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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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O eterno e esquecido conflito em Caxemira

Alexandre Guerra, 15.02.19

 

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À esquerda vê-se a Linha de Controlo (LoC) que divide o enclave de Caxemira entre a administração indiana e paquistanesa

 

É um dos conflitos mais antigos, mas igualmente um dos mais esquecidos e descurados pela imprensa internacional. Nem mesmo o atentado suicida desta semana, que provocou 46 mortos, teve particular destaque, passando quase despercebido. A remota Caxemira é uma daquelas zonas do globo eternamente turbulentas, disputada desde há muito por muçulmanos e hindus, num conflito que, a partir de 1947, com a partição do Paquistão e da Índia, assumiu contornos bélicos, opondo os dois países por três vezes (1947-48, 1965 e 1999). Desde o primeiro conflito, depois do Marajá de Caxemira ter optado por ficar integrado na Índia – apesar de a maioria da população ser muçulmana –, aquela região ficou dividida pela “Linha de Controlo”, sendo que uma parte está sob administração paquistanesa e a outra debaixo da soberania indiana.

 

Islamabad sempre viu aquele território como uma extensão natural do Paquistão, já que a maior parte da população é islâmica. Não é por isso de estranhar que Islamabad tenha sempre defendido a realização de um referendo na zona da Caxemira indiana para se decidir o futuro daquele enclave, algo que Nova Deli rejeita. Por outro lado, a Índia tem recorrido aos acordos de 1947, feitos com o Marajá, e de 1972, com o Paquistão, para evitar colocar o assunto sob referendo. Nova Deli tem defendido sempre uma via bilateral para a resolução do problema.

 

Os graus de intensidade daquele conflito vão oscilando ao longo dos anos, tendo o ataque de Quinta-feira sido o mais violento das últimas três décadas. O atentando foi feito por um membro do grupo islâmico Jaish-e-Mohammad, que fez embater um veículo carregado de explosivos contra uma coluna de autocarros quando transportavam forças paramilitares indianas na autoestrada que liga Srinagar, capital da Caxemira indiana, à cidade de Jammu. Nova Deli acusou de imediato Islamabad de estar por detrás do ataque e de conceder um “santuário” ao grupo terrorista Jaish-e-Mohammad. Paquistão recusou estas acusações e condenou o atentado, mas nesta matéria de cinismo, as autoridades paquistanesas já demonstraram que são exímias, bastando para isso ver o jogo duplo que têm feito durante anos no relacionamento com o seu aliado EUA e o apoio aos taliban e à al Qaeda.

 

Nova Deli tem, por isso, alguma razão quando acusa o Paquistão de não envidar os esforços necessários para travar os terroristas islâmicos que se movimentam livremente em solo paquistanês. Mas a questão é que se à Índia interessa que o conflito “congele”, mantendo o status quo territorial, já Islamabad pensa que pode retirar proveitos em desestabilizar o lado indiano de Caxemira, com o objectivo de um dia poder reclamar aquela área para sua administração. Perante isto, não é de estranhar que a maior parte da violência aconteça em solo indiano, quer em Caxemira, mas também em cidades como Nova Deli.

 

Embora pouco apelativo para a imprensa, a comunidade internacional não deve nem pode descurar este conflito, que só no ano passado fez 500 vítimas. A  história tem demonstrado que Caxemira tem sido um rastilho para incendiar as relações entre a Índia e o Paquistão e, como há uns anos escrevi, é potencialmente o conflito mais perigoso do mundo, porque opõe directamente duas potências nucleares.

 

Narendra Modi, o hindu todo o poderoso

Alexandre Guerra, 16.05.14

 

 

A concretizarem-se as projecções das eleições legislativas na Índia, o partido nacionalista hindu BJP terá conseguido uma maioria muito alargada ou, até mesmo, absoluta. Narendra Modi, até agora o homem forte do principal estado indiano, Gujarat, foi o principal responsável pela derrota histórica do Congresso, um partido que tem dominado a cena política na Índia desde a sua independência, em 1947.

 

A vitória do BJP de Narendra Modi e a derrota do Congresso de Rahul Gandhi, partido que se confunde com a dinastia Nehru-Gandhi, poderá reflectir uma dinâmica popular de rejeição ao "establishment", que, por um lado, proporcionou progresso aos estratos mais bem instalados, mas, por outro lado, não tem conseguido corrigir assimetrias gritantes na sua sociedade -- De certa maneira, assiste-se a uma realidade parecida no Brasil, trazida à tona de forma mais evidente com a realização do Mundial de Futebol, provocando reacções inesperadas (para os mais desatentos) das classes médias e baixas.

