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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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A "utopia negativa" de João Aguiar sobre uma Europa dominada por grupos económicos

Alexandre Guerra, 05.06.10

 

João Aguiar, falecido na passada Quinta-feira, é um dos escritores portugueses mais apreciados pelo autor destas linhas, não apenas devido à sua perspectiva histórica materializada nalgumas das suas obras, mas pela criatividade e sensibilidade com que enquadrou muitas das narrativas em temáticas muito actuais.

 

Embora não necessitasse de qualquer pretexto para chamá-lo a este espaço, no momento em que foi comunicada a morte de João Aguiar, houve de imediato uma obra que veio à memória do Diplomata e que se adequa perfeitamente neste blogue.

 

Não é propriamente dos seus romances mais conhecidos e não será um dos mais brilhantes em termos literários, mas é sem dúvida revelador da sua capacidade de análise e da sua sensibilidade para as problemáticas contemporâneas.

 

“O Jardim das Delícias” (2005) é um romance que assume alguns contornos de filosofia política, com traços de “utopia negativa” em relação a uma Europa, neste caso uma “grande Federação Europeia”, dominada por uma cúpula de ideologia única face impondo-se a uma massa acrítica e desinformada.

 

A Federação Europeia de que Aguiar fala é uma entidade que evoluiu a partir da União Europeia e é liderada por um directório de países que, por seu lado, estão condicionados pelos grandes grupos económicos. As políticas vão sendo implementadas na defesa dos interesses de uma elite, à medida que é assegurada uma certa ordem entre as massas, sem que estas tenham capacidade de se questionarem ou confrontarem o poder governante.

 

De certa forma, é crítico em relação ao estado amorfo que as massas evidenciam perante os grandes desafios que se lhes deparam na Europa, mas o livro de Aguiar podem também pode ser visto com um ensaio premonitório da crise financeira e especulativa espoletada nos últimos tempos, provocada em parte pela irresponsabilidade de gigantescas entidades financeiras, muitas das quais condicionando a acção dos Estados.

 

“O Jardim das Delícias” é sem dúvida uma leitura recomendada e muito pertinente nos dias que correm.