A ingenuidade de Obama
Eran Wolkowski/Haaretz
O Presidente Barack Obama foi ingénuo e mal aconselhado quando, no discurso sobre o Médio Oriente proferido na passada Quinta-feira, veio defender a solução de “dois Estados” na Palestina delimitados pelas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias ("pre-1967 borders"). Um erro de tal forma evidente e inédito nas presidências americanas, que foi confrangedor ver Obama ouvir do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em plena Sala Oval, que tal solução nunca seria aceite por Israel, porque a mesma colocaria em causa a segurança da própria existência do Estado hebraico.
O problema das palavras de Obama não está na criação do Estado palestiniano, porque neste ponto todos estão de acordo, incluindo os israelitas, mas sim no facto de sugerir que a sua fronteira com Israel tivesse em conta as linhas impostas em 1949.
É preciso relembrar que até 1967, ano em que Israel expandiu substancialmente as suas fronteiras com a Guerra dos Seis Dias, um dos grandes dramas daquele Estado era o problema da “profundidade estratégica”. Note-se que durante aquelas quase duas décadas a zona mais estreita de Israel tinha apenas 15 Km de largura, ou seja, de terra a separar o Mar Mediterrâneo e os territórios palestinianos da Cisjordânia.
Para um povo que vive rodeado de inimigos e com a “psicose” de que os palestinianos “querem atirar os judeus para o mar”, as fronteiras israelitas pré-1967 eram claramente uma ameaça à segurança de Israel.
A “green line” delineada na sequência da Guerra dos Seis Dias acabou por aumentar a “profundidade estratégica” de Israel. E desde então que passaram a ser estas as linhas divisórias “reconhecidas” informalmente no âmbito do processo negocial israelo-palestiniano.
Daí a estranheza das declarações de Obama, que aliás, o próprio deve ter reconhecido imediatamente após ter terminado o seu discurso, já que praticamente não reagiu às palavras duras de Netanyahu quando este disse que as linhas de 1967 eram “indefensáveis”. Palavras essas que estão a provocar algum mal-estar no seio da administração americana, com algumas correntes a terem menos paciência para o descontrolo político do seu aliado, comportando-se cada vez mais como um “loose cannon”.
Quem não gostou mesmo nada das declarações de Obama foi o poderosíssimo lobby judaico nos Estados Unidos. Assim, e perante as muitas críticas, o Presidente veio reiterar e esclarecer este Domingo no American Israel Public Affairs Committee (Aipac), o principal grupo de lobby judaico norte americano, aquilo que tinha dito: “Let me repeat what I actually said on Thursday (…) I said that the United States believes that negotiations should result in two states, with permanent Palestinian borders with Israel, Jordan, and Egypt, and permanent Israeli borders with Palestine. The borders of Israel and Palestine should be based on the 1967 lines with mutually agreed swaps, so that secure and recognized borders are established
for both states.”
Obama tem tido a preocupação de enfatizar este último ponto, que diz respeito à troca de territórios por mútuo acordo, porque segundo a Casa Branca, as principais críticas de Netanyahu não têm tido em consideração esta questão fulcral para o Presidente americano: “Since my position has been misrepresented several times, let me reaffirm what ‘1967 lines with mutually agreed swaps’. By definition, it means that the parties themselves — Israelis and Palestinians — will negotiate a border that is different than the one that existed on June 4, 1967. It is a well known formula to all who have worked on this issue for a generation. It allows the parties themselves to account for the changes that have taken place over the last 44 years.”
Também George Mitchel, enviado americano para o Médio Oriente, saiu em defesa de Obama, para dizer que este não tinha dito que Israel teria que voltar às fronteiras pré-1967. O que o Presidente teria proposto eram as tais trocas de territórios por mútuo acordo.
Seja como for, e apesar das suas boas intenções, o Presidente Obama abordou este assunto da pior maneira possível, já que a questão das fronteiras, juntamente com o problema dos refugiados e do estatuto de Jerusalém, é um assunto de enorme sensibilidade para israelitas. E até mesmo os dirigentes palestinianos sabem que, realisticamente, nunca será possível ter um Estado Palestiniano com as fronteiras pré-1967, tal como sabem que nunca será possível o regresso de todos os palestinianos refugiados espalhados pela Jordânia, Líbia e Síria. O estranho é Obama não saber disto ou, pelo menos, não ter a sensibilidade necessária para gerir o tema das fronteiras no Médio Oriente.
Já menos estranha foi a dura resposta de Netanyahu que, na senda do que vem sendo hábito desde que assumiu a liderança do Governo, vem adensar ainda mais a tensão nas relações entre Washington e Telavive, colocando em causa os interesses de Israel a médio e a longo prazo. Ainda este Domingo, o Haaretz, em editorial, mostrava-se bastante crítico ao seu primeiro-ministro.