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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas

Alexandre Guerra, 28.02.18

 

As Forças Armadas vão ter um novo líder e, na minha opinião, um bom líder. O almirante António Silva Ribeiro toma posse esta Quinta-feira como novo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), um cargo que, cada vez mais, exige uma visão estratégica apurada para fazer face aos desafios que se impõem em tempo de paz e às ameaças difusas que emergem nos teatros de conflito. Além disso, o CEMGFA dos dias de hoje tem que se assumir como um “gestor” nos difíceis equilíbrios entre as necessidades e sensibilidades dos vários ramos das Forças Armadas e um “influenciador” na arena política. Mas mais, é fundamental que o novo CEMGFA personifique o espírito de umas Forças Armadas modernas e sofisticadas, próximas da população e vocacionadas para comunicar com a sociedade de forma aberta e dinâmica. Daquilo que sei, Silva Ribeiro tem os requisitos necessários para cumprir a sua missão com sucesso.

 

Conheci o almirante Silva Ribeiro há uns anos, ainda nos meus tempos de jornalista, quando este era comandante de fragata na Corte Real e assinava uma coluna de opinião no SEMANÁRIO. O seu texto era publicado na secção de Internacional, da qual eu era editor, tendo Silva Ribeiro sido dos primeiros colunistas a escrever de forma regular na imprensa sobre assuntos de relações internacionais e estratégia. E escrevia com toda a propriedade e conhecimento, dando uma nova perspectiva na óptica da estratégia sobre alguns temas internacionais. Militar de carreira, Silva Ribeiro, até então Chefe do Estado-Maior da Armada, é um académico que vem das áreas da Estratégia, da Ciência Política e da História, o que lhe permite ter um olhar multidisciplinar e actualizado sobre as temáticas da Paz e da Guerra.

 

JALLC, um centro NATO de produção de conhecimento cada vez mais importante

Alexandre Guerra, 27.02.18

 

A NATO tem duas estruturas: uma civil e outra militar. A civil, com o Quartel-General sediado em Bruxelas, dá corpo à natureza política da Aliança e apoia todo o aparelho burocrático. A militar, composta por dois comandos estratégicos, é responsável pela doutrina e pela projecção de forças no terreno. Esta é a forma mais resumida que encontro para definir a estrutura daquela organização. No âmbito da componente militar, Portugal tem a particularidade de estar integrado nos dois comandos, quer no Comando Aliado de Operações (ACO) sediado em Mons, Bélgica, de cariz mais operacional, quer no Comando Aliado para a Transformação (ACT), baseado em Norfolk, Virgina (EUA), mais vocacionado para a doutrina. O comando de Oeiras, actualmente denominado de STRIKFORNATO, responde ao ACO, já que tem como missão dar apoio de comando e controlo a operações de forças navais e à respectiva capacidade de defesa balística.

 

Mas o propósito deste texto é falar do JALLC, Joint Analysis & Lessons Learned Centre (JALLC), uma espécie de think tank da NATO, que tem como objectivo analisar e estudar todos os dados e informação operacional para produzir nova informação melhorada, “transformada”. As instalações semi-secretas do JALLC encontram-se dentro do perímetro da base da Força Aérea em Monsanto, mesmo à saída de Lisboa. O JALLC está dependente do ACO e tem pouco mais de 15 anos, tendo sido uma importante conquista para a valorização de Portugal no âmbito da NATO, já que daqui saem “lições” que depois podem ser aplicadas no terreno. Esta importância foi agora reiterada por Dennis Mercier, Comandante Supremo do ACT, que está em Lisboa de visita ao JALLC.

 

Numa entrevista ao DN, publicada esta Terça-feira, Mercier enaltece o trabalho deste centro e acredita que “vai ser ainda mais importante”. Palavras que não devem ser interpretadas meramente como de simpatia, até porque nestas coisas os militares, nomeadamente aqueles em comissão NATO, não perdem tempo com declarações irrelevantes. A verdade é que, num mundo em constante transformação e com ameaças cada vez mais difusas, o conhecimento é uma “arma” que ganha importância crescente, como forma de antecipação de cenários e de resposta eficaz a situações complexas.   

