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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A lusofonia como factor de poder voltou a ser esquecida nos programas do PS e do PSD

Alexandre Guerra, 13.05.11

 

O Diplomata pede desculpa aos seus leitores por não ter escrito até ao momento uma única palavra sobre a campanha eleitoral que já está na estrada em Portugal.

 

Mas, por um qualquer fenómeno que o autor destas linhas desconhece, o mundo além fronteiras parece ter desaparecido, já que nenhum dos actores políticos que andam por aí em acessos debates e trocas diárias de argumentos inócuos se dignou a revelar uma qualquer ideia sobre o posicionamento de Portugal no sistema das relações internacionais.

 

Não se ouve uma única palavra sobre o projecto europeu, sobre o espaço da lusofonia, sobre a aliança transatlântica, sobre a plataforma continental, sobre a guerra ao terrorismo, sobre a revisão da OMC, sobre as medidas financeiras adoptadas nos EUA, sobre os BRIC, sobre pós-Quioto e por aí fora.

 

É ainda mais lamentável que nos debates televisivos e nas inúmeras páginas de jornais dedicadas às eleições, nenhum jornalista se lembre de perguntar qualquer coisinha sobre a visão que os candidatos têm de Portugal no Mundo.

 

Perante o silêncio perturbador de jornalistas e de políticos, o Diplomata lá foi ver os programas eleitorais dos dois principais partidos do sistema político português para tentar descortinar a sua suposta perspectiva em relação ao posicionamento de Portugal face ao resto do mundo.

 

Sem qualquer rasgo de criatividade, o programa do PS, Defender Portugal, Construir o Futuro 2011-2015, recorre quase sempre à palavra “internacional” para relacioná-la com a tão famigerada “crise”, e não tanto para explanar uma visão estratégica daquilo que deveriam ser as orientações de um futuro Governo relativas aos desafios globais.

 

Assim, ora se lê algo como “o progresso que o País fez, apesar da crise internacional”. Ou qualquer coisa como, “a crise das dívidas soberanas como nova fase da crise económica internacional”. Mas, há ainda mais: “A resposta à crise da dívida soberana: O papel de Portugal e o papel da União Europeia.”

 

Mais adiante, lá se vai lendo que “o reforço da União não deve ser entendido como uma perda das soberanias, mas como o aprofundamento necessário e desejado da integração económica na zona euro”, e que a “a Estratégia Europa 2020 deve, assim, ser o quadro de referência global perante os diversos instrumentos de política, da União e dos diferentes Estados-membros, de modo a garantir a articulação adequada e a assegurar o investimento estratégico na execução da EE 2020: um crescimento mais inteligente, mais verde e mais inclusivo”. Este é o pensamento do PS sobre a Europa.

 

Quanto ao resto do mundo, que cabe numa página (47), o programa diz que “Portugal tem uma política externa muito clara, assente em três pilares complementares: a plena integração na União Europeia; o laço transatlântico; e a cooperação estreita com os países de língua portuguesa. Neste quadro, o País cultiva a ligação com as suas comunidades espalhadas pelo mundo e valoriza-as no seu duplo papel de expressão da nossa inserção cosmopolita e de promoção da imagem e da identidade nacional em todas as regiões relevantes do mundo de hoje”.

 

O conjunto de generalidades e de banalidades envergonharia qualquer estudante de Relações Internacionais do primeiro ano, e está-se claramente perante um “copy/paste” vergonhoso de documentos anteriores. Trata-se da lei do menor esforço, que resulta numa secura de qualquer pensamento ou reflexão.

 

Por último, o Diplomata não deixa de achar estranho que no âmbito de “afirmar Portugal no Mundo”, o programa do PS defenda a “valorização
da contribuição das Forças Armadas portuguesas para a gestão de crises e a promoção da segurança cooperativa, através da participação de Forças Nacionais Destacadas em operações de paz”, quando, segundo se sabe, o Governo português assinou sem pestanejar uma redução de 10 por cento no financiamento para este sector imposta por três senhores estrangeiros.

 

O programa do PSD, Recuperar a Credibilidade e Desenvolver Portugal, revela mais cuidado na sua elaboração no que toca à visão de Portugal no Mundo.

 

Mas mesmo assim, ao pilar 5, dedicado à “política externa ao serviço do desenvolvimento”, ficou-lhe reservado o espaço entre as páginas 228 e 236.

 

Agora veja-se, por exemplo, o espaço dedicado aos restantes pilares: o pilar 1 vai da página 8 à 34; o pilar 2 da 38 à 133; o pilar 3 da 136 à 166; e o pilar 4 da 177 à 226.

 

Ora, a quantidade não é sinónimo de qualidade, mas dá para ter uma ideia das prioridades e das atenções que os estrategos partidários deram à relação de Portugal com o Mundo. O que não deixa de ser estranho, face ao facto de se viverem tempos cada vez mais dominados pelo conceito da interdependência complexa (apenas uma nota: homens como Mário Soares, Adriano Moreira e até mesmo Pacheco Pereira têm falado muito sobre esta questão).

 

Voltando ao pilar 5, as razões para preocupações encontram-se logo no início, quando se lê que “neste momento, a política externa deve orientar-se sobretudo para a recuperação da reputação financeira e do prestígio internacional e para o fomento da actividade económica com o exterior”. Além de ser uma visão provinciana e redutora daquilo que deve ser uma abordagem estratégica de Portugal na Europa e no Mundo, acaba por cair no mesmo erro do programa eleitoral do PS.

 

Uma subversão do táctico sobre o estratégico. Um erro claramente resultante da ausência de dimensão política nos autores de ambos os documentos.

 

Seja como for, o PSD estabelece “quatro eixos de acção para a mudança” de Portugal no Mundo: 1. Reforçar a diplomacia económica; 2. Aprofundar o espaço lusófono; 3. Valorizar as comunidades portuguesas; 4. Evoluir nas relações bilaterais e multilaterais.

 

Indo directamente ao ponto 2, algo que tem sido historicamente esquecido por governos sucessivos, o Diplomata não vilsumbrou nada de novo, apenas ideias vagas sem qualquer consequência prática e sempre focadas na componente empresarial (e não económica). Ou seja, não se encontra qualquer elemento que contribua, verdadeiramente, para cimentar os elos de ligação entre Portugal e os países da CPLP.

 

Lamentavelmente, em ambos os programas partidários é difícil encontrar uma referência à promoção da língua portuguesa enquanto factor de poder de um Estado. Também a cultura e o desporto ainda não são vistos como “armas” de projecção de uma certa ideia de Estado.

 

No caso europeu, o programa do PSD é mais substancial do que o do PS, deixando claro, por exemplo, que um futuro Governo do PSD será contra a ideia de uma Europa a “duas velocidades”. É também interessante constatar que há sensibilidade para olhar para o Magrebe como um espaço natural de “cooperação europeia”.

 

No âmbito das relações bilaterais, pode ler-se no programa que um Governo do PSD “irá desenvolver parcerias estratégicas com a China e com a Índia”. Muito bem, mas quais e em que moldes, questiona o Diplomata, já que não há mais informação sobre este assunto.

 

Já nas relações multilaterais, o Diplomata ficou curioso com a ideia de um futuro Executivo do PSD “valorizar o multilateralismo baseado na cultura, como plataforma para a internacionalização das empresas e comunidades locais”. O autor destas linhas gostaria de ver este assunto desenvolvido.

 

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