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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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A Guiné Equatorial devia sair da CPLP*

Alexandre Guerra, 18.04.19

 

As razões que motivaram o interesse e consequente adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em 2014, nunca foram devidamente explicadas aos portugueses (pelo menos àqueles que seguem estas matérias). Ficou-se com a ideia de que o processo foi desenrolado de forma envergonhada nos bastidores da diplomacia, sem que se compreendesse verdadeiramente por que é que um Estado como a Guiné Equatorial, detentor de um lamentável registo em matéria de Direitos Humanos e sem qualquer ligação histórico-linguística relevante com a CPLP, tenha sido acolhido nesta organização.

 

A X Cimeira da CPLP realizada em Díli, a 23 de Julho de 2014, serviu de palco para os líderes lusófonos formalizarem a adesão, num ambiente “restrito”, como se estivessem a fazer algo às escondidas. Aliás, a própria resolução de “admissão” é de uma pobreza confrangedora, limitando-se a seis curtíssimos parágrafos numa folha A4, sem qualquer elemento marcante ou inspirador, ostentando meras declarações burocráticas. Segundo um take da Lusa na altura, houve “um consenso generalizado" favorável à entrada da Guiné Equatorial, mas também um "debate intenso", suscitado por Portugal. É certo que a diplomacia portuguesa não deixou de manifestar (timidamente) o seu desagrado, mas o que é facto é que acabou por anuir numa decisão que em nada contribuiu para o fortalecimento da CPLP. Pelo contrário.

 

Passaram quase cinco anos desde a adesão e a única justificação encontrada, mas nunca assumida directa e frontalmente por ninguém, teria a ver com a vontade de Luanda, embora nunca se percebendo bem o que ganharia o regime angolano com esta manobra. Mais petróleo? Nessa mesma cimeira de Díli, em que se decidiu admitir a Guiné Equatorial na CPLP, a Lusa citava uma fonte da delegação brasileira, em que informava não ter havido qualquer votação, mas antes "uma formação de uma opinião geral". Conceito vago e revelador da névoa que se tinha abatido sobre todo o processo.

 

Desde então que a Guiné Equatorial tem sido um embaraço no seio da CPLP e, em particular, para Portugal, que dificilmente poderá ser, por muito mais tempo, conivente com o regime que Teodoro Obiang lidera desde 1979. Ainda recentemente, nas páginas do PÚBLICO, a jornalista Bárbara Reis espelhava bem a realidade interna daquele país africano e assumia que: “Temos uma Coreia do Norte na CPLP”. Aliás, a partir do momento em que passou a estar em cima da mesa a eventual adesão da Guiné Equatorial à CPLP, foram várias as ONG e entidades de países africanos que se manifestaram contra essa possibilidade, alegando, precisamente, o cariz ditatorial e repressivo de Obiang.

 

A incoerência (talvez forçada) de Portugal fica evidente quando o próprio Presidente de então, Cavaco Silva, enaltece nessa mesma cimeira de Díli “os princípios fundadores” da CPLP, “que incluem o respeito pelos direitos humanos e o uso do português como língua oficial”. É importante notar que, de todos os países da CPLP, e por diferentes razões histórico-políticas, naturalmente, Portugal talvez fosse aquele que mais desconforto sentisse com a situação.

 

A saída airosa encontrada para Lisboa foi um “roteiro” de Direitos Humanos para Obiang seguir, uma espécie de analgésico para o desconforto sentido nas Necessidades. Entre as várias medidas (nunca efectivamente concretizadas) estava a abolição da pena de morte, que até hoje se traduziu apenas numa moratória, sem que o regime tenha dado sinais de querer resolver o problema definitivamente. Cinco anos depois da adesão e das condições impostas, Obiang desafia claramente Lisboa e, por isso, Cabo Verde, país que actualmente ocupa a presidência da CPLP, está a envidar todos os esforços para que a pena de morte seja abolida rapidamente na Guiné Equatorial.

 

Teodoro Obiang esteve na cidade da Praia, no passado dia 15, reunindo com o seu homólogo cabo-verdiano, onde prometeu que iria abolir a pena de morte, mas sem “pressa”. Esta declaração deve ser recebida sem grande entusiasmo, porque não é mais do que uma resposta cínica de Obiang para aliviar a pressão feita pelo primeiro-ministro português na V Cimeira Luso-Cabo verdiana que se realizou dois dias antes em Lisboa (13). António Costa foi claro nas palavras: ou a Guiné Equatorial cumpre e se revê “neste quadro comum” da CPLP, “um espaço democrático, respeitador do Estado de Direito e sem pena de morte”; ou então, ficou implícito nas suas declarações, terá que deixar de ser membro da CPLP.

 

Porém, o problema não se coloca apenas na questão da pena de morte, porque o regime de Obiang padece de inúmeros males, incompatíveis com os princípios e valores democráticos. A organização não governamental Human Rights Watch destaca a corrupção endémica, o nepotismo e a repressão violenta como algumas das piores violações de Obiang. Ainda há dias divulgou um vídeo para sensibilizar os governos com assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas (HRC) a serem particularmente vigilantes no âmbito do terceiro ciclo da Universal Periodic Review (UPR). A UPR é um mecanismo de acompanhamento e de escrutínio aos indicadores dos Direitos Humanos, em que cada Estado-membro da ONU tem que “prestar contas”, de quatro em quatro anos, sobre o “estado da arte” nesta área. No caso da Guiné Equatorial, está previso que o processo de revisão seja colocado à consideração do HRC no próximo dia 13 de Maio, esperando-se que desta nova avaliação fique bem evidenciado o “silenciamento” brutal de activistas e opositores políticos, com inúmeros casos de detenções arbitrárias, intimidação e tortura. Este processo ganha particular relevância neste momento, uma vez que a Guiné Equatorial integra o Conselho de Segurança, enquanto membro não permanente.

 

Não é preciso ser-se um especialista em relações internacionais ou diplomacia para perceber que a Guiné Equatorial, sob o regime ditatorial de Obiang, nunca deveria ter tido lugar numa organização como a CPLP e é por isso que, agora, a diplomacia portuguesa devia assumir, com toda a convicção, a correcção do erro histórico cometido há cinco anos em Díli, iniciando o processo de saída daquele país. Uma espécie de “Brexit”, mas ao contrário. Além disso, as circunstâncias políticas em Angola alteraram-se radicalmente, soprando ventos de alguma mudança, que poderão ajudar Lisboa no afastamento da Guiné Equatorial e, ao mesmo tempo, na revitalização e credibilização da CPLP.

 

*Artigo publicado esta Quinta-feira (18) no jornal Público.

 

Ruanda, 25 anos depois

Alexandre Guerra, 09.04.19

 

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Há fotos que nos marcam de tal forma que nunca mais as esquecemos, por mais anos que passem. Esta vi-a em tamanho grande, logo à entrada da exposição World Press Photo de 1995, no CCB, em Lisboa. Da autoria do célebre fotojornalista de guerra, James Nachtwey, foi a grande vencedora daquele ano e retrata um huti ruandês desfigurado à catanada num hospital da Cruz Vermelha, em Nyanza. Esta foto simboliza a maior barbaridade perpetrada pelo Homem desde a IIGM, quando em 100 dias, entre Abril e Junho de 1994, as milícias hutu 'Interahamwe' mataram à catanada cerca de 800 mil tutsis rebeldes e hutus moderados. Um genocídio cometido perante a passividade das forças das Nações Unidas no terreno e que agora assinala 25 anos. Fotos como esta são ao mesmo tempo uma homenagem às vítimas, mas também um alerta para nos relembrar até onde pode ir maldade humana.