 

Cessar-fogo em part time

Alexandre Guerra, 26.02.18

 

Dois dias depois do Conselho de Segurança ter aprovado por unanimidade uma resolução que prevê um cessar-fogo de 30 dias em toda a Síria (com algumas excepções), Moscovo – cujo seu embaixador na ONU também votou favoravelmente aquela medida – vem agora dizer que vai implementar uma “pausa humanitária” diária das 9h00 às 14h00 na parte oriental de Ghouta. É uma espécie de part-time de cinco horas para ajudar a população em fuga. Dirão uns, que é melhor do que nada... Provavelmente, mas o espírito da resolução que Moscovo também aprovou, deveria ser muito mais do que isso e os 400 mil sírios que estão a viver "o inferno na terra", como disse António Guterres, mereciam um cessar-fogo a tempo inteiro. 

 

Desta vez há algo de novo e Trump (estranhamente) percebeu

Alexandre Guerra, 21.02.18

 

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Ilustração de Andrea Ucini/NYT 

 

Quem diria que seria Donald Trump a propor uma mudança legislativa restritiva em matéria de armas... É certo que a ordem executiva que o Presidente assinou, e que obriga o Departamento de Justiça a rever a lei, é bastante limitada e incide apenas na proibição da venda de acessórios ("bump-stocks) que permitem modificar armas semi-automáticas em automáticas, mas, mesmo assim, já é qualquer coisa. É também certo que Trump, num laivo de bom senso político ou bem aconselhado, percebeu rapidamente que precisava de aliviar a pressão. Antes, já tinha também anunciado que estava disponível para apoiar legislação que aperte o controlo ao "background" de possíveis compradores de armas. Estas medidas são claramente insuficientes e, na verdade, até têm o apoio da National Rifle Association (NRA), o que se compreende, já que, através destas cedências, aquela organização vai gerindo a agenda das armas nos EUA, mantendo intacto o enquadramento legal que verdadeiramente interessa e que permite ter no mercado todo o tipo de armas.

 

Aliás, poucos acreditam que a vontade reformadora de Trump vá ao ponto de se poder vir a discutir a proibição da venda de armas de assalto. No entanto, isso não significa que a Casa Branca, nesta altura, não alimente junto da opinião pública a percepção de que Trump poderá estar comprometido com novas medidas restritivas. E neste sentido, as declarações da sua porta-voz, Sarah Huckabee Sanders, são muito interessantes, porque quando questionada pelos jornalistas sobre a possibilidade da proibição da venda de armas de assalto, responde que a Casa Branca "não fecha a porta em nenhuma frente". Isto é o mesmo que dizer que Trump admite rever a lei para proibir a venda daquele tipo de armas, o que é uma posição arrojada, para um Presidente republicano que se assumiu um "true friend and champion in the White House" da NRA.  A questão é que mesmo sabendo-se que dificilmente será concretizada algum tipo de iniciativa, a "intenção" presidencial já foi lançada para a opinião pública.

 

Se olharmos com clareza para as últimas décadas, constatamos que em matéria de controlo de armas os presidentes americanos têm sido impotentes ou passivos, ficando sempre amarrados aos seus interesses e ao "gun lobby". Nem Barack Obama conseguiu mexer substancialmente no sistema vigente. Os massacres sucedem-se, mas a acção política tem-se ficado pelos lamentos. Pelo menos, até agora. Trump, por pouco que seja, está a fazer algo de concreto e, como foi acima referido, tem tido a preocupação de passar a ideia da "intenção" de fazer ainda mais. E esta "intenção" não deve ser desvalorizada, tendo em conta as pressões, os lobbies e os financiamentos eleitorais que se fazem sentir e jogam na arena das armas. Trump parece estar a ir um pouco mais além do que, por exemplo, Barack Obama terá ido em matéria de controlo de armas. 

