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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

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Os chanceleres, a chanceler e os papas

Alexandre Guerra, 12.11.12

 

Agora, que a chanceler alemã já está de regresso a casa e que os ânimos serenaram neste burgo, talvez possam ser feitas algumas considerações político-diplomáticas à visita de Angela Merkel a Portugal.

 

O Diplomata não vai (nem quer) entrar no insuportável debate das leituras político-partidárias que norteiam os políticos, jornalistas, comentadores e “analistas” de serviço. E muito menos retirar qualquer ilação ao número de horas que Merkel passou em Portugal. Para isso, há por aí gente mais do que “qualificada” nesta coisa da interpretação dos “sinais”.

 

O que motivou o autor destas linhas para este assunto acabou por ser na verdade uma coincidência, já que ao fazer umas pesquisas apercebeu-se do distanciamento físico que, por vezes, existe entre um determinado líder europeu e um povo que não o seu. Por exemplo, entre uma chanceler alemã e os portugueses.

 

Não obstante a proximidade política entre líderes europeus (que se reúnem várias vezes por ano) e a proximidade mediática entre líderes e povos europeus (já que diariamente lhes entram pela casa a dentro), a verdade é que os estadistas parecem ter pouca disposição para se deslocarem a outros países dos Vinte e Sete, mesmo quando existem relações políticas, económicas e sociais fortes.

 

Veja-se o caso de Portugal e a Alemanha, países que, queira-se ou não, partilham interesses (assimétricos, é certo) consideráveis e que os seus povos estão longe de serem estranhos um ao outro. Além disso, fala-se de dois países que integram o mesmo espaço europeu, o mesmo projecto comunitário, e são ainda aliados de longa data no seio da NATO.

 

Aliás, esta proximidade ficou bem evidente no periclitante período pós-25 de Abril, nomeadamente, no “Verão Quente” de 1975, quando os chanceleres Willy Brandt e depois Helmut Schmidt foram os principais líderes europeus a acreditarem e a apoiarem política e financeiramente as forças democráticas, com Mário Soares à cabeça.

 

Na verdade, a RFA foi o único país a disponibilizar dinheiro a Portugal. A CEE em Julho de 1975 continuava a hesitar em providenciar financiamento “por razões políticas”, tendo mesmo Paris vetado esse apoio. E em Washington o “desinteresse” de Henry Kissinger pela transição revolucionária em Portugal tinha-se alastrado ao Departamento de Estado e à Casa Branca.

 

Houve, assim, um esforço e um compromisso efectivos de Brandt e de Schmidt com a causa portuguesa, assente também numa ideia de unidade europeia que ia, naturalmente, de encontro à Ostopolitik.

 

E foi graças a este empenho (e também à chegada de Frank Carlucci a Portugal no início de 75) que Washington começa a inflectir a sua posição e a acreditar que, afinal, era possível Portugal seguir a via da democracia. Para tal, foi muito importante uma conversa de Schmidt com o então Presidente americano Gerald Ford, em Julho de 75.

 

A RFA estava de tal maneira empenhada em que Portugal seguisse o rumo da democracia que não se poupou a esforços para convencer o Presidente Costa Gomes para afastar os comunistas dos vários governos provisórios, visando especialmente Vasco Gonçalves.

 

É o próprio Costa Gomes que mais tarde viria a admitir que Schmidt o teria pressionado durante os trabalhos da assinatura da Acta Final de Helsínquia, a 1 de Agosto de 1975.

 

Uma estratégia que viria a dar resultados, já que no final de Agosto, com o PCP muito manietado no seu espaço, Costa Gomes, num gesto bizantino, demite Vasco Gonçalves da liderança do Governo para o nomear Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Também é nesta altura que a posição do Departamento de Estado norte-americano começa a mudar e os apoios dos países europeus começam a chegar.

 

Este episódio, contado de forma muito resumida, serve apenas para recordar um pouco da História e lembrar que as relações entre os Estados prolongam-se no tempo e devem ser alimentadas habilmente.

 

E perante isto, o autor destas linhas não tem dúvidas que ao longo dos últimos anos algo se perdeu nas relações entre Portugal e a Alemanha. Provavelmente, perdeu-se a política e a arte da diplomacia. Isto também tem muito a ver com a personalidade dos líderes.

 

Como é que é possível que Angela Merkel só agora, no dia 12 de Novembro de 2012, tenha feito a sua primeira vista oficial a Portugal, desde que foi eleita em 2005 (excepto cimeiras da UE e da NATO)? Ou como é que foi possível que o antigo chanceler Gerhard Schroeder tenha feito a sua primeira visita a Portugal em Outubro de 2004, seis anos depois de ter sido eleito?

 

Para se ter uma ideia, no mesmo período (1998 e 2012) Portugal recebeu as mesmas duas visitas “oficiais” dos papas: João Paulo II, em 2000, e  Bento XVI, em 2010. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.