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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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EUA falam em "tentativa desesperada", mas a coordenação dos ataques revela o contrário

Alexandre Guerra, 25.08.10

 

Atentado suicida em Kut, 160 km a sudeste de Bagdad, provocou 19 mortos

 

Dias depois de Washington ter anunciado a retirada da última brigada de “combate” do Iraque, deixando no terreno cerca de 50 mil soldados com funções de apoio e de formação às forças iraquianas, mas também de contraterrorismo e protecção, a conjuntura naquele País mantém-se violenta, apesar do tom optimista veiculado pela administração americana e altos responsáveis militares sobre a sua evolução.

 

Hoje, vários ataques coordenados em diferentes cidades iraquianas provocaram a morte de mais de 50 pessoas. As suspeitas recaem sobre a al-Qaeda, visto que só uma estrutura organizada conseguiria levar a cabo uma operação deste nível, com atentados em cidades de todo o País, muitos deles suicidas.

 

O porta-voz do Exército americano, o major general Stephen Lanza, classificou estes ataques como uma “tentativa desesperada” da al-Qaeda para minar os esforços das forças de segurança iraquianas. Declarações no mínimo ingénuas e falaciosas, porque a operação da al-Qaeda foi para além de uma mera “tentativa desesperada”.

 

Primeiro, tratou-se da concretização de um ataque que se materializou num elevado número de mortes, abalando claramente a confiança das estruturas de segurança e da sociedade em geral. Ou seja, algo mais do que uma “tentativa”.

 

Por outro lado, o Diplomata não concorda com a interpretação do major general Stephen Lanza quando este diz tratar-se de uma acção “desesperada” por parte da al-Qaeda, já que uma das ilações a retirar dos ataques de hoje é precisamente o seu elevado nível de organização e de amplitude.

 

Xe Services obrigada a pagar multa pelas violações dos mercenários da ex-Blackwater

Alexandre Guerra, 22.08.10

 

Ao ver o filme de The Expendables (Mercenários, na versão portuguesa), o autor destas linhas relembrou algumas das histórias verídicas de mercenários ao serviço de Estados que nos últimos anos têm vindo a público.

 

Blackwater, agora rebaptizada de Xe Services, foi dos primeiros nomes que veio à memória. Empresa de “segurança privada” (leia-se mercenários com ordenados mensais de muitos milhares de euros a actuar no Iraque) que durante anos actuou de forma camuflada até ao momento em que vários dos seus elementos se viram envolvidos numa situação de conflito que resultou na morte de vários iraquianos.

 

A Blackwater, agora Xe Services, notabilizou-se pelos seus serviços no Iraque após a invasão deste pelas forças norte-americanas em 2003. Estes mercenários foram preencher os vazios de segurança que as forças militares dos Estados Unidos e de outros países não podiam preencher nem estavam mandatadas para tal.

 

Protecção de edifícios ou estruturas, de individualidades, de complexos estratégicos, formação paramilitar, foram algumas das funções atribuídas aos homens da então Blackwater. Durante os primeiros anos a sua presença passou praticamente despercebida aos decisores políticos em Washington e à imprensa internacional. No entanto, assim que começaram a surgir os primeiros casos de abusos por parte da Blackwater, a cúpula política, nomeadamente o Pentágono e o Departamento de Estado, começou a ter um problema para resolver.

 

Entre as várias acusações de que a Blackwater foi alvo - tais como de exportação ilegal de armas para o Afeganistão, de propostas não autorizadas para treinar tropas no sul do Sudão, de tentativa de corrupção a funcionários iraquianos - foi o acontecimento de 16 de Setembro de 2007, no qual paramilitares da Blackwater mataram 17 civis e fizeram 27 feridos numa praça em Bagdad.

 

Este foi o momento de viragem na história daquela empresa, que viria a culminar no seu afastamento do Iraque e na sua extinção para dar lugar à Xe Services em 2009 e que, segundo uma informação avançada este Sábado pelo Departamento de Estado, terá de pagar uma multa de mais de 40 milhões de dólares ao Governo americano pela violação de várias leis.