 

De origem mais humilde e mais focado numa economia ao serviço da população, Narendra Modi disse aquilo que os indianos queriam ouvir: reformas económicas e emprego, sobretudo para os mais jovens. Como bom exemplo tinha o estado de Gujarat, à frente do qual esteve nos últimos 12 anos. Para alguns analistas, os indianos vêem Modi como o homem do "pro-development, pro-action and can-do".

 

A questão agora é saber o que Modi fará com todo o poder que os indianos lhe entregaram. 

 

O conflito potencialmente mais perigoso do mundo

Alexandre Guerra, 09.01.13

 

À esquerda vê-se a Linha de Controlo (LoC) que divide o enclave de Caxemira entre a administração indiana e paquistanesa

 

O enclave de Caxemira é palco do conflito potencialmente mais perigoso do mundo pelo simples facto de estarem nos diferentes lados da barricada dois Estados inimigos assumidamente nucleares: a Índia e o Paquistão.

 

Sinais dos tempos de mudança

Alexandre Guerra, 09.11.12

 

O Reino Unido vai deixar de providenciar ajuda financeira à Índia a partir de 2015, anunciou esta Sexta-feira a secretária do Desenvolvimento Internacional, Justine Greening. A partir dessa data, Londres passará a dar apenas apoio técnico àquele Estado asiático. 

 

Nos próximos dois anos está ainda prevista a doação de 319 milhões de dólares, mas depois disso Londres considera que já não faz sentido continuar com este tipo de política, tendo em conta o crescimento económico e de estatuto da Índia.

 

Uma posição certamente partilhada pelo Governo indiano que, orgulhosamente, vê o seu país assumir um papel cada vez mais preponderante no sistema internacional. Aliás, o correspondente da BBC News em Nova Deli referia que esta decisão não tinha causado qualquer surpresa às autoridades indianas.

 

A Índia cosmopolita "despida" dos seus valores espirituais

Alexandre Guerra, 14.08.12

 

 

No seguimento de dois textos aqui escritos a propósito de duas obras literárias lidas recentemente que, através dos seus enredos, descreviam subtilmente as respectivas sociedades e períodos históricos em que se inseriam, o Diplomata escreve agora sobre o terceiro e último livro que tinha referido.

 

Assim, depois de “Quem Matou Palomino Molero?” (1986) de Mario Vargas Llosa e de “O Amor nos Tempos de Cólera” (1985), de Gabriel García Márquez, é a vez de o “O Último Homem na Torre” (2011) de Aravind Adiga.

 

É o segundo livro daquele escritor indiano depois de se ter estreado em grande estilo com o fabuloso e aclamado “O Tigre Branco”, vencedor do Man Booker Prize em 2008.

 

Voltando ao “O Último Homem na Torre”, o Washington Post descreveu-o da seguinte forma: “Funny, provocative and decadent: Aravind Adiga’s ‘Last Man in Tower’ is the kind of novel that’s so richly insightful about business and character that it’s hard to know where to begin singing its praises.”

 

Nesta obra, à semelhança da primeira, Aravind Adiga lança um olhar acutilante e incisivo sobre a sociedade indiana contemporânea, mais concretamente sobre o seu lado mais cosmopolita.

 

Os vários personagens que compõem a história, quase todos concentrados numa torre de habitação em vias de ser demolida para dar lugar a um empreendimento de luxo em Mumbai (Bombaim), representam as várias faces de uma classe média indiana citadina e de um sistema empresarial perverso e sem princípios éticos, longe de corresponder àquela imagem da Índia orientada pelas boas práticas e pelos valores mais elevados da espiritualidade. 

 

Um apelo à “colaboração global” através da música sublime de Herbie Hancock

Alexandre Guerra, 05.07.10

 

Aos 70 anos, feitos há sensivelmente dois meses, e com cinco décadas de carreira, o lendário Herbie Hancock fez um “disco global”. O The Imagine Project, acabado de lançar no mercado internacional, e que o autor destas linhas já adquiriu (via Amazon) e ouviu, é um apelo à imaginação, mas também à sensibilização das sociedades pós-modernas para a necessidade de trilharem um caminho comum.

