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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

May é fraca, mas coerente. Corbyn nem isso!

Alexandre Guerra, 14.12.18

 

Tony Blair voltou esta Sexta-feira a falar sobre o Brexit numa entrevista à BBC News e num discurso dirigido aos líderes europeus. Fê-lo com clareza e sem floreados: em breve haverá uma maioria no Parlamento britânico que exigirá um “final say referendum” sobre o Brexit. O antigo primeiro-ministro inglês tem feito aquilo que o actual líder do Labour nunca assumiu de forma objectiva e focada, ou seja, empenhar-se na manutenção do Reino Unido na União Europeia. Há umas semanas, Blair já tinha dito na sua intervenção na WebSummit, em Lisboa, que o Brexit era reversível, embora não tivesse, na altura, concretizado de que forma. Agora, deixa bem claro que, perante o descalabro total em que se tornou o processo negocial entre Londres e Bruxelas e o impasse político interno, serão os próprios deputados britânicos a poder desencadear o derradeiro referendo.

 

Efectivamente, o Brexit acabou por se transformar num pântano onde Theresa May e Jeremy Corbyn se foram afundando. A primeira-ministra foi incapaz de corrigir a rota desastrosa traçada pelo seu antecessor David Cameron, enquanto ao líder da oposição tem faltado firmeza e coragem para assumir uma postura história na defesa da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Esta atitude algo cínica e cobarde prende-se, em parte, com a ditadura das sondagens e com aquilo que foram os resultados do referendo de 2016. Aliás, basta ver a posição oficial do Labour caso não se desbloqueie o impasse no Parlamento, deixando em aberto todas as opções, seja aquela em que o Brexit segue por diante num modelo intermédio, aquela em que se realizam eleições antecipadas ou aquela em que se realiza um novo referendo. Para o Labour, tudo é possível, mesmo posições antagónicas, sendo incapaz de assumir um caminho único. Há momentos na história das lideranças políticas em que posições dúbias como esta têm custos elevados para os povos. Corbyn tem evitado comprometer-se com uma ideia de esperança para aqueles que vêem no Brexit uma ameaça ao estilo de vida britânico.

 

Após o erro histórico de Cameron, a função do Labour teria sido essa e só essa, independentemente dos eventuais custos eleitorais. A verdade é que Corbyn parece ter ficado refém dos resultados do referendo de 23 de Junho de 2016 e nunca se libertou dessas grilhetas. Este facto impeliu-o para uma política titubeante, com milhares de britânicos a ficarem órfãos de um líder que represente os 48 por cento (provavelmente, agora até serão mais) de eleitores que votarem no “remain”.

 

O sistema britânico defronta-se actualmente com dois líderes fracos, Corby e May, mas por razões diferentes. A primeira-ministra britânica não teve arte para gerir a difícil “herança” de Cameron e deixou-se encurralar, cometendo imensos erros, acabando por colocar-se na posição humilhante de ter que “bater à porta” de Bruxelas para lhe “dar a mão”. Apesar disto, tem que se reconhecer que May foi sempre coerente com o princípio da concretização do Brexit, dando corpo aos resultados do referendo. Porém, a Corbyn nem a coerência se pode reconhecer, tendo sido incapaz de se bater por uma posição clara pela permanência do Reino Unido na União Europeia. Não só não fez isso, como tem seguido uma política difusa e confusa, orientada por um taticismo eleitoral que, muito provavelmente, não lhe dará grandes frutos.

 

De Corbyn – que uma certa ala esquerda quis fazer dele um Bernie Sanders à inglesa – nada de inspirador se ouviu para os muitos britânicos que acreditam nas virtudes de um Reino Unido integrado na União Europeia. Corbyn podia ter respondido aos anseios destas pessoas e deixado uma marca importante na história do Labour, batendo-se por um projecto europeu que continua a ser o farol dos valores e dos princípios para milhões de cidadãos, mas, em vez disso, foi pusilânime e hesitante, optando pelo calculismo eleitoral e nuances políticas mais turvas.

 

O adeus (quase) final

Alexandre Guerra, 07.12.18

 

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Imagem de um vídeo de homenagem à chanceler que passou esta tarde na conferência do CDU em Hamburgo/Foto: Reuters

 

Angela Merkel despediu-se esta Sexta-feira da liderança do partido dos Democratas Cristãos (CDU). Apesar de continuar à frente dos desígnios da Alemanha até terminar o seu mandato em 2021, é impossível não sentir no ar um certo ambiente de “fim de festa” e de incerteza. Tenha-se gostado mais ou menos da sua liderança, é preciso reconhecer que Merkel se tornou, com o passar dos anos, no único referencial de poder político do projecto europeu. Quando chega à liderança da Alemanha, em 2005, naturalmente, o Mundo e a Europa eram diferentes, as relações de poder eram outras e os desafios que se vislumbravam então no horizonte estavam longe de perspectivar uma crise financeira de proporções gigantescas, uma crise migratória massiva a fazer relembrar imagens de períodos de guerra, o aceleramento da crise ambiental, a emergência dos populismos, que reavivaram fantasmas do passado que se pensava estarem enterrados, ou a dilaceração do projecto europeu bem no seu “coração”, com o Brexit.