 

Washington e Islamabad obrigados a admitir uma realidade que há muito conheciam

Alexandre Guerra, 29.07.10

 

Kevin Frayer/Associated Press

 

Como dizia esta semana o repórter Nic Robertson da CNN, é nas pequenas histórias e nos pormenores dispersos entre os milhares de documentos “classificados”, postos a circular pelo Wikileaks no passado Domingo sobre a guerra no Afeganistão, que se encontra a verdadeira “notícia”.

 

Tal como o Presidente Barack Obama referiu, a ideia genérica retirada da maior parte da informação divulgada já era do conhecimento público, tendo sido amplamente debatida. Uma posição partilhada também pelos analistas e pelas autoridades de Islamabad, que trataram de desvalorizar algumas das informações contidas nos relatórios.

 

Porém, os acontecimentos do quotidiano militar no Afeganistão e os detalhes tácticos que nunca vieram a público e que agora se encontram perdidos entre as milhares de páginas à espera de serem lidas, acentuam os contornos dramáticos do conflito e clarificam as implicações políticas do mesmo.

 

Estes apontamentos são muito importantes porque reflectem de forma crua e objectiva o que se passa no terreno e materializam, de certa maneira, o debate que se tem feito sobre as grandes problemáticas estratégicas inerentes à guerra no Afeganistão.

 

Porque se é verdade que este assunto tem sido amplamente discutido nos gabinetes ministeriais e na imprensa internacional, é também certo que, por vezes, este discurso se abstrai do “terreno” e fica-se pela componente mais estratégica e política, distanciando-se dos factos sangrentos e comprometedores que o suportam.

 

Talvez um dos melhores exemplos prende-se com o “papel” que o Paquistão tem desempenhado no conflito. Muito se tem falado sobre o carácter dúbio da actuação das forças paquistanesas no combate ao terrorismo, um tema que o próprio Diplomata já fez referência por diversas ocasiões.

 

Embora nunca tenha havido um reconhecimento formal por parte de Washington, a verdade é que nos corredores se tem admitido que o Paquistão deveria ser mais convicto nos esforços de guerra. Há quem tenha mesmo adiantado que existe uma certa cumplicidade entre diferentes sectores da estrutura militar e dos serviços de “intelligence” paquistaneses (ISI) com a causa taliban.

 

Ora, para quem conheça minimamente a complexa realidade paquistanesa no que diz respeito às suas forças de segurança e à sua forma destas se relacionarem com o poder político, e para quem tenha acompanhado de perto os desenvolvimentos no terreno nos últimos anos, facilmente chegará à conclusão que a vontade veemente manifestada pela liderança política em Islamabad de apoio a Washington nem sempre se traduziu em actos efectivos por parte de alguns sectores militares ou de “intelligence”.

 

Embora já há muito tempo se constate esta realidade, a “fuga” do Wikileaks parece agora confirmar através de actos concretos o tal papel “dúbio” do Paquistão no combate ao terrorismo. De acordo com os documentos, os serviços secretos militares paquistaneses terão prestado auxílio aos taliban na sua estratégia de insurreição. Também o Exército paquistanês terá agido, por um lado, como aliado dos Estados Unidos, por outro, como inimigo.

 

Os pormenores avançados pelos documentos e que sustentam as suspeições de há muito são a verdadeira “revelação”, tendo causado embaraço e irritação na cúpula política e militar paquistanesa e desconforto nas relações diplomáticas entre Islamabad e Washington. Porque, apesar de ser uma realidade que todos conheciam, só agora foi possível confrontar aqueles dois governos com a realidade crua dos factos no terreno.

 

Uma das maiores "fugas" de informação da História

Alexandre Guerra, 26.07.10

 

Já é considerada uma das maiores “fugas” de informação da História. São 90 mil páginas de relatórios “classificados” das forças armadas americanas sobre as acções levadas a cabo na guerra no Afeganistão entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2009.

 

Julian Assange, director do site Wikileaks que avançou com todo o material, disse que todos estes documentos são a “história da guerra [do Afeganistão] desde 2004”.

