Kissinger alerta Nixon por causa do programa nuclear israelita (memorando de 1969)
Alexandre Guerra, 29.11.07
Henry Kissinger é um dos melhores exemplos da escola realista das relações internacionais e terá sido um dos conselheiros mais importantes e influentes que a história da governação americana terá conhecido. Durante a sua actividade política, o national security adviser do Presidente Richard Nixon interpretou o sistema internacional de uma forma clássica, tendo sempre como referência o modelo de Estados do século XIX.
Partindo desse paradigma, Kissinger agia desprovido de paixões e de preconceitos no complexo tabuleiro das relações internacionais. Aliás, só assim foi possível a aproximação histórica entre os Estados Unidos e a China. Para o conselheiro de Nixon, e à semelhança de qualquer realista que se preze, tratava-se de um "jogo" de soma nula, no qual se podia apenas contar com "aliados" e "inimigos". Por exemplo, a Rússia era o inimigo, a China passou a ser um "aliado", tal como eram os Estados europeus membros da NATO.
Foi através dessa perspectiva realista que Kissinger escreveu num memorando datado de 19 de Julho de 1969, agora tornado público, o seguinte: "Os israelitas, que são um dos poucos povos cuja sua sobrevivência está verdadeiramente ameaçada, são talvez aqueles que mais possam usar efectivamente as suas armas nucleares."
Foi desta forma que Kissinger manifestou a sua preocupação a Nixon face ao programa nuclear ultra-secreto israelita, que suspeitava-se ter começado a ser desenvolvido uns anos antes. Curiosamente, o conselheiro confrontou o Presidente com várias opções para lidar com este problema, nomeadamente a possibilidade de Washington, pura e simplesmente, manter uma atitude discreta perante a iniciativa de Israel, como se não soubesse o que se passava no deserto do Neguev.
A divulgação de novos documentos dos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos, ao abrigo de uma legislação que permite a revisão do seu estatuto ou até mesmo a sua desclassificação após volvidos 25 anos, permite ainda constatar um situação muito interessante: "Existem provas circunstanciais que algum material físsil disponível para Israel desenvolver armas foi obtido ilegalmente aos Estados Unidos por volta de 1965." Quem o disse foi o próprio Kissinger, que admitiu ainda que de pouco serviria obrigar Israel a suspender o seu programa nuclear, uma vez que as posteriores inspecções de controlo e verificação não teriam forma de descobrir todos os locais secretos israelitas
Apesar de Kissinger considerar que a única forma de obrigar Israel a abandonar o seu programa nuclear seria através de acções que pudessem prejudicar os interesses do Estado judaico - tais como a suspensão da venda de vários caças Phantom americanos a Telavive -, iniciativas desse género teriam um impacto muito negativo na opinião pública interna americana.
A verdade é que os anos passaram e Washington nunca se pronunciou sobre o programa nuclear israelita nem nunca obrigou o Estado judaico a aderir ao Tratado de Não Proliferação (NPT).
Para Avner Cohen, autor do livro "Israel and the Bomb" (Columbia University Press, 1998) e membro do United States Institute of Peace, disse na quarta-feira, segundo o New York Times, que existem provas suficientes que demonstram que Washington e Telavive firmaram há umas décadas um acordo secreto, no qual Israel se compromoteia a manter o seu programa longe dos olhares indiscretos e a não realizar testes nucleares e, em contrapartida, os Estados Unidos tolerariam a situação e não pressionariam o Estado judaico a assinar o NPT. "Este entendimento mantém-se até aos dias de hoje", diz Cohen. Alexandre Guerra