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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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As primeiras “brechas” na Cortina de Ferro

Alexandre Guerra, 06.11.09

 

Lech Walesa, principal rosto da revolta polaca nos anos 80

 

Um dos homens que mais directamente esteve relacionado com a queda do Muro de Berlim foi Egon Krenz, secretário-geral do comité central do partido comunista e líder da RDA entre o curto período de 18 de Outubro a 3 de Dezembro de 1989. Krenz foi o responsável pela abertura de várias fronteiras da RDA, como forma de aliviar a pressão que se começava a abater sobre o regime comunista daquele país. A autorização de passagem nalguns pontos do Muro de Berlim inseria-se nessa lógica.
 
Aliás, foi precisamente devido à pressão da opinião pública que o histórico líder comunista Erich Honecker teve que se demitir da liderança dos desígnios da RDA a 18 de Outubro de 1989, sugerindo o nome de Krenz para seu sucessor. 
 
Aquelas horas de 9 de Novembro precipitariam um efeito dominó que iria culminar na implosão da União Soviética no Natal de 1991 e, consequentemente, no enterro do sistema de Guerra Fria. Em poucos meses, todo um paradigma de relações internacionais era remetido para as calendas do tempo, naquilo que muitos viram como o “fim da História” ideológica.
 
A divisão física e ideológica da Europa, e a consequente aceitação por parte do Ocidente desta realidade, permitiu que durante sensivelmente quarenta anos o mundo ocidental e comunista vivessem separados por uma “Cortina de Ferro”, politicamente tolerada, e que tinha a sua expressão máxima no Muro de Berlim.
 
A queda do Muro foi assim vista pelo Ocidente como uma vitória da luz sobre as sombras que pairavam para lá da “Cortina”. Foi uma ruptura no sistema internacional e que pôs fim à ordem pós-II Guerra Mundial.
 
Por si só, a queda do Muro não foi uma causa, mas terá sido já uma consequência das “brechas” que o regime comunista ia revelando, quer na União Soviética, quer nos seus satélites. A queda do Muro de Berlim acabou, assim, por ter um efeito acelerador nas mudanças profundas que já se faziam sentir em vários países da Europa de Leste, sobretudo a partir dos anos 80.
 
Por um lado, a insustentabilidade económica do regime comunista para manter-se a si e aos seus satélites, por outro, as fissuras políticas e sociais que já começavam a ser muito incómodas para Moscovo. A Polónia e a Hungria são talvez os melhores exemplos da oposição e da emancipação política face ao Kremlin.
 
A Solidariedade de Lech Walesa foi a expressão mais visível da oposição ao Governo polaco, obrigando-o a 31 de Agosto de 1980 a firmar os históricos “acordos de “Gdansk”. Nas palavras de Lesourne e Lecomte foram acordos “efémeros, mas pelo menos revelaram-se como “a primeira grande brecha institucional no sistema comunista”.
 
Esta dinâmica de corrosão interna do regime comunista polaco, associada aos movimentos reformistas da perestroika e da glasnost protagonizados por Mikhail Gorbachev na União Soviética, conduziu à criação de uma mesa redonda entre o Governo de Varsóvia e a Solidariedade. A 5 de Abril de 1898 realiza-se esse encontro, que acabaria por iniciar um processo de democratização do poder, que viria a culminar nas eleições livres de Maio de 1990. Pelo meio, os acontecimentos de Berlim vinham apenas acelerar a “morte” do comunismo polaco.
 
Mas, quando se fala em brecha na “Cortina de Ferro” é obrigatório referir-se a Hungria enquanto país que, embora sob influência de Moscovo, conseguiu adoptar um pragmatismo político e económico que a conduziu para um estádio de desenvolvimento bastante acima de muito dos outros países do bloco comunista.
 
Uma espécie de “ocidentalização subterrânea”, que no final dos anos 80 começa a revelar-se à luz do dia, aproveitando as “aberturas” de Moscovo. Como resultado, a 11 de Fevereiro de 1989 o Partido Socialista Operário húngaro pronuncia-se a favor do multipartidarismo.
 
O primeiro passo tinha sido dado e o aparelho comunista daquele país começava a soçobrar, com o poder governativo a ser tomado de assalto pelos mais reformadores que, a 2 de Maio de 1989, ordenam a abertura de um ponto de passagem na fronteira da Hungria com a Áustria. Este é o acontecimento que espoleta meses mais tarde a queda do Muro.
 
Após aquela decisão, rapidamente a brecha fronteiriça se transforma num buraco gigantesco, através do qual milhares de pessoas tinham a oportunidade de alcançar o tão prometido Ocidente.
 
A embaixada da República Federal Alemã (RFA) em Budapeste foi assolada por pedidos de vistos por parte de “turistas” da RDA ansiosos por “visitar” Berlim Ocidental. O processo repetiu-se nas embaixadas da RFA em Varsóvia e em Praga. Em apenas um fim-de-semana, milhares de alemães de Leste passaram para o Ocidente.
 
Daqui até a queda do Muro foi um instante, um acto que culminaria em termos políticos com a reunificação da Alemanha a 3 de Outubro de 1990. O muro só viria ser totalmente desmantelado um ano mais tarde, ficando apenas de pé algumas secções para homenagear a História.