 

Merkel chegou à liderança do CDU numa altura em que os grandes partidos tradicionais na Europa ainda se impunham nos sistemas políticos e num tempo em que havia lideranças entusiasmadas com o projecto europeu, tais como Chirac, em França, ou Blair, no Reino Unido. Mas não só. Tínhamos Verhofstadt na Bélgica, Berlusconi em Itália, Juncker no Luxemburgo e Balkenende na Holanda. Concordando-se ou não com os seus estilos, todos eles eram líderes convictos na virtuosidade da construção europeia e, de certa forma, transmitiam esse ambiente mobilizador (e isto em política tem mais importância do que se possa pensar).

 

Quando Merkel chegou ao grande palco da política europeia viu-se rodeada de defensores do projecto europeu, estando ela própria, ironicamente, a iniciar a sua caminhada com enorme cepticismo sobre a Europa. Mas, com a ajuda de uma Alemanha economicamente estável (em parte devido às reformas do mal amado Gerhard Schroeder) e depois de ir vencendo os desafios políticos internos, Merkel foi assumindo o papel de líder no projecto europeu, foi percebendo que a História a estava a empurrar para algo maior que, provavelmente, nunca imaginaria há quase duas décadas.

 

Dezoito anos depois, já com poucos “amigos” europeístas, com o Reino Unido de saída e um Emmanuel Macron impotente, Merkel está só na defesa das virtudes de uma Europa integrada e solidária. Diz que se vai manter no poder até 2021, mas dificilmente isso acontecerá. É muito provável que, entretanto, deixe o cargo de chanceler, mas, quando esse momento chegar, ela fá-lo-á enquanto única grande Estadista europeísta em exercício. E isso, para aqueles que vêem na Europa um projecto virtuoso e inspirador, deve motivar a mais profunda reflexão sobre as nossas actuais lideranças.  

 

O dilema da NATO: ajudar os "amigos" ou confrontar a Rússia?

Alexandre Guerra, 04.12.18

 

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Vladimir Putin de visita à Crimeia dois dias antes dos incidentes no Estreito de Kerch/Foto: Reuters

 

As notícias desta Terça-feira dão conta de um certo desanuviamento no Mar de Azov, tendo as autoridades ucranianas informado que os portos de Berdyansk e Mariupol foram “parcialmente desbloqueados” e que os navios mercantes já estão a circular através do Estreito de Kerch. Estas notícias surgem no mesmo dia em que a Ucrânia, através do seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Pavlo Klimkin, esteve reunido em Bruxelas com os seus homólogos da NATO, na esperança de obter o seu apoio militar, nomeadamente ao nível naval. No entanto, a organização liderada por Jens Stoltenberg não está disponível para ir além daquilo que neste momento está a fazer no Mar Negro, ou seja, um papel de mera monitorização.

 

E, na verdade, a NATO não tem condições políticas para assumir uma acção mais relevante naquela região, não havendo uma vontade unânime sólida por parte dos aliados em confrontar a Rússia. Além disso, qualquer atitude mais musculada por parte da NATO poderia provocar uma escalada num conflito que, para já, permanece num registo de baixa intensidade. Em termos de realismo político, e nas actuais circunstâncias, não é do interesse da NATO e da Rússia que a situação se descontrole.

 

De certa maneira, desde que a Rússia anexou a Crimeia em 2014, zona que historicamente considerou sempre sua, ficou óbvio que, numa perspectiva de “realpolitik”, Moscovo não teria intenção de abandonar aquela península, tendo a Europa e os EUA acabado por aceitar tacitamente essa redefinição de fronteiras na região do Mar Negro. A tal ponto que o Kremlin não perdeu tempo na construção de uma ponte a ligar a Rússia continental à península da Crimeia.

 

E perante isto, como referia Jonathan Marcus, correspondente diplomático da BBC World, a NATO tem um dilema, que é saber como é que irá agradar aos seus “amigos” do Mar Negro sem hostilizar a Rússia. Sabendo-se que, para Moscovo, e atendendo ao seu comportamento histórico na gestão deste tipo de conflito, é de todo interesse que aquela situação “congele”.

 

Uma coisa é certa, a história da Guerra Fria demonstrou que, em matéria de estabilidade sistémica, optou-se quase sempre por sacrificar determinadas “amizades” em prol das necessidades cínicas do equilíbrio de poder entre as potências. Resta agora saber se a NATO, em nome da estabilidade entre blocos, aceita as novas fronteiras e regras impostas pela Rússia ou se assume uma posição de confronto aos avanços de Moscovo no Mar Negro.