Agora, já é tarde para se chegar à conclusão que a Primavera Árabe nunca chegou
Henrique Monteiro (mas podia ser outro qualquer cronista) impelido pela mais recente condenação massiva proferida por um tribunal egípcio parece, à semelhança de tantos outros comentadores, ter agora "acordado" para uma realidade há muito previsível, para quem, claro está, tivesse um conhecimento mínimo da história dos Estados e das Relações Internacionais.
Escreve agora no Expresso, e só agora, depois de todo o mal estar feito, que "a primavera árabe está a tornar-se num pesadelo sangrento onde os mais elementares direitos humanos são espezinhados, de forma a parecer que as anteriores ditaduras não seriam piores". Ora, já há muito tempo que a Primavera Árabe se revelou uma criação perversa das chancelarias ocidentais.
A 15 de Maio de 2011, já o Diplomata escrevia o seguinte: "De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que tudo ia ser como na Tunísia, com as pessoas a virem pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército. Uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta 'febre' revolucionária repentina podia acabar mal para alguém. É então na Líbia que estala um verdadeiro processo revolucionário e reaccionário e com tudo o que isso acarreta. Para quem ainda não tenha reparado, a NATO está com um verdadeiro problema em mãos e não sabe como resolvê-lo. Na Síria, os contornos ameaçam ser ainda mais sangrentos, começando a vislumbrar-se situações aterradoras."
A verdade é que na altura da eclosão da Primavera Árabe, a imprensa internacional (e todos os henriques monteiros desta vida) e a opinião pública embarcaram na ideia de uma onda revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral, que ia da Tunísia ao Egipto, e, quem sabe, espalhando as sementes revolucionárias por outros países árabes e do Médio Oriente.
Em Junho de 2011, e citando um relatório das Nações Unidas sobre a Tunísia, o Diplomata voltava a escrever que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".
As consequências nefastas e concretas dessa euforia viriam a ser sublinhadas pelo autor destas linhas em Fevereiro do ano passado, ao referir que a "'Primavera' tunisina, à semelhança do que tem acontecido noutros países do Magreb e do Médio Oriente, está a transformar-se num 'Inverno' manchado com sangue". Entre Maio e Agosto, o Diplomata escreveria ainda mais três textos sobre o assunto: Para os idealistas da Primavera Árabe; A Primavera que nunca chegou ao Egipto; Um tsunami previsível.
Agora, e perante a evidência da hecatombe da "Primavera Árabe", ouvem-se finalmente as vozes chocadas, como a de Henrique Monteiro. Não deixam de ter razão, mas já vêm tarde. E o problema é que foram essas mesmas vozes que deram força aos governos ocidentais para abraçarem irresponsavelmente as revoluções nos vários países árabes.
Na altura, foram poucos os que alertaram para as consequências de tal euforia. O Diplomata escreveu desde 2011 alguns textos nesses sentido e que, basicamente, se limitaram a fazer uma análise partindo de pressupostos realistas. Não recorreu a qualquer fonte privilegiada e muito menos a informação secreta. Limitou-se a observar os factos à luz do paradigma das Relações Internacionais.
Não se tratava de um exercício complexo e estava ao alcance de decisores e comentadores. Mas, como já aqui foi dito, na altura poucos o fizeram e agora já pouco importa, porque a história já seguiu o curso mais espinhoso.