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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Um grito constante de sofrimento

Alexandre Guerra, 26.04.17

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Recordo, há uns anos, em conversa sobre o Guernica, de alguém me dizer que, para um especialista em pintura ou para um aspirante a pintor, mais do que apreciar aquele famoso quadro, o mais emocionante era ver e estudar os 45 esboços e estudos prévios igualmente expostos nas galerias contíguas. Compreendi a lógica. Muitas vezes, e dependendo sempre da perspectiva de quem vê, o mais importante pode ser o processo técnico e artístico que conduz a um determinado fim.

 

Para um simples admirador de pintura, como é o meu caso, é naturalmente a obra final que mais interessa, porque é lá que a arte e a mensagem atingem a sua plenitude, aquelas que o artista queria transmitir, deixar para a Humanidade. E no caso do Guernica, o que vi há uns anos no Museu Reina Sofia, em Madrid, foi a expressão máxima da violência e da destruição, provocada pelo bombardeamento dos aviões da Alemanha Nazi, aliada de Francisco Franco, sobre a pequena aldeia basca perto de Bilbao, precisamente a 26 de Abril de 1937, em plena Guerra Civil Espanhola. Todo o quadro é um retrato premonitório do horror apocalíptico que se viria viver poucos anos depois na II Guerra Mundial e uma antecipação dos bombardeamentos massivos que seriam levados a cabo pela Luftwaffe. Mais mais do que isso, é um grito constante de sofrimento de uma população indefesa. 

 

Além de toda a componente artística, aquilo que me toca tanto neste quadro é o facto de representar uma reacção imediata do pintor aos acontecimentos, uma espécie de “fotografia” em tela... E, sobretudo, a visão e o sofrimento de Picasso, o seu statement contra a perversidade que o Homem consegue infligir ao seu semelhante.

 

Guernica foi criado como um manifesto pacifista ou anti-guerra (ou pelo menos adquiriu esse estatuto) contra as acções políticas que conduzem a um massacre deliberado de homens, mulheres, crianças e até animais. Infelizmente, hoje, ao olharmos para o quadro de Picasso, sabemos que há sempre alguém, algures no mundo, a gritar de sofrimento por causa das motivações perversas do Homem. E nisso, 80 anos depois do génio ter pintado aquela obra prima, o mundo continua igual.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Não é preciso uma bola de cristal

Alexandre Guerra, 18.04.17

 

Há quem tenha jeito para antecipar crises na bolsa, choques petrolíferos, oscilações nos mercados, se vai ser rapaz ou rapariga, se o Benfica vai ganhar o campeonato ou até se vai chover ou fazer sol no dia seguinte. Nos Estados Unidos, na localidade de Punxsutawney, na Pensilvânia, até há uma marmota que consegue prever o fim do Inverno e o início da Primavera. Reconheço que não tenho qualquer desses dons premonitórios, mas sempre tive algum jeito para antecipar movimentações ou acontecimentos internacionais. Nunca tive acesso a informação particularmente privilegiada e, muito menos, qualquer inspiração divina ou bola de cristal em casa (embora sempre quisesse ter uma daquelas com raios de electricidade). A receita é simples: alguma informação de background; ver com atenção as notícias e asseverar a credibilidade das suas fontes; ir acompanhando os assuntos ao longo dos anos; e alguma perspicácia na análise. Recordo que foi assim que dei uma manchete ao extinto SEMANÁRIO, com a chegada das forças especiais norte-americanas ao Afeganistão, semanas depois do 11 de Setembro, no mesmo dia em que a imprensa americana dava a notícia. Ou, quando fiz outra manchete com a notícia de um golpe de Estado iminiente na Guiné