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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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A nova "arma" da política externa russa já está operacional

Alexandre Guerra, 07.09.11

 

Uma das componentes do pipeline a bordo do navio Castoro Sei no Mar Báltico/Foto: Nord Stream

 

No meio de tanto "entusiasmo" no que respeita ao debate sobre a crise dos mercados e das dívidas soberanas e respectivas fórmulas milagrosas de salvação europeia, talvez seja importante sublinhar que a Alemanha e a Rússia acabam de concretizar um dos projectos estratégicos mais importantes para os próximos anos no âmbito da política energética, não apenas daqueles dois países, mas também da Europa. O tão esperado Nord Stream já está operacional, devendo em Outubro começar a fornecer gás natural proveniente da Rússia directamente para a Alemanha, através do gasoduto de pipeline duplo colocado no Mar Báltico.

 

Ainda numa fase técnica inicial, visando o aumento da pressão no pipeline, a cerimónia de arranque foi levada a cabo esta terça-feira pelo primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, um dos mentores deste projecto, que também teve o apoio fervoroso da chanceler alemã, Angela Merkel. A inauguração oficial, no entanto, será só em Novembro com uma visita do Presidente Dimitri Medvedev à Alemanha.

 

 

Atendendo às necessidades energéticas europeias crescentes e às consequentes políticas de conflito daí resultantes, o Nord Stream é mais do que um mero gasoduto. É sobretudo uma arma de política externa da Rússia que se jogará no tabuleiro da geoestratégia e da geopolítica da Europa. Isto não quer dizer que este projecto seja hostil aos interesses da Europa. Na verdade, alguns países da União Europeia serão beneficiados, já que receberão o gás natural russo de uma forma mais segura, rápida e eficaz. Convém não esquecer as várias “crises” energéticas que a Europa tem assistido em invernos recentes, como em 2006 e 2009, provocando nalguns países situações de autêntica ruptura no fornecimento de energia.

 

Mas dentro do espaço comunitário é sem dúvida a Alemanha a principal beneficiária, tendo o privilégio de ter um gasoduto directamente ligado à “fonte”, poupando-se às dores de cabeça provocadas pelas passagens turbulentas em países como a Ucrânia. Há muito que Merkel tinha percebido a importância estratégica deste projecto para a Alemanha, não sendo por isso de estranhar que o mesmo tenha despertado a “realpolitik” pura e dura do Estado alemão.

 

Quando em Outubro de 2008 a chanceler alemã e Dimitri Medvedev se encontraram em São Petersburgo, tinham passado poucas semanas sobre a “invasão” russa na Ossétia do Sul, que tinha gerado a indignação da Europa, incluindo a alemã. Ora, indignação à parte, a ofensiva militar russa e os supostos crimes de guerra cometidos durante os cinco dias de conflito com os soldados da Geórgia não foram suficientes para travar os ímpetos negociais de Merkel em São Petersburgo na defesa dos seus interesses.

 

Na altura, Merkel assegurou para a Alemanha uma importante participação (25 por cento) na exploração do campo de gás natural de Yuzhno-Russkoye na Sibéria. Em troca, o Estado alemão abdicara de metade dos 6,5 por cento que detinha na Gazprom, a empresa russa de gás natural. Com aquele negócio, a E.On, empresa alemã de energia, passou a ter acesso a um vasto campo de gás natural e a Gazprom abdicou das suas pretensões de adquirir uma parte do capital daquela companhia. Como contrapartidas, a Gazprom enfraqueceu a presença alemã no capital da empresa e obteve por parte daquele país um impulso para a construção do projecto Nord Stream.

 

Mas é sem dúvida Moscovo o principal interessado ao ver no Nord Stream uma ferramenta económica poderosa e uma "arma" de política externa eficaz para lidar com alguns Estados vizinhos com quem o relacionamento tem sido mais conturbado. Com este gasoduto a Rússia coloca directamente no mercado europeu (através da Alemanha) o gás natural proveniente das suas imensas reservas, sem que tenha que recorrer a outros gasodutos que transitam por vários países, como a Ucrânia ou a Polónia. Não é por acaso que a Polónia e a Ucrânia foram as vozes mais críticas ao projecto Nord Stream, vendo os seus territórios serem secundarizados no âmbito da estratégia energética europeia.

 

Mas é sobretudo em relação a Kiev que a rota do Nord Stream vai permitir que Moscovo se liberte das tensões e chantagens político-diplomáticas exercidas pelo Governo ucraniano. O  Nord Stream, orçado em 8,8 mil milhões de euros, é composto por um pipeline duplo, estando a primeira linha totalmente construída, com os seus 1224 quilómetros, devendo a segunda linha estar operacional em 2013, tendo até ao momento sido construídos 663 quilómetros.

 

Texto originalmente publicado no Forte Apache.