Uma mentira reiterada várias vezes não se transforma numa verdade
Alexandre Guerra, 25.02.10
Por mais perverso que possa parecer, mentir e omitir são dois conceitos compreensíveis em política, e até mesmo admissíveis, quando se está, efectivamente, a falar no exercício do poder em prol de um Estado e de um povo. Não quer com isto dizer-se que ao mentir o político esteja a ser virtuoso. Seria uma hipocrisia assumir tal ideia.
Mas, já não será abusivo considerar-se que o “Príncipe” esteja a ser astuto na arte de governar ao negar ou omitir determinado facto, se com isso considerar que está a servir genuinamente um interesse maior: o nacional.
Este racional degenera quando uma mentira ou omissão são veiculadas pelo líder político, visando interesses menores, muitas das vezes de âmbito clientelar e corporativo, que em nada correspondem às obrigações nobres da governação e às exigências do Estado e dos cidadãos.
A apresentação destas linhas fica-se a dever, não tanto aos sucessivos “casos” polémicos que se têm abatido sobre o primeiro-ministro português, José Sócrates, mas antes à sua reacção e contínua negação de qualquer acto ilícito ou menos próprio.
O Diplomata não se propõe avaliar tal comportamento, e muito menos tirar ilações quanto à veracidade ou não das declarações de inocência reiteradas por Sócrates relativas a todos os dossiers que o envolvem. Simplesmente, toda esta história remeteu o autor destas linhas para um episódio político de proporções gigantescas que começou, precisamente, com uma negação categórica feita pelo líder sobre um polémico escândalo que o abraçara.
Em Janeiro de 1998, perante a juíza Susan Webber Wright, num processo de inquérito instaurado pelo procurador Keneth Starr, o então Presidente Bill Clinton dava o primeiro passo de um tortuoso e desastroso processo ao admitir que dera presentes a Monica Lewinsky, estagiária entre 1995 e 1996 na Casa Branca, mas negando ter tido “relações sexuais”. Uma afirmação reiterada dias depois numa entrevista ao programa NewsHour da PBS. A 26 de Janeiro, falando na Casa Branca aos americanos, Clinton comete o seu pecado capital ao dizer a célebre frase: “I did not have sexual relations with that woman, Miss Lewinsky.”
Para os americanos, era a palavra do seu Presidente e na qual queriam acreditar, legitimamente, já que a própria forma e tom com que Clinton o afirmou foram bastante convincentes. Mas, ao mesmo tempo, Clinton mergulhava numa espiral que só o puxava cada vez mais para o fundo, uma vez que em tempo algum a sua estratégia de mentira teria como fim os interesses nacionais e dos seus cidadãos.
“O que fizera com Monica Lewinsky fora imoral e estúpido. Estava profundamente envergonhado e não queria que viesse a lume. Estava a tentar proteger a minha família, a mim própria, da minha estupidez egoísta”, admitiu Clinton mais tarde nas suas memórias. “Com a minha conduta errada, causara danos à presidência e às pessoas. E a culpa era exclusivamente minha.”
E como mais tarde se veio a perceber, os americanos nunca viram nas “escapadelas” de Clinton com Mónica Lewinski um factor particularmente grave, apercebendo-se, inclusivamente, da campanha agressiva feita por Starr, que assumiu contornos inquisitórios. O problema foi a mentira reiterada várias vezes pelo Presidente americano, sem que por detrás de tal acto estivesse um interesse maior de Estado que o justificasse.
Clinton acabou por ver-se envolvido num processo de perjúrio, arrastando-se durante meses e fragilizando a sua imagem perante os seus concidadãos, que o quase afastou da Casa Branca, não fosse o Senado ter indeferido os factores que sustentavam a efectivação do “impeachment”.
Perguntará agora o leitor deste blogue sobre o que é que esta história terá a ver com José Sócrates? Provavelmente quase nada… Ou talvez tudo.