 

O que terá então acontecido para que Trump, um republicano "amigo" das armas, esteja a ter uma posiçao aparentemente mais interventiva do que Obama, claramente identificado com um outro tipo de sociedade? A resposta, na minha opinião, tem a ver com um fenómeno que está a acontecer desta vez e que não se verificou em tragédias anteriores semelhantes: a resposta e a mobilização dos jovens estudantes. Para quem tem acompanhado os meios de comunicação social norte-americanos nos últimos dias, percebe que há uma dinâmica crescente, que tem potencial para se transformar numa questão política e social, sobretudo a partir do momento em que os jovens estudantes decidiram fazer uma "marcha" sobre Washington. A Casa Branca percebeu o que tinha pela frente, porque desta vez não se trata apenas de uma campanha dos media das elites de Washington contra a administração. A causa dos jovens estudantes tem um aliado muito mais poderoso: os seus pais. Se, por um lado, a irreverência e temeridade da juventude dá a dinâmica ao movimento, os pais dão a consistência e a dimensão. Trump percebeu isso ao ponto de alguém ter "passado" ao Washington Post a informação de que o Presidente tinha ficado muito sensibilizado quando viu as reportagens dos jovens estudantes e que se terá virado para os seus convidados, que estavam com ele na residência de férias de Mar-a-Largo na Flórida, e lhes terá perguntado o que mais poderia fazer pelo controlo de armas. Provavelmente, Trump saberia melhor do que ninguém naquela sala o que poderia fazer, mas a questão é que da forma como a história é contada e transmitida (como se de uma grande cacha do Post tratasse), as pessoas ficam com a percepção de que o Presidente, na sua intimidade, se importa genuinamento com o assunto. E isso em comunicação política é o que, por vezes, mais conta.

 

Massacres à conta da Segunda Emenda

Alexandre Guerra, 15.02.18

 

A América, mais uma vez, chocada, chora os seus mortos. Não aqueles que pereceram em combate algures no Iraque ou no Afeganistão, mas aqueles que tiveram a trágica infelicidade de estarem na mira de uma semi-automática nas mãos de um perturbado jovem americano numa escola secundária de Parkland, na Flórida. A história sangrenta repete-se. Desta vez, foram 17 mortos e outros tantos feridos. Nestes momentos, vem sempre ao de cima o eterno debate sobre a questão da posse de arma nos EUA, esse princípio constitucional e, para muitos, sagrado. De um lado, aparecem os habituais e impotentes críticos ao actual sistema e do outro lado, com a poderosa National Rifle Association (NRA) à cabeça, os defensores da liberdade de acesso às armas. Nesta arena política não há meios-termos. Os campos estão bem delimitados, com as palavras (ou ausência delas) a denunciarem as posições dos governantes. Veja-se, por exemplo, o senador Mark Rubio e o Governador republicano Rick Scott da Florida, em que lamentaram a tragédia, apelando a orações e ao fim da violência nas escolas, mas ao mesmo tempo, hipocrisia das hipocrisias, ambos têm “A+” dada pela NRA, um rating atribuído àqueles que mais têm feito pela defesa da Segunda Emenda e pelos esforços na promoção do direito pela posse e porte de arma.

 

O lobby das armas nos Estados Unidos é poderosíssimo e, em parte, essa força advém do culto à arma e ao papel que esta desempenhou na construção da América, assente num certo ideal de Nação, onde cada cidadão tem o direito a proteger-se. E sendo para muitos um bem de necessidade básica, eis que pode ser adquirido em qualquer grande superfície perto de si, nomeadamente a tristemente célebre AR-15, a arma mais usada nos massacres nas escolas. A NRA ostenta com orgulho o estatuto de a AR-15, uma adaptação civil da M-16, ser a arma mais popular dos EUA, porque, imagine-se, é “costumizável, adaptável, de confiança e precisa”. De acordo com a NRA, ainda há mais razões para comprar uma: é uma arma “versátil”, que tanto dá para “tiro desportivo, caça e situações de auto-defesa”. E a cereja no topo de bolo é o facto de ser uma arma “personalizável” nas suas peças, "o que a torna tão única”. Estima-se que esta arma esteja em 8 milhões de lares americanos.

