Da Primavera de Damasco ao Inverno sombrio e prolongado
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Falar em desilusão nas relações internacionais pressupõe a criação de expectativas sobre determinado líder com capacidade para influenciar os desígnios de um povo, de uma região ou, até mesmo, do mundo.
Como nestas coisas da política internacional o pragmatismo e o realismo imperam (talvez por deformação académica e profissional), é raro o autor destas linhas ser confrontado com o sentimento da desilusão quando olha para o trabalho de um líder.
Até porque a desilusão implica que a montante haja uma certa dose de ilusão. E quem no seu perfeito juízo tem hoje ilusões quanto aos líderes?
Isto não quer dizer que de tempos a tempos não surja um homem em determinado contexto que, à partida, até terá reunido um conjunto de circunstâncias e condições para trilhar um caminho que possa contribuir para uma estabilização sistémica regional e, consequentemente, mundial.
Quando em Julho de 2000 Bashar al-Assad assumia a liderança da Síria, após três décadas de regime liderado pelo seu pai, Hafez al-Assad, havia razões válidas para se pensar que o Médio Oriente estaria perante um rosto de mudança.
O jovem líder, de apenas 34 anos, oftalmologista, tendo concluído os seus estudos de pós-graduação em Londres, com o seu ar ocidental, nunca dispensando a gravata, era visto como um modernizador e uma força de mudança face ao legado do seu pai.
E também era visto pelas chancelarias ocidentais como um possível influenciador junto dos regimes xiitas, nomeadamente o Irão, já que o partido governante Baath é dominado pelo alauitas (xiitas), apesar de representarem apenas entre 5 a 10 por cento da população num país predominantemente sunita.
Bashar al-Assad começou bem, ao implementar algumas reformas, tendo, inclusive, libertado centenas de prisioneiros políticos e aligeirado as restrições à imprensa.
Mas, como refere a BBC News, “o ritmo da mudança foi abrandando, se não mesmo regredindo”. Aquilo que era então visto como uma “Primavera de Damasco”, transformou-se num Inverno sombrio e prolongado.
A Human Rights Watch referia em 2009 que a situação dos direitos humanos no país se tinha deteriorado desde então. E, agora mais recentemente, de acordo com as Nações Unidas, nos últimos setes meses terão morrido 3000 pessoas na Síria fruto da violência que aquele país vive. Também a Amnistia Internacional divulgou ontem um relatório a dar conta de casos de tortura em quatro hospitais públicos.
Entretanto, Bashar al-Assad vai surgindo como sempre surgiu, com a sua imagem ocidental, supostamente conciliatória e modernizadora, mas nas ruas o sangue vai sendo derramado, sob as ordens do seu líder.
Como diria um diplomata citado pela al Jazeera, a “Síria tornou-se numa ditadura sem um ditador”.