 

Considerado o mais ambicioso de todos os seus trabalhos, o que perspectiva de facto algo de grandioso para alguém que é considerado com um dos melhores pianistas de jazz de todos os tempos e um dos mais influentes músicos dos séculos XX e XXI, o The Imagine Project é uma transcendência para outros mundos musicais.

 

Diferentes culturas e línguas, povos e nações, tradições e raízes, foi à procura destas realidades que Hancock embarcou num projecto que percorreu vários continentes, gravado em 6 países, com artistas de origens e de estilos diversos.

 

Para lá de qualquer estereotipo associado ao jazz, Hancock reúne neste álbum artistas como Pink, India.Arie, Jeff Beck, John Legend, Chaka Khan, The Chieftains, Wayne Shorter, Dave Matthews, Anoushka Shankar, Juanes ou Los Lobos. Não existem temas originais, apenas versões de músicas de estilos variados, como Imagine de John Lennon (numa versão magistral, diga-se), Don’t Give Up de Peter Gabriel, Tempo de Amor de Baden Powell e Vinicius de Moraes ou a lindíssima Change is Gonna Come de Sam Cooke.

 

Sendo um álbum que funde diferentes estilos, o The Imagine Project é uma espécie de “Nações Unidas” musical, já que um dos objectivos deste álbum foi promover uma “colaboração global”, que se materializasse numa obra universal e que simbolizasse a própria “globalização”. “É o século XXI. Não temos que pensar de forma nacional nunca mais, temos que pensar globalmente”, disse Hancock em entrevista.

 

Não é por isso de estranhar que este projecto tenha começado com uma viagem em Fevereiro de 2009 à Índia. Com o apoio do Departamento de Estado norte-americano, Hancock levou vários músicos à Índia no âmbito da comemoração do 50º aniversário de Martin Luther King, numa clara missão cultural, mas igualmente numa afirmação de “soft power” americano.

 

Durante esta viagem Hanckock reuniu-se com Chaka Kan e com outros músicos indianos para gravar, num estudo em Mumbai, a “The Song Goes On”. Uma música que tem também o contributo de Anoushka Shankar, K.S Chithra e de Wayne Shorter.

 

Mais do que um álbum de música, Herbie Hancock, vencedor de 12 Grammys e um dos privilegiados que tocou com Miles Davis num dos seus Quintetos, quis lançar o apelo de que só respeitando as diferentes culturas e através da colaboração global se consegue alcançar a paz entre os diferentes povos. É por isso que Herbie Hancock começa o álbum com aquele que é um dos principais hinos à paz: Imagine.

 

Índia e Paquistão, uma questão de confiança

Alexandre Guerra, 24.05.10

 

Tal como acontece entre pessoas, também no relacionamento entre Estados a confiança é fundamental para uma política de boa vizinhança. A ausência daquele factor potencia situações de tensão ou de crise, como se constata, por exemplo, entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, entre a China e Taiwan, entre Israel e o Irão, entre os Estados Unidos e a Venezuela, entre a Rússia e a Ucrânia ou entre o Paquistão e a Índia.

 

Foi aliás a propósito das débeis relações político-diplomáticas entre estes dois países que o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, disse que a falta de confiança era o principal obstáculo para uma aproximação entre Nova Deli e Islamabad.

 

A Índia e o Paquistão têm revelado uma inimizade histórica, chegando inclusive a um estado de conflito por três vezes (1947-48, 1965 e 1999). A disputada região de Caxemira tem sido o principal foco de instabilidade, prolongando-se há mais de 60 anos uma lógica de discussão de soberania sobre aquela território.

 

Quando se deram as independências da Índia e do Paquistão, em 1947, o marajá de Caxemira optou pela soberania indiana. No entanto, Islamabad sempre viu aquele território como uma extensão natural do Paquistão, já que maior parte da população é islâmica. Não é por isso de estranhar que Islamabad defenda a realização de um referendo em Caxemira para se decidir o futuro daquele enclave, algo que Nova Deli nem quer ouvir falar.

 

A Índia tem recorrido aos acordos de 1947, feitos com o Marajá, e de 1972, com o Paquistão, para evitar colocar o assunto sob referendo. Nova Deli tem defendido sempre uma via bilateral para a resolução do problema. Por outro lado, ao Paquistão interessa que o tema assuma contornos internacionais e multilaterais.  

 

Depois de alguns anos de melhoria, em Novembro de 2008 as relações entre os dois países voltaram a deteriorar-se após um ataque feito através de mar por terroristas paquistaneses à cidade indiana de Mombai, matando mais de 174 pessoas.