 

Tudo isto é perturbador e faz-me lembrar uma cena do documentário Bowling for Columbine, onde, a determinada altura, Michael Moore entra num banco para abrir uma conta e sai de lá com uma arma. Ou seja, como se fôssemos ali à Caixa ou ao BCP para abrir uma conta e nos oferecessem uma pasta ou um relógio para incentivar à concretização do negócio.

 

Obviamente que qualquer acção legislativa no sentido de um maior controlo na venda e posse de armas suscitará um debate intenso e polémico na sociedade americana. E porquê? Como acima foi dito, porque, basicamente, uma grande parte dos americanos acha-se no direito constitucional de ter uma(s) arma(s). E, efectivamente, a Segunda Emenda (1791) sustenta essa realidade quando defende o “Right to Bear Arms”. Mas, a Segunda Emenda também é clara no propósito final subjacente a esse direito: “A well regulated Militia, being necessary to the security of a free State, the right of the people to keep and bear Arms, shall not be infringed.” Ou seja, os “legisladores” providenciaram o direito constitucional aos cidadãos de terem armas e de poderem andar com as mesmas como meio para garantir a virtude do Estado e do seu Governo e não como instrumento de defesa pessoal ou de serviço a outros interesses particulares.

 

Esta Emenda foi criada com base na desconfiança filosófica e ideológica que os legisladores tinham em relação ao Governo, por acreditarem que este poderia, nalgum momento, desvirtuar-se. Só com o povo dotado de armas poderia depor esse Governo e repor um novo “príncipe” virtuoso. De certa maneira, estaria aqui subjacente o princípio bíblico de armar o mais fraco (o justo) para derrotar o mais forte (o ímpio), e que permitiu a David, com a sua funda, derrotar Golias.

 

Ora, o problema, é que algures no caminho, os americanos esqueceram-se dos propósitos virtuosos e das boas intenções dos “legisladores”, agarrando-se apenas ao “Right to Bear Arms” para se armarem até aos dentes.

 

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião

 

A virtude do Congresso

Alexandre Guerra, 14.02.18

 

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FBI Director Christopher Wray (from left), CIA Director Mike Pompeo, Director of National Intelligence Dan Coats, Defense Intelligence Agency Director Lt. Gen. Robert Ashley, NSA Director Adm. Michael Rogers and National Geospatial-Intelligence Agency Director Robert Cardillo testify before the Senate intelligence committee on Tuesday. Foto: Chip Somodevilla/Getty Images

 

Aqui está algo que valorizo nos Estados Unidos... Ainda há uma certa reverência por um ideal maior, um certo respeito por uma ideia de poder ao serviço do Povo. Ver os responsáveis máximos de toda a comunidade de "intelligence" dos EUA sentados num comité do Senado para esclarecer a Nação, não deixa de ser também uma homenagem ao que de mais virtuoso emana da Constituição americana. É verdade que o Congresso consegue, por vezes, ser um autêntico fórum bizantino, mas quando alguém lá é chamado para "prestar contas", por mais poder e influências que tenha, sabe que a coisa nunca é para brincadeiras. Tantos "gigantes" que lá tombaram e tantos que sobranceiramente lá entraram e prostrados ficaram. Quando alguém está sentado naquelas cadeiras, não tem apenas que enfrentar os senadores e congressistas, tem que aguentar sobre os seus ombros todo o peso dos seus concidadãos. É precisamente essa a grande força do Congresso americano.  

 

I Am Not Your Negro

Alexandre Guerra, 12.02.18

 

 

Uma obra inacabada do poeta, escritor e activista James Baldwin deu origem a este documentário que há dias tive ocasião de ver. Aclamado pela crítica, I Am Not Your Negro (2016) é um exercício intelectual brutal sobre a América. Não é sobre os "negros", é sobre homens que continuam "agrilhoados" aos preconceitos da História e que tiveram em figuras como Medgar Evars, Malcolm X ou Martin Luther King Jr., líderes na luta pela sua "libertação". Nos dias de hoje, onde os temas inquietantes da Humanidade se debatem de forma frívola e histérica nas ditas "redes", é estimulante ver um documentário destes, que apela ao que de mais inteligente as pessoas têm para se reflectir sobre assuntos que, infelizmente, ainda continuam a assombrar as sociedades.