 

O Pentágono faz outra leitura e classifica esta iniciativa de “irresponsável” e que pode ameaçar a “segurança nacional”, afirmando mesmo tratar-se de um “acto criminoso”. No entanto, vão demorar ainda algumas semanas até se apurar todas as consequências da divulgação desta informação.

 

O Wikileaks disponibilizou ainda este material ao New York Times, ao The Guardian e ao Der Spiegel, que hoje deram destaque ao assunto.

 

O Diplomata voltará a este assunto para analisar algumas das informações agora reveladas.

 

Prenúncio de uma terceira guerra entre Israel e o Hezbollah no Sul do Líbano

Alexandre Guerra, 18.07.10

 

 

A aparente tranquilidade que se vive na zona fronteiriça entre o Norte de Israel e o Sul do Líbano poderá esconder uma situação potencialmente explosiva, pelos menos se se tiver em conta alguns indícios que têm surgido nas últimas semanas, perspectivando uma Terceira Guerra Israelo-Libanesa.

 

Um relatório de Daniel C. Kurtzer do Center for Preventive Action do think tank Council on Foreign Relations, publicado este mês de Julho, alerta para a possibilidade de eclodir nos próximos 12/18 meses um conflito entre Israel e o Hezbollah no Líbano. Se tal acontecer será o terceiro na história do Médio Oriente entra aquelas partes, tendo o último ocorrido no Verão de 2006, provocando a morte de mais de 1000 civis e o desalojamento de cerca de um milhão de pessoas em território libanês, assim como o abandono temporário de milhares de judeus no Norte de

 

Israel. Na sequência deste conflito o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 1701.

 

Apesar de o relatório de Kurtzer constatar que a situação na fronteira entre Israel e o Líbano vive o período de maior acalmia da última década e que os militantes do Hezbollah têm tido uma atitude bastante passiva em relação a algumas manobras militares das forças de segurança israelitas (IDF), nomeadamente os voos de reconhecimento dos caças israelitas, a verdade é que existem indícios de que um conflito pode estar iminente entre as duas partes.

 

Kurtze não tem dúvidas ao referir no seu relatório que aquele movimento está mais forte militarmente quando comparado com 2006, violando, assim, a Resolução 1701.

 

Tal como aconteceu há quatro anos, tudo pode começar com incidentes bélicos de pequena escala, com “objectivos limitados” mas que rapidamente poderão extravasar para um conflito de grande intensidade. Por exemplo, o Hezbollah pode decidir atacar alvos específicos judaicos junto à fronteira, argumentando que está a “responder” aos voos israelitas ou à eventual morte de militantes seus devido a ataques de soldados do Exército hebraico.

 

Caso o rastilho seja aceso pelo Hezbollah, tal pode ficar a dever-se a duas razões, diz Kurtzer.

 

A primeira tem a ver com a morte recente do inspirador religioso xiita, Muhammad Hussein Fadl’Allah. O Hezbollah poderá querer dar novamente um ímpeto ao seu movimento, através da união dos xiitas libaneses, sendo que para cumprir tal objectivo nada melhor do que criar um clima de animosidade contra o histórico inimigo: Israel.

 

Este cenário é possível e, certamente, bem observado, no entanto, o Diplomata considera que dificilmente seja uma estratégia a seguir pelo Hezbollah.

 

Mais realista e previsível é a segunda razão apontada por Kurtzer. É importante sublinhar que quatro anos depois da Segunda Guerra Israelo-Libanesa, surge um factor novo e que tem sido um dos motivos de maior preocupação para a comunidade internacional e para Israel: o programa nuclear iraniano. Aqui, poderia ser o próprio regime de Teerão a “forçar” um conflito entre o Hezbollah e Israel, como forma de desviar as atenções da questão nuclear.

 

No entanto, e ironicamente, talvez seja Israel quem mais teria a ganhar com esta situação, já que poderia aproveitar um conflito com o Hezbollah para alargar o campo de batalha ao Irão, com o argumento de que este estaria a apoiar aquele movimento. Com um conflito regional instalado, Israel tinha o caminho aberto para levar a cabo os tão ambicionados ataques às instalações nucleares iranianas. Esta lógica é extensível à Síria.

