamento de Bruxelas de 250 milhões de euros. Por isso, a grande dúvida agora é saber se o Nabucco estará incluído na declaração final desta Sexta-feira do Conselho Europeu. 

 

A posição de Berlim é reveladora da dinâmica em que a lógica nacional impera sobre os interesses comunitários. Porque, quando se fala de soluções para o problema do fornecimento de gás natural, está-se quase sempre a referir acções unilaterais.

 

O gasoduto Nord Stream é exemplo disso, sendo resultado de uma parceria entre a Alemanha e a Rússia (via Gazprom), que prevê a utilização do Mar Báltico para fazer chegar gás natural, primeiro, à Alemanha e depois ao resto da Europa.

 

Trata-se de um projecto de tal maneira importante para Berlim que nem a guerra do Cáucaso do ano passado foi suficiente para colocar entraves ao negócio. Pelo contrário, como já aqui foi escrito, os Governos alemão e russo reajustaram os contornos da parceria servindo os interesses de ambas as partes. 

 

Convém dizer que o Nabucco é como que um rival do Nord Stream, quer na perspectiva de Berlim, quer na óptica de Moscovo. Quarenta e nove por cento do capital do Nord Stream pertence às empresas alemãs E.ON e BASF, cada uma com 20 por cento. A holandesa Gasunine tem 9 por cento e os restantes 51 por cento são da Gazprom.

 

A Alemanha ao vetar a inclusão do Nabucco nos projectos a serem financiados pela União Europeia está a colocar os seus interesses nacionais acima do bem comum comunitário. Ao mesmo tempo, a Gazprom, que é o mesmo que dizer o Governo russo, mantém o monopólio de fornecimento de gás natural a uma grande parte da Europa.