 

Este ataque veio minar algumas medidas de confiança que tinham sido implementadas desde 2005, tais como o recomeço de um serviço de autocarro entre os dois lados de fronteira de Caxemira, a reabertura de uma estrada 60 anos depois e a reintrodução de um comboio entre a Caxemira indiana e a paquistanesa.

 

As declarações agora proferidas pelo primeiro-ministro Singh surgem a sensivelmente dois meses do início de uma nova ronda de negociações ao nível dos ministros dos Negócios Estrangeiros do Paquistão e da Índia, numa tentativa clara de incutir confiança entre os dois países. Porque sem que tal exista, de pouco serve os responsáveis políticos sentarem-se à mesma mesa.

 

O segredo da Índia em tempo de crise

Alexandre Guerra, 25.07.09

 

Indianos a circular nas ruas de Bangalore

 

Do muito que se tem escrito sobre a actual crise internacional e das suas repercussões nos vários países, este autor leu recentemente uma análise bastante interessante na Newsweek a propósito do papel da Índia na actual conjuntura.
 
O texto é assinado por Arvind Subramanian, senior fellow do Peterson Institute for International Economics, e começa por fazer um enquadramento político na Índia, salientando a recente vitória do histórico Partido do Congresso nas eleições legislativas de Maio.
 
Subramanian observa que a Índia tem resistido à turbulência financeira e económica melhor do que outros países, nomeadamente do bloco BRIC, em particular a China. Tal deve-se ao facto da Índia nunca ter-se deslumbrado pelos mecanismos e modelos económicos e financeiros que tanto atraíram investidores em países como os Estados Unidos, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão ou a China.
 
Não obstante, a Índia cresceu nos últimos cincos anos quase a uma média de 9 por cento ao ano, mas, segundo aquele investigador, sem correr os riscos que os Estados Unidos correram na área do “finance”, com a exposição aos produtos de alto risco, ou a sujeitar-se às fragilidades do mercado internacional como a China o fez no sector do “trade”, nomeadamente através da forte dependência nas exportações. Como refere Subramanian, a actual crise poderia ter acabado com o sonho indiano, mas não acabou.
 
A Índia evitou enquadrar o seu modelo de crescimento exclusivamente em estratégias extremas, fosse através de mecanismos financeiros complexos e altamente dependentes dos canais internacionais, fosse através de políticas económicas unicamente assentes nas exportações.
 
Segundo Subramanian, o segredo para a relativa estabilidade da Índia nos dias que correm deve-se em grande parte ao desempenho do primeiro-ministro, Manmohan Singh, nos últimos cinco anos, e agora reeleito.
 
Da religião sikh e nascido na zona ocidental do Punjab, Singh foi funcionário do Fundo Monetário Internacional (FMI) e governador do Banco Central da Índia. A sua formação académica é de Oxford e de Cambridge. Com este passado percebe-se facilmente que Singh, além de dominar a teoria da economia internacional e dos mercados financeiros, tem igualmente uma experiência que certamente lhe está a ajudar na condução dos desígnios da maior democracia do mundo.
 
A verdade é que Índia vive hoje uma situação que lhe permite ter alguma folga nos cofres do Estado, assim como na capacidade de financiamento empresarial, tendo conseguido manter elevadas reservas em dólares.
 
Mesmo ao nível das exportações, a Índia não está a ser tão afectada como, por exemplo, os Estados Unidos ou a China. As exportações na Índia nunca contaram mais de 20 por cento da sua economia, contrastando com os 45 por cento da China. É certo que em tempos de bonança, este país acaba por beneficiar bastante mais que a Índia, mas no actual cenário de contracção, a vantagem está do lado da nação indiana.
 
Subramanian acredita que esta situação resulta de uma estratégia consciente de Singh. A quase maioria absoluta do Partido do Congresso obtida nas eleições legislativas de Maio pode ser o reconhecimento, por parte do povo, dessa mesma estratégia, ou seja: “(…) India never enjoyed the kind of benefits – such as greater efficiency and productivity leading to even higher growth – that big-bang reforms can deliver. But it did have the huge advantage of ensuring stability when conditions got rough."
 
Em jeito de metáfora, Subramanian acaba o seu texto a comparar a Índia ao “revolucionário” Nano, um automóvel de 2000 dólares, modesto e longe de ser “fancy”, mas um caso de sucesso.