Da violência de rua à luta pelo poder, o caminho é curto
Depois do atentado trágico ocorrido ontem em Rawalpindi que ceifou a vida a Benazir Bhutto, líder do Partido Popular do Paquistão (PPP), e a outras 20 pessoas, algumas das principais cidades do Paquistão mergulharam num clima de violência que, segundo as mais recentes notícias, provocaram até ao momento 23 mortos. Mas, para já, trata-se de uma violência de “rua”, com vários confrontos entre apoiantes de Benazir Bhutto e forças de segurança, muitos carros destruídos, lojas vandalizadas, bancos assaltados e linhas de comboio obstruídas.
Por mais crua que possa parecer esta observação, ela é pertinente quando se está falar de um país detentor de um complexo militar dotado de um Exército organizado e disciplinado e de um arsenal bélico e nuclear moderno pronto a usar. Nesta perspectiva, faz todo o sentido em falar-se de uma diferença abismal entre a violência de “rua” e a luta nos “corredores de poder”. Porque é esta última que poderá ter implicações dramáticas ao nível do sistema internacional, visto que é só através dos canais da governação que se pode ter acesso ao controlo de todo o complexo militar paquistanês.
Em termos estratégicos e na óptica das relações internacionais, a actual situação ainda não é dramática, tendo em conta a natureza da violência a que se está assistir. É verdade que se lamentam as mortes e a destruição material, no entanto, este cenário ainda não colocou em causa a estrutura do Estado paquistanês. Isto não significa que não possa vir a acontecer. Rapidamente a conjuntura do país poderá piorar e conduzir à sua fragmentação social e política. Porque, como refere Stephen P. Cohen, analista do Brookings Institutions, o grande perigo reside na possibilidade da vasta maioria moderada desmoralizar e deixar o país entregue ao caos.
Para evitar esse cenário, as forças de segurança emitiram o estado de “alerta vermelho” por todo o país, de modo a estancar a violência. O objectivo é evitar que a violência das ruas afecte a estrutura social e política do país. É verdade que há muitos meses que diferentes facções se digladiam em defesa de um regime, chegando mesmo a obrigar Musharraf a impor a lei marcial, sendo posteriormente coagido a levantá-la, mas a estrutura do Estado tem-se mantido incólume.
Toda esta situação que se tem vivido no Paquistão nos últimos meses, demonstra o quão Washington perdeu influência nos assuntos internos do seu aliado. De acordo com analistas e diplomatas citados pelo New York Times, o assassinato de Benazir veio demonstrar precisamente essa realidade.
Um dos principais desafios da administração do Presidente George W. Bush passa agora por ajudar a manter unida a principal instituição do Paquistão: o Exército. Uma tarefa que se adivinha difícil à medida que se agitam e se radicalizam as posições das diferentes facções e movimentos sociais e políticos. A sustentabilidade do Exército vai sobretudo depender de dois factores: legitimidade do poder político e influência dos grupos radicais islâmicos. O futuro do Paquistão depende da intensidade destas duas variáveis e na forma como se vão repercutir na estrutura do Exército.
Mas, se estas são as variáveis, quais serão então os factos adquiridos:
1. Sabe-se que existem zonas do Paquistão (nomeadamente as zonas tribais na fronteira com o Afeganistão) onde o Estado pura e simplesmente não se faz sentir. Exceptuando algumas operações militares esporádicas, zonas como o Waziristão Norte são um “Estado dentro de um Estado”, onde quem manda são os líderes tribais, muitos deles com ligações aos taliban afegãos;
2. Em determinadas cidades paquistanesas, como Karachi, existem autênticos vespeiros de radicais e de terroristas islâmicos que, beneficiando da conivência das forças de segurança (por medo ou por cumplicidade), operam sem grande oposição;
3. Embora tenha sido formalmente afastado da hierarquia militar, o Presidente Musharraf continua a manter a sua influência sobre as forças armadas;
4. O Exército mantém a unidade e a cadeia de comando intacta.
Entretanto, o primeiro-ministro Muhammad Mian Soomro diz que vai contactar todos os partidos políticos a propósito das eleições convocadas para o dia 8 de Janeiro, embora tenha adiantado que o calendário se mantém inalterado. Também a administração norte-americana, segundo fontes citadas pelo New York Times, defende a continuidade da data. Porém, existem poucas condições políticas e de segurança para a realização do sufrágio. Por exemplo, o antigo primeiro-ministro, Nawaz Sharif, líder de um partido da oposição e candidato às eleições, já fez saber que vai boicotar o acto. Alexandre Guerra