As relações entre as duas Coreias voltam ao "congelador"
Soldados sul coreanos prestam homenagem aos marinheiros mortos no navio Cheonan/Ahn Young-joon/Associated Press
Se a Índia e o Paquistão parecem estar a caminhar para uma reaproximação negocial, o mesmo não se pode dizer das relações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que atingiram hoje um dos momentos mais tensos dos últimos anos.
Esta mais recente crise foi espoletada há uns dias com a publicação de um relatório internacional, que implicou directamente Pyongyang no afundamento de um navio de guerra sul coreano no passado dia 26 de Março, e no qual morreram 46 marinheiros. De acordo com as investigações, o acidente deveu-se a um torpedo norte coreano.
Como seria de esperar, Pyongyang rejeitou de imediato as conclusões deste relatório, e classificou-o como uma afronta à Coreia do Norte. Além disso, o regime norte coreano acusa a Marinha da Coreia do Sul de ter violado recentemente as águas territoriais do seu país.
A península da Coreia é o melhor exemplo daquilo é conhecido como um “conflito congelado”, herdado do sistema da Guerra Fria e que subsiste pelo facto das duas Coreias continuarem tecnicamente em guerra, visto nunca terem assinado qualquer armistício em 1953, após um conflito de três anos.
Deste então, que os dois países mantêm um “status quo” tenso, materializado no Paralelo 38, uma Zona Desmilitarizada que serve de tampão aos dois países e que concentra um elevado número de soldados em ambos os lados da fronteira. De referir que esta deverá ser a zona mais minada do planeta.
As esperanças vividas há uns anos de reaproximação entre as duas Coreias começaram a deteriorar-se com o “dossier” nuclear norte-coreano, continuando sem fim à vista. No entanto, nos últimos dias Pyongyang e Seul envolveram-se numa escalada diplomática acentuada, culminando hoje com a agência de notícias norte coreana KCNA a anunciar que aquele país cortava todas as relações com a Coreia do Sul, incluindo as comunicações. Pyongyang expulsou ainda responsáveis oficias da Coreia do Sul de um projecto conjunto e interditou todo o seu espaço marítimo e aéreo.
Horas antes tinha sido Seul a reclassificar a Coreia do Norte como o seu “arqui-inimigo” (uma designação que tinha caído em 2004 durante o período de “detente”), depois de no Domingo ter cortado relações comerciais com o vizinho do Norte.
Como referiu Jonathan Marcus, correspondente diplomático da BBC News, as relações entre as duas Coreias voltaram ao “congelador”. Efectivamente, depois dos tempos de esperança da “Sunshine Policy”, a tensão e a desconfiança regressaram à Península da Coreia, sendo o programa nuclear norte-coreano a principal fonte.
Numa altura em que a situação poderá ficar fora de controlo, certamente que Pyongyang e Seul já foram avisados por Pequim e Washington para refrearem os ânimos.
A Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, tem-se multiplicado em contactos e iniciativas diplomáticas, no sentido de garantir que Washington controla todo o processo em Seul. Pretende também transmitir uma mensagem de apoio incondicional à Coreia do Sul, tendo sido anunciados exercícios conjuntos entre os dois países.
Por outro lado, a China já apelou a todas as partes para terem calma e, através do seu vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Cui Tiankai, mostrou total disponibilidade para trabalhar com os Estados Unidos na resolução deste problema.
Esta é a abordagem que mais interessa a Pequim, visto querer evitar que o assunto vá ao Conselho de Segurança, vendo-se aí obrigada a tomar uma posição, algo que neste momento não deseja.
É por isso que analistas citados pela BBC News referem que a China é crucial neste problema, porque se o assunto for discutido no Conselho de Segurança das Nações Unidas o seu voto será preponderante.
Para já, Pequim mostra prudência, deixando Washington assumir o seu papel de “aliado” tradicional junto da Coreia do Sul. Uma abordagem realista e inteligente, já que tanto Seul como Pyongyang, e apesar de toda a retórica e medidas anunciadas, têm mostrado bastante relutância em avançar para qualquer movimentação militar.
Enquanto isso não acontecer, Pequim limita-se a acompanhar, prudentemente, esta situação, evitando interferir ao máximo. A China sabe perfeitamente que, em caso de conflito, terá sempre de recorrer ao seu Exército para equilibrar o potencial militar da Coreia do Norte face à Coreia do Sul.
Sabe-se que o Presidente norte-coreano, Kim Jong Il, terá dito aos seus oficiais para estarem preparados, mas é referido igualmente que não será a Coreia do Norte a dar o primeiro tiro. Embora tenha uma das maiores infantarias do mundo, as forças militares norte-coreanos estão mal preparadas, pobremente equipadas e com o moral em baixo. Dizem alguns desertores norte-coreanos que os soldados daquele país optam por tirara sestas em vez de treinarem, porque têm tão poucos alimentos para comer, que preferem poupar energia.
Verdade ou mentira, certo é que a Coreia do Norte está longe ter as condições para confrontar militarmente o seu vizinho do Sul. Mesmo em relação à sua capacidade nuclear, para já é apenas uma intenção, não tendo ogivas disponíveis e vectores de lançamento ainda pouco fiáveis.