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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Revisitar a central nuclear de Kozloduy

Alexandre Guerra, 17.06.19

 

Numa altura em que a série "Chernobyl" despertou no grande público o interesse pelo nuclear e no dia em que Teerão informou que vai proceder a uma nova etapa de enriquecimento do seu stock de urânio, que poderá chegar até aos 20 por cento, considero pertinente recuperar um texto que publiquei na edição de Maio-Julho de 2007 da revista "Segurança & Defesa", sobre a central nuclear de Kozloduy, situada no norte da Bulgária, junto à fronteira com a Roménia e nas proximidades do Danúnbio. Em Maio de 2006, fui um dos primeiros jornalistas a ter o privilégio de visitar aquela gigante central nuclear dos tempos soviéticos, a única na Bulgária e uma das maiores do antigo Bloco de Leste, originalmente com seis reactores. Na altura, foi possível conhecer as suas entranhas e observar de perto os seus silos, sendo que os reactores 3 e 4 tinham acabado de ser desactivados, estando apenas em funcionamento as unidades 5 e 6, que ainda hoje continuam a operar. 

 

Texto publicado em Maio-Julho de 2007 na revista "Segurança & Defesa"

 

Que fazer com os reactores nucleares dos tempos soviéticos?

Por Alexandre Guerra

 

Sala de comando de dois reactores em Kozloduy/Foto AG

 

Durante anos, as centrais nucleares dos países do antigo Bloco de Leste permaneceram longe dos olhares indiscretos, desconhecendo-se a forma como operavam ou o estado de conservação do seu equipamento. O acidente de Chernobyl, há sensivelmente 21 anos, alimentou os receios do Ocidente face à segurança das estruturas que albergavam (e albergam) dezenas de reactores nucleares.
 
Com a implosão da União Soviética, no início da década de 90, técnicos europeus e norte-americanos começaram a vistoriar as instalações nucleares das nações que tinham acabado de se libertar do jugo de Moscovo. O processo continua em curso, com os governos empenhados em aplicar as recomendações que lhes são sujeitas. Mas, volvidos mais de 15 anos sobre as primeiras inspecções, alguns Executivos consideram que preencheram todos os requisitos exigidos, não havendo justificação para se continuar com o encerramento de algumas unidades, nem com as constantes críticas de que são alvo.  
 
Precisamente numa altura em que a energia nuclear parece voltar a estar na “moda”, vários são os países da Europa de Leste que tentam demonstrar as virtudes de tal tecnologia e os progressos alcançados na sua modernização, envidando todos os esforços para que as suas unidades continuem a fornecer energia aos seus cidadãos. É esse o caso da central nuclear de Kozloduy, uma pequena localidade situada no noroeste da Bulgária, nas margens do rio Danúbio.
 
Interior de um dos silos, com capacidade para aguentar o embate de um avião comercial, com os reactores 1 e 2 desactivados, com a respectiva cápsula, mas ainda radioactivos/Foto AG
 
Com seis reactores – dois a funcionar e quatro desactivados (embora sob apertada vigilância por causa do arrefecimento dos respectivos núcleos e do combustível) –, a central de Kozloduy teve que passar por processos de encerramento e modernização nas suas infra-estruturas e componentes, sendo assim um bom modelo de referência para outros complexos de fabrico soviético espalhados por alguns países do Leste europeu. 
 
Num gesto raro e de “charme”, os responsáveis daquela central começaram, desde o ano passado, a “abrir as portas” das instalações a jornalistas e especialistas. Numa das primeiras visitas ao local realizada há uns meses, a "Segurança & Defesa" pôde constatar os progressos e as fragilidades de um complexo que começou a ser construído em 1970.
 
O controlo de entrada é rigoroso, “como se de uma fronteira tratasse”. Os passaportes são inspeccionados e nada é deixado ao acaso. Com um nível de radiação de 0,16 na zona exterior do complexo (perfeitamente normal), os portões abrem-se, dando acesso a uma estrada verdejante que conduz ao interior da central, uma das maiores do mundo e que tanto orgulha os búlgaros.
 
Uma das salas de comando em Kozloduy/Foto AG
 
Kozloduy é composta por três silos, imponentes estruturas de betão armado que, segundo disseram os técnicos, têm um duplo revestimento capaz de aguentar o impacto de um avião comercial. Sob cada silo encontram-se dois reactores. Actualmente, a central produz 2000 MW de energia, o que equivale ao fornecimento de 42 por cento da electricidade consumida na Bulgária.
 