 

Ainda sobre os prenúncios da Terceira Guerra Israelo-Libanesa, no início do mês, o secretário-geral Ban Ki-moon alertou para o perigo do “recomeço das hostilidades” entre Israel e o Hezbollah. Este receio surge na sequência do mais recente relatório da força da ONU no terreno, a UNIFIL, que apesar de referir que existem apenas suspeitas de estarem a ser transferidas armas para aquele movimento, verifica-se um aumento da tensão entre as duas partes no Sul do Líbano.

 

De acordo com alguns testemunhos, neste momento a situação não é crítica, mas sente-se um clima de tensão e de alguma violência de baixa intensidade na região do Sul do Líbano.

 

Para já, Ban Ki-moon informa que não existem provas concretas de transferência ilegal de armas para aquele movimento xiita, no entanto, em Abril último, já o Presidente israelita Shimon Peres, tinha acusado a Síria de estar a fornecer mísseis Scud ao Hezbollah. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, disse ainda que militantes do Hezbollah estariam a receber treino na Síria para aprenderem a operar aqueles mísseis.

 

Washington apoiou estas acusações, embora nenhuma delas tenha sido provada, tendo Damasco rejeitado também qualquer envolvimento nesta questão.

 

O relatório de Kurtzer fala também na possível aquisição por parte do Hezbollah de mísseis terra-ar S-300, que poderiam colocar em risco a aviação israelita.

 

Campbell não se arrepende, mas fragiliza Blair e compromete Brown

Alexandre Guerra, 12.01.10

 

Alastair Campbell, esta Terça-feira, durante o inquérito sobre o Iraque/PA

 

Sem arrependimentos nem desculpas, foi desta forma que Alastair Campbell, antigo responsável pela estratégia de comunicação do ex-primeiro-ministro, Tony Blair, entre 1997 e 2003, se apresentou esta Terça-feira na comissão de inquérito britânica que investiga o papel do Governo inglês entre o período de 2001 e 2009 no que diz respeito ao Iraque.

 

Campbell foi o principal responsável pelo dossier que começou a circular em Setembro de 2002 e que referia que o Iraque possuía armas de destruição maciça e que tinha capacidade de responder em 45 minutos a qualquer ataque externo.

 

O antigo homem forte da comunicação de Blair veio hoje reiterar que mantém todas as palavras que incluiu no documento, admitindo, no entanto, que as "coisa poderiam ter sido feito de forma diferente aquando da invasão em Março de 2003".

 

Com esta posição, Campbell descarta-se de qualquer responsabilidade no processo que espoletou a invasão do Iraque, imputando eventuais erros a quem implementou a estratégia militar. 

 

Depois de Blair, que há umas semanas revelou numa entrevista à BBC, que  manteria a sua decisão de invadir o Iraque mesmo à luz das informações mais tarde reveladas quanto à inexistência de armas de destruição maciça, vem agora Campbell com um discurso alinhado no mesmo tom.

 

No entanto, o testemunho de Campbell, que durou mais de cinco horas, fragilizou, ainda mais, a argumentação de Blair sobre a invasão do Iraque. O ex-homem forte da comunição do Labour referiu que o primeiro-ministro britânico tinha prometido ao então Presidente George W. Bush que a Inglaterra estaria ao lado dos Estados Unidos em qualquer circunstância se Washington decidisse atacar o Iraque.

 

Talvez ainda mais problemático, sobretudo com eleições legislativas a poucos meses, tenha sido o facto de Campbell ter mencionado o nome de Gordon Brown, na altura responsável pelas pasta das Finanças, como uma das "figuras-chave" no dossier iraquiano. Segundo Campbell, Brown era um dos ministros mais consultados por Blair sobre a questão do Iraque.

 

Esta informação poderá vir a provocar alguns incómodos para Brown, sobretudo numa altura em que a campanha eleitoral começa a assumir contornos mais agressivos, com os conservadores liderados por David Cameron a não se coibirem de utilizarem todos os argumentos ao seu alcance para fragilizar a imagem do primeiro-ministro.