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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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A história sangrenta do minério desconhecido que todos querem (3)

Alexandre Guerra, 31.08.10

 

 

A procura de coltan começou a acentuar-se no início dos anos 90, precisamente com o advento das novas tecnologias. De 1999 para 2000, registou-se um aumento de 38 por cento no consumo de coltan. Estimava-se então que o aumento do consumo anual daquele recurso fosse de 10 a 20 por cento.

 

Perante a importância deste recurso o Departamento de Defesa dos Estados Unidos classificou como “estratégico” aquele mineral.

 

Um pouco à semelhança do que aconteceu na Libéria, com este país a exportar para o mercado internacional os diamantes da Serra Leoa, também o Ruanda tem feito chegar a países como os Estados Unidos, Alemanha, Holanda ou Cazaquistão, o coltan extraído em território congolês.

 

Não deixa de ser curioso que o principal exportador e animador deste mercado seja o Ruanda, um país que não tem no seu território reservas de coltan (tal como a Libéria não tinha de diamantes). Todo este minério é trasladado do vizinho Congo pelas forças militares e milícias ruandesas em camiões até Kigali. Aqui, este material é tratado nas instalações da Somirwa, a Sociedade Mineira do Ruanda.

 

Posteriormente, o material é colocado no mercado através da Somigi (Sociedade Mineira dos Grandes Lagos), que tanto quanto o Diplomata conseguiu apurar, tem o monopólio da comercialização do coltan e conta com a participação de três sociedades (uma ruandesa, outra belga e uma sul-africana). Basicamente, o Uganda e o Ruanda vendem o coltan roubado da RDC.

 

A ocupação militar do território congolês pelas forças ruandesas com o apoio do Uganda desde 1998 é compreensível à luz deste estratégico e lucrativo negócio. Além disso, Kigali, através da Somigi, montou um esquema de pagamentos aos movimentos rebeldes apoiados pelo Ruanda que operavam em território congolês. Em vários sites da internet é possível ler-se declarações de então líder do Movimento para a Democracia Congolesa (RCD), Adolphe Onusumba, que o comprometiam de forma clara neste negócio: "Com a venda de diamantes ganhávamos cerca de 200.000 dólares ao mês. Com o coltan chegamos a ganhar mais de um milhão de dólares por mês."

 

Convém relembrar que o RCD chegou a controlar um terço do território congolês, sendo a influência de Onusumba recompensada em 2004 com a nomeação de Ministro da Defesa no Governo de transição da República Democrática do Congo (RDC). 

 

A própria líder da Somigi, Azazi Gulamani Kulsum, tida como uma contrabandista e outrora próxima dos hutus, passou a apoiar e a fornecer armas às forças militares ruandeses que continuam a perseguir hutus nalgumas regiões congolesas, como Kivu Norte.

 

Um estudo levado a cabo pelo IPIS (Serviço de Informação para a Paz Internacional) estabelecia uma teia complexa de contrabandistas e uma relação ilegal entre algumas empresas e países importadores com o negócio do coltan e, consequentemente, com o financiamento da guerra na RDC. Também o presidente ruandês, Paul Kagame, assim como pessoas próximas do chefe de Estado do Uganda, Yoweri Museveni, são tidas como envolvidas neste negócio.

 

Tanto estas relações comprometedoras como a violência que deflagrou na República Democrática do Congo continuam a fazer parte do quotidiano daquele país, apesar de formalmente a guerra ter terminado em 2003. Precisamente há um ano, a Global Witness referia que várias multinacionais estavam a aproveitar-se dos vastos recursos nas regiões congolesas de Kivu Norte e Sul.

 

Não é por isso de estanhar que ainda há dias a revista TIME se tenha interrogado se os “laptops” ou telemóveis utilizados por milhões de pessoas não estariam também "manchados" de sangue, numa analogia aos "diamantes de sangue".

 

Se é verdade que a partir da segunda metade desta década muitas das empresas começaram a estar sensíveis à origem dos materiais, é igualmente certo que anda a circular no mercado internacional minério "manchado" de sangue. Além disso, é inegável que muitos dos aparelhos e dispositivos electrónicos que fazem parte do dia-a-dia de qualquer pessoa em Nova Iorque ou em Lisboa contêm no seu interior materiais cuja origem está marcada pelo sofrimento e pela morte de milhares de pessoas na região dos Grandes Lagos.

 

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