500 milhões de euros para modernizar
 
No seu interior, o silêncio reina e o asseio impera. “Tudo é muito limpo”, disse uma intérprete, quase que obsessiva por sublinhar tal facto. Parece um ambiente emocionalmente estéril, relembrando aqueles que alimentam as utopias negativas, onde tudo tem uma lógica de funcionamento autoritário em prol de um bem comum, não havendo espaço para o improviso.
 
Apesar deste complexo albergar 4500 trabalhadores, fica-se com a sensação de que a gigantesca central nuclear funciona apenas com meia dúzia de pessoas. Não se vê ninguém, ou quase ninguém. A “máquina” parece controlar tudo. A comparação com os cenários cinematográficos da ficção científica é inevitável.
 
Interior de um dos corredores da central nuclear/Foto AG
 
A componente humana dissemina-se discretamente pelas salas de comando dos reactores. A responsabilidade é enorme e todos têm o seu papel atribuído, o qual é seguido à risca. Ali, cada funcionário tem uma tarefa e cumpre-a com elevado grau de responsabilidade, seguindo as ordens da hierarquia. E nada mais. Todos estão cientes de que um pequeno erro pode atingir proporções dramáticas. Não é por isso de estranhar que os técnicos de monitorização aos reactores trabalhem três dias e folguem dois, à semelhança do que acontece com os controladores aéreos. A formação dura entre 5 a 7 anos.
 
A sua missão consiste em observar atentamente os monitores e os inúmeros painéis luminosos que se espalham por cada sala de comando. Em Kozloduy são três (uma para cada dois reactores), trabalhando em cada uma delas quatro técnicos em turnos de 8 horas. Depois de uma descida ao piso menos cinco chega-se à sala de comando dos reactores 5 e 6 (ambos de 1000 MW cada, do tipo PWR-WWER), os únicos operacionais. O ambiente parece desanuviado, ouvindo-se um jazz de fundo, interrompido de vez em quando por um toque arcaico de telefone, lembrando outros tempos. A visita dos jornalistas – algo raro naquelas paragens após tantos anos de secretismo em redor deste tipo de instalações – quebrou a rotina, mas nem por isso desconcentrou os técnicos.
 
O engenheiro chefe destas unidades, Dimitar Angelov, que trabalha há 29 em Kozloduy, relembra que no piso abaixo (- 6) existe uma sala de comando de emergência… que se espera nunca vir a ser utilizada. Com orgulho, Angelov fala no processo de modernização dos reactores imposto no princípio dos anos 90 pela comunidade internacional, especialmente pela União Europeia e pelo G7.
 
Monitorização do núcleo de um dos reactores em actividade/Foto AG
 
Ao todo são cerca de 491 milhões de euros de investimento para a implementação de 212 medidas de modernização dos reactores 5 e 6. Desde 2001 que foram adoptadas 155 medidas, devendo o processo estar concluído este ano.   
 
Programa nuclear é motivo de orgulho para os búlgaros
 
Uma das particularidades da central de Kozloduy, a única naquele país, é que aglomera seis reactores, algo que não é comum nas outras estruturas do género. Mas, actualmente só estão a funcionar duas unidades, depois do encerramento das restantes quatro (de 440 MW cada).
 
Os reactores 3 e 4 foram desactivados no passado dia 31 de Dezembro, após uma longa “batalha” que opôs o Governo de Sófia e Bruxelas. No entanto, perante a pressão da União Europeia e face ao interesse que a Bulgária tinha em aderir a 1 de Janeiro deste ano, o seu Executivo teve que ceder.
 
Indicador de radiação à entrada da central/Foto AG
 
As autoridades búlgaras empenharam-se até ao último momento para evitar o encerramento das unidades 3 e 4 por considerarem que aquelas foram devidamente modernizadas e que preenchiam os requisitos impostos pela AIEA e pela União Europeia. “Admito que no início dos anos 90 as condições de segurança não eram as melhores e, por isso, encerrámos os reactores 1 e 2”, observou Ivan Grizanov, deputado búlgaro. “Acho que não deixámos uma boa impressão na União Europeia.” Mas, volvidos alguns anos, Grizanov afirma que foi alcançado um “nível muito aceitável de segurança” na central de Kozloduy, “mas isso não passa para a opinião pública europeia”.
 
