O eterno e esquecido conflito em Caxemira
À esquerda vê-se a Linha de Controlo (LoC) que divide o enclave de Caxemira entre a administração indiana e paquistanesa
É um dos conflitos mais antigos, mas igualmente um dos mais esquecidos e descurados pela imprensa internacional. Nem mesmo o atentado suicida desta semana, que provocou 46 mortos, teve particular destaque, passando quase despercebido. A remota Caxemira é uma daquelas zonas do globo eternamente turbulentas, disputada desde há muito por muçulmanos e hindus, num conflito que, a partir de 1947, com a partição do Paquistão e da Índia, assumiu contornos bélicos, opondo os dois países por três vezes (1947-48, 1965 e 1999). Desde o primeiro conflito, depois do Marajá de Caxemira ter optado por ficar integrado na Índia – apesar de a maioria da população ser muçulmana –, aquela região ficou dividida pela “Linha de Controlo”, sendo que uma parte está sob administração paquistanesa e a outra debaixo da soberania indiana.
Islamabad sempre viu aquele território como uma extensão natural do Paquistão, já que a maior parte da população é islâmica. Não é por isso de estranhar que Islamabad tenha sempre defendido a realização de um referendo na zona da Caxemira indiana para se decidir o futuro daquele enclave, algo que Nova Deli rejeita. Por outro lado, a Índia tem recorrido aos acordos de 1947, feitos com o Marajá, e de 1972, com o Paquistão, para evitar colocar o assunto sob referendo. Nova Deli tem defendido sempre uma via bilateral para a resolução do problema.
Os graus de intensidade daquele conflito vão oscilando ao longo dos anos, tendo o ataque de Quinta-feira sido o mais violento das últimas três décadas. O atentando foi feito por um membro do grupo islâmico Jaish-e-Mohammad, que fez embater um veículo carregado de explosivos contra uma coluna de autocarros quando transportavam forças paramilitares indianas na autoestrada que liga Srinagar, capital da Caxemira indiana, à cidade de Jammu. Nova Deli acusou de imediato Islamabad de estar por detrás do ataque e de conceder um “santuário” ao grupo terrorista Jaish-e-Mohammad. Paquistão recusou estas acusações e condenou o atentado, mas nesta matéria de cinismo, as autoridades paquistanesas já demonstraram que são exímias, bastando para isso ver o jogo duplo que têm feito durante anos no relacionamento com o seu aliado EUA e o apoio aos taliban e à al Qaeda.
Nova Deli tem, por isso, alguma razão quando acusa o Paquistão de não envidar os esforços necessários para travar os terroristas islâmicos que se movimentam livremente em solo paquistanês. Mas a questão é que se à Índia interessa que o conflito “congele”, mantendo o status quo territorial, já Islamabad pensa que pode retirar proveitos em desestabilizar o lado indiano de Caxemira, com o objectivo de um dia poder reclamar aquela área para sua administração. Perante isto, não é de estranhar que a maior parte da violência aconteça em solo indiano, quer em Caxemira, mas também em cidades como Nova Deli.
Embora pouco apelativo para a imprensa, a comunidade internacional não deve nem pode descurar este conflito, que só no ano passado fez 500 vítimas. A história tem demonstrado que Caxemira tem sido um rastilho para incendiar as relações entre a Índia e o Paquistão e, como há uns anos escrevi, é potencialmente o conflito mais perigoso do mundo, porque opõe directamente duas potências nucleares.