A "Primavera" que nunca chegou ao Egipto
Não é com surpresa que o Diplomata olha para os recentes e violentos acontecimentos no Egipto. Aliás, para quem siga com alguma atenção este blogue, já pôde constatar por diversas ocasiões a desconfiança manifestada por este autor em relação àquilo que ficou conhecido como "Primavera Árabe".
Um movimento idealista, apoiado pelas principais chancelarias ocidentais, mas totalmente desprovido de realismo e de cinismo, factores tão importantes e relevantes nas relações internacionais. Num primeiro momento, criou-se a ideia que uma vaga eufórica de democratização estava a chegar aos países do Médio Oriente. A 10 de Junho de 2011, o Diplomata escrevia que esta era uma "ideia em que a imprensa internacional e a opinião pública embarcaram, a de uma 'Primavera' revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral", nomeadamente na Túnisia e no Egipto.
Porém, esta era uma leitura que o autor destas linhas considerava "enublada". Porque, explicava então, "aos olhos do mundo, nas revoluções destes dois países só há a lamentar a violação da repórter norte-americana da CBS, Lara Logan (uma lamentável situação que, na verdade, resulta da lógica de multidão em fúria que poderia acontecer em qualquer parte do mundo). Não fosse este episódio de drama, a Tunísia e o Egipto teriam vivido revoluções 'limpas' 'arrumadinhas', como a opinião pública internacional gosta hoje de olhar para este tipo de movimentos, esquecendo-se que, normalmente, estes fenómenos contam sempre com dinâmicas reaccionárias".
O Diplomata, mais perverso na sua análise, lembrou em Junho de 2011 "que as revoluções implicam quase sempre rupturas, choques, e com isso a violência, o derrame de sangue e os mortos. O que se passou na Tunísia e no Egipto não fugiu a esta lógica, apesar do deslumbramento primaveril com que líderes políticos e comunidade internacional olharam para aquelas revoluções".
E já na altura relembrava que de acordo com um relatório das Nações Unidas, a revolução da Tunísia provocara até então 219 mortos e 510 feridos. Números pouco lembrados pela imprensa internacional e praticamente desconhecidos pela opinião pública. Também no Egipto, poucos citaram o relatório divulgado em Abril de 2011 por uma comissão daquele país, no qual se falaram em quase 900 mortos e cerca de 6500 feridos durante a 'Primavera' egípcia".
Perante isto, o Diplomata tinha percebido há mais de dois anos que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".
E tinha sublinhado ainda que "os líderes ocidentais, numa euforia cega e desmedida, abraçaram aquilo que consideravam ser uma espécie de 'Primavera' árabe, esquecendo-se do realismo político e ignorando todos os ensinamentos da História dos povos. De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que as pessoas viriam pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército".
Como dizia o Diplomata na altura, "uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta "febre" revolucionária repentina podia acabar mal para alguém".