Uma ideia partilhada por Ivan Ivanov, director executivo da central, que frisou o facto do complexo de Kozloduy “ser um dos mais vigiados do mundo” e que, apesar de ser de fabrico soviético, tendo o primeiro reactor sido inaugurado em 1974, em nada se assemelha à central de Chernobyl. Tudo é diferente, desde o tipo de reactores aos sistemas de segurança. “No debate do nuclear, Chernobyl não é uma boa referência”, frisou Miko Kovachev, antigo ministro da Energia e presidente do comité búlgaro para o Conselho Mundial de Energia. “A tecnologia que estão a usar (em Kozloduy) não é uma tecnologia de Chernobyl.”
 
Central eléctica acoplada à central nuclear/Foto AG
 
Esta é uma ideia que as autoridades búlgaras têm tentado fazer passar para a opinião pública europeia, sobretudo numa altura em que aquele país acabou de se juntar à União Europeia. No entanto, Bruxelas não voltou atrás na sua decisão sobre o encerramento dos reactores 3 e 4, num gesto que o Governo considerou ser impelido por interesses económicos de modo a beneficiar determinadas empresas do sector, nomeadamente francesas e inglesas. “Assumo que existam interesses económicos por detrás da imposição da União Europeia para o encerramento de alguns reactores nos países do antigo bloco de leste”, de modo a beneficiar determinadas empresas do sector, revelou Ivanov.
 
“Uma das centrais mais vigiadas do mundo”
 
Quanto ao encerramento dos reactores 1 e 2, o processo foi menos conturbado, apesar de ter sido igualmente imposto pela União Europeia. Estes foram desactivadas a 31 Dezembro de 2002, uma data de contornos fúnebres para a população de Kozloduy (cerca de 11 mil pessoas), que directa ou indirectamente está ligada àquele central.
 
À entrada da sala de comando dos “defuntos” reactores 1 e 2 encontram-se dois quadros a assinalarem literalmente sua morte. Nem a cruz falta. A referência a este facto é feita com saudosismo e nostalgia. Mais do que uma questão energética, o programa nuclear é um factor de orgulho nacional. “Muitos búlgaros encaram o nuclear como se fosse o seu projecto nacional. Não têm um programa espacial, mas têm um programa nuclear”, tinha observado Ilin Stanen, um jornalista búlgaro. De facto, o programa nuclear tem taxas de aprovação nacional na ordem dos 75 por cento, subindo esse número para os 90 em Kozloduy. 
 
Uma das salas de comando dos reactores desactivados para controlar arrefecimento dos núcleos/Foto AG
 
Vladimir Uruchev, então engenheiro chefe dos reactores 1 a 4, manifestou desânimo ao falar nas unidades 1 e 2, estando em consonância com o ambiente que se vive na respectiva sala de comando, que continua a servir de base aos técnicos para vigiarem a temperatura dos núcleos dos reactores desactivados e o estado do combustível nuclear que ainda se encontra no local. Este é um processo que pode demorar anos, e é por isso que o impacto laboral do encerramento daqueles reactores não foi significativo, tendo em conta o acompanhamento que é preciso fazer.
 
“O calor residual tem que ser removido do núcleo”, informou Uruchev. “O fuel está armazenado numa piscina ao lado do núcleo, suficientemente afastado para não provocar uma reacção nuclear”, acrescentou. Quando inquirido sobre o que fazer a este combustível, Uruchev limitou-se a encolher os ombros, sem dar uma resposta conclusiva.  
 
Sala de comando de duas unidades/Foto AG
 
Depois de alguns minutos à conversa com os técnicos, Uruchev conduziu o grupo através de uma porta estanque que dá acesso a umas escadas ladeadas por paredes de betão com vários metros de espessura. Em poucos segundos, está-se no interior do silo, num posto de observação devidamente isolado com vidro, com vista privilegiada para os reactores 1 e 2. Note-se que caso estes estivessem a funcionar, a visita não teria passado da sala de comando, dado que nessas condições ninguém pode entrar num silo, a não ser em momentos de manutenção, nos quais os técnicos vão devidamente equipados com fatos anti-radiação, revezando-se em períodos de dois minutos. Cobertos com duas cúpulas de ferro, o reactor número dois estava apenas a sensivelmente 10 metros dos visitantes, enquanto que o outro se situava um pouco mais distante. Uma visão rara que até então nunca era captada por câmaras estranhas.
 
