Montenegro e Kosovo, dois novos pobres actores no sistema internacional
Alexandre Guerra, 20.02.08
Miguel Ángel Bastenier, que o autor destas linhas teve o prazer de conhecer em Gaza há uns anos, escrevia ontem um texto interessante no El País sobre a questão do Kosovo, e que rematava de forma inteligente na última frase: "É provavelmente justo que os albano-kosovares tenham ganho a independência. Mas, isso não significa que seja uma grande ideia."
Efectivamente, não foi uma grande ideia, tal como também já não tinha sido a independência do Montenegro em 2006. Neste caso, esteve-se perante mais um entusiasmo cego de se criar um país "independente" de forma a corresponder ao chamado princípio da autodeterminação dos povos, tão eloquentemente consagrado na Carta das Nações Unidas.
A questão é que as relações internacionais não devem ser conduzidas por impulsos altruístas ou acções de pendor justicialista, mas, antes, por "grandes ideias", que permitam alcançar um equilíbrio sistémico.
Timor Leste é talvez um dos melhores exemplos de como as emoções podem comprometer a médio e a longo prazo o bem estar de um povo e a estabilidade de uma região. Repare-se: no caso timorense estavam longe as condições políticas, sociais ou económicas para Timor Leste emergir como Estado independente. Nem sequer havia uma conjuntura internacional que impusesse tal solução. No entanto, as terríveis imagens do massacre de Santa Cruz e, mais tarde, a onda de solidariedade que se viveu em Portugal conduziramTimor Leste à independência sob um clima inebriado.
Essa precipitação, que no curto prazo deu em festa, é certo, afastou por completo uma solução que, embora menos poética, seria certamente e melhor ideia para Timor Leste: um modelo de organização de estrutura de Estado que contemplasse Timor Leste como parte da Indonésia, embora com ampla autonomia.
Neste sentido, o modelo da federação Sérvia e Montenegro, que durou apenas três anos, era uma fórmula perfeitamente víável e equilibrada. Era uma boa ideia em termos de relações internacionais. As duas regiões mantinham amplas autonomias, ao mesmo tempo que poderiam usufruir das sinergias criadas entre as entidades. Algo com o que o Montenegro tinha muito mais a ganhar do que a própria Sérvia. A par disto, a Sérvia e Montenegro continuariam a ser um único actor no sistema internacional.
Muitos analistas e comentadores defenderam este tipo de fórmula para o Kosovo, como aliás se verifica no caso da República Sprska na Bósnia Herzegovina. O Direito Internacional prevê esta e outras formas de organização, porque, e citando Adriano Moreira no seu livro "Teoria das Relações Internacionais", "o Estado aparece na cena internacional como uma unidade, fonte de decisões, mas isso não significa que todos os Estados tenham a mesma estrutura, e a diferença das estruturas tem relevância para a vida internacional".
Do Estado unitário (Portugal) à federação (EUA), passando pela confederação (Suíça), várias são as soluções. O Montenegro devia-se ter mantido como parte integrante de uma federação enquanto que o Kosovo deveria ter procurado negociar esse estatuto. Depois das festividades da independência, o futuro destes recém Estados é tudo menos promissor.
O problema é que o Kosovo, tal como refere Bastenier é um "Ulster em combustão nuclear para toda a região e mais além", enquanto que o Montenegro é apenas uma terra miserável de 600 mil pessoas, onde, segundo uma jornalista sérvia disse recentemente ao Diplomata, as estradas alcatroadas são poucas e os sistemas de fornecimento de água têm dificuldades em abastecer as casas que ficam situadas nas encostas das montanhas. Alexandre Guerra