Os limites do bom senso... dos jornalistas
Alexandre Guerra, 19.04.08
AFP
Um dos problemas da política nos dias que correm é ter perdido o humor e o sarcasmo que muitas vezes proporcionaram momentos de grande riqueza histórica e argumentativa. A pouca permeabilidade que actualmente os políticos, a comunicação social e a sociedade em geral têm a esse tipo de manifestações desvirtua a essência da arte de governar, porque os seus actores estão constantemete restringidos por uma lógica exacerbada do "politicamente correcto".
Tudo isto a propósito de uma notícia que o Diplomata leu no El País, dando conta de que o recém-eleito primeiro-ministro italiano, Sílvio Berlusconi, voltou a "fazer das dele", durante uma conferência de imprensa em Villa Certosa, na Sardenha, com o ainda Presidente russo, Vladimir Putin.
Pelos vistos, a Federação Nacional de Imprensa Italiana (FNSI) terá ficado chocada pelo facto de Berlusconi ter simulado com as mãos uma arma a disparar para uma jornalista russa que estava na conferência, após ter feito uma pergunta que Putin não terá gostado.
À primeira vista esta seria, no mínimo, uma brincadeira de mau gosto e que poderia colocar em causa o princípio de liberdade de imprensa, no entanto, lendo com mais atenção a notícia percebe-se o ambiente em que tudo se passou e chega-se a uma conclusão diferente: ao contrário de outras situações no passado, desta vez Il Cavalieri foi apenas sarcástico perante uma pergunta inconveniente da jornalista russa. Esta, talvez pensando que estaria a servir os interesses dos leitores russos, perguntou a Putin se estava em processo divórcio.
Além da questão por si só não ser motivo de notícia nem de interesse público, dificilmente se a consegue enquadrar numa visita do Presidente russo ao estrangeiro, sobretudo durante uma conferência de imprensa acompanhado do chefe de Governo de outro país. Há limites e noções de bom senso que devem reger os jornalistas em diferentes situações, e neste tipo de conferências de imprensa estas são perguntas que apenas servem para cobrir de rídiculo o próprio repórter.
O autor destas linhas já participou em inúmeras conferências de imprensa, muitas com altas personalidades de Estado, quer nacionais quer internacionais, e seria inconcebível que surgisse qualquer pergunta do género. O bom senso nunca permitiria que se misturasse questões de índole pessoal e privado com assuntos de Estado e relevantes na vida das sociedades e do sistema internacional
Assim, o tal gesto "polémico" de que a FNSI se queixa não foi mais do que uma forma sarcástica e humorística de Berlusconi evitar embaraçar a jornalista ao dizer algo como isto: "Minha senhora essa pergunta é indelicada e a vida pessoal do Presidente Putin não lhe diz respeito." Alexandre Guerra