Esta “abertura” por parte das autoridades de Kozloduy é um sinal dos tempos e fruto da necessidade de alguns Governos manterem em actividade as suas centrais, vitais para o fornecimento de energia eléctrica a baixo custo para as suas populações. Devido à imposição da União Europeia e de organizações como a AIEA, o caso da central nuclear de Kozloduy é um bom exemplo das políticas que têm sido seguidas pelos países que herdaram este tipo de tecnologia do império soviético.
 

Da contracultura ao mainstream

Alexandre Guerra, 12.06.19

 

Ainda a noite eleitoral das europeias não tinha terminado e, um pouco por toda a Europa, os vários staffs dos partidos percebiam, à luz dos resultados que começavam a surgir, que os temas da economia ou da migração não tinham sido os únicos vectores mobilizadores do eleitorado. De um momento para outro, como se de uma revelação tratasse, a maioria dos políticos e respectivos assessores foram confrontados com uma agenda de interesses que lhes passou completamente ao lado na campanha e que “rendeu” muitos votos para alguns partidos que começaram, finalmente, a capitalizar nas urnas a aposta feita numa área até aqui de nicho. Chegara a vez do ambientalismo e das questões climáticas, associadas à sustentabilidade do planeta Terra, ocuparem um espaço vital no sistema político da Europa. Mais do que um tema de “moda”, o ambiente consolidou-se como “agenda” e mobilizador das tão cobiçadas gerações mais novas de eleitores (mas não só).

 

À Associated Press, Anna Kretzschmar, uma jovem berlinense de 20 anos dizia o seguinte: “A eleição europeia foi uma eleição climática.” Esta simples frase consubstanciava um movimento efectivo na Europa, movimento esse que impulsionou os partidos “verdes” a tornarem-se no quarto maior bloco do novo Parlamento Europeu, com mais de 75 assentos em Estrasburgo, o que representa um aumento substancial face a 2014. Ironicamente, para a história destas eleições ficará a subida dos “verdes” e não o tão anunciado despontar dos populismos. Basta ver o exemplo português, onde um pequeno partido de matriz mais ambientalista e ecologista conquistou entusiasticamente um eurodeputado, obtendo comunicacionalmente ganhos evidentes, ao dominar a agenda mediática e política, obrigando mesmo, na própria noite eleitoral, alguns candidatos de outros partidos a alterarem os seus discursos para “encaixarem” à última da hora o tema ambiente. E quando aqui se menciona ambientalismo, recorrendo à definição do sociólogo Manuel Castells, falamos de “todas as formas de comportamento colectivo que, tanto nos discursos como na prática, visam corrigir formas destrutivas de relacionamento entre o homem e o seu ambiente natural, contrariando a lógica estrutural e institucional predominante nos nossos dias”.

 

Bastaram 169 mil votos e um eurodeputado eleito para que, literalmente de um dia para outro, o sistema político em Portugal passasse a contemplar a questão ambiental nas suas prioridades. Da esquerda à direita, todos os partidos se assumiram como eufóricos defensores do combate às alterações climáticas, quando durante décadas foram esses mesmos partidos que nunca mostraram qualquer sensibilidade ou interesse na protecção do riquíssimo e vasto património natural do nosso país. Pelo contrário, nalguns casos, foram responsáveis directos pela destruição de preciosos recursos e pela criação uma política de desresponsabilização ambiental.

 

O tema do ambiente entrou muito tarde no sistema político português e se a prestação do PAN nas eleições legislativas de 2014 podia ser vista como uma anomalia sistémica ou um epifenómeno, as europeias de 2019 vieram confirmar a existência de uma tendência, não só tendo em conta os resultados nacionais, mas a “onda verde” que assolou a Europa.

 

Na Alemanha, e embora não sendo uma novidade, o Die Grüne (Verdes) consolidou-se no sistema político, tendo duplicado o seu resultado face a 2014, tornando-se no segundo partido mais votado nestas eleições, com 20,5 por cento. Também em França, o Europe Écologie-Les Verts (EELV) surpreendeu, tendo sido o terceiro partido mais votado, com quase 13,5 por cento. Em 2014, tinham tido cerca de 9 por cento. Na Holanda, o GroenLinks teve um excelente resultado, quase 11 por cento, subindo cerca de quatro pontos percentuais em relação a 2014. Na Bélgica, os dois partidos verdes, o ECOLO e o Groen, somam mais de 15 por cento de votos, quando em 2014 não chegaram aos 11 por cento. Na Irlanda, o Green Party passou os 11 por cento. Em 2014, não chegaram aos 5 por cento. Na Finlândia, o VIHR (Liga Verde) teve uma subida abismal, passando de 9,30 por cento, em 2014, para 16 por cento. E mesmo na Áustria, onde não se registou uma grande variação, o Die Grüne manteve-se nuns robustos 14 por cento.

 

Embora em Portugal o protagonista dessa tendência tenha ficado muito distante dos resultados alcançados por congéneres ou similares europeus, assiste-se a uma confirmação do seu carácter mainstream e o reforço da vocação de partido de sistema, um dado particularmente relevante num país do Sul da Europa. E também por esta razão, a sua prestação teve uma amplificação sobredimensionada na imprensa internacional face ao peso efectivo do seu único eurodeputado.

 

A questão é que este e outros partidos trazem uma novidade ao corporizarem programas políticos centrados no relacionamento do Homem com o ambiente e natureza, em detrimento da concepção tradicional, onde a economia se assumia como o tema privilegiado de formatação para o programa de qualquer partido, fosse ele de esquerda ou de direita. Era a “submissão” da política à economia, tema, aliás, já com algum tempo e amplamente debatido. Mesmo a problemática da migração tem surgido quase sempre associada às questões económicas, tais como a usurpação de postos de trabalho ou a falta de mão-de-obra nos países desenvolvidos – mais recentemente, associada também aos temas da segurança, mas nunca numa óptica de enquadramento nas sociedades de origem, para a procura de modelos que permitam o desenvolvimento sustentável nessas zonas do globo e, assim, fixarem as suas populações.

 

Estes partidos que agora afirmam a sua força no espaço europeu representam novas tendências de pensamento, novos hábitos sociais, novas formas de cultura. Para muitas destas pessoas, sobretudo os mais jovens, há uma “desmaterialização” (pelo menos aparente) da sociedade, na qual o princípio da “submissão” da economia ao ambiente é naturalmente aceite. Ou seja, assiste-se a uma inversão da equação das escolhas individuais e de cidadania em função do ambiente e não da economia.

 

Estes partidos inspiram e pretendem alterar hábitos de consumo e tendências sociais, tendo, pela primeira vez, um considerável bloco político para poder produzir ou condicionar legislação europeia nesse sentido. Muitos dirão que esse processo potenciará ingerências no campo das liberdades individuais. Talvez tenham razão, mas esta “onda verde”, ou “quiet revolution”, como lhe chamou o The Guardian, vai muito além do activismo ambiental idealista e romântico que mobilizou vários grupos e associações nos anos 60 e 70, alguns deles de cariz mais radical e fundamentalista. Há uma sofisticação no modelo de pensamento destes partidos, nos seus programas, onde o social e a economia se enquadram numa arquitectura ambientalista.

 

Quando olhamos para movimentos como a Greenpeace, criada em 1971, mais conhecida pelas suas espectaculares acções, mas ainda durante a década de 60, onde muitos fenómenos ambientalistas e ecologistas surgiam com pendor de contracultura, percebemos essa evolução, que tem como base movimentos sociais (alguns com origens nos finais do século XIX), que viriam mais tarde a conquistar “uma posição de destaque no cenário da aventura humana”, como referiu o sociólogo Manuel Castells no volume II da sua imensa obra A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultural. Diz o mesmo Castells, numa posição já com alguns anos, mas perfeitamente válida, que “a política verde não parece ser um tipo de movimento por si só, mas sim uma estratégia específica, isto é, a entrada no universo da política em prol do ambientalismo”. Se em tempos, os movimentos ambientalistas eram “uma espécie de celebração”, como escreveu Petra Kelly, uma das primeiras políticas alemãs ambientalistas e fundadora dos Verdes, o primeiro partido ambientalista a ganhar relevância sistémica a nível nacional e internacional, hoje, e depois de um longo caminho, podemos afirmar que a política ambiental é mais do que uma prática “tribal” ou de consciencialização. É, sobretudo, uma manifestação de poder inserida no quadro legislativo da Política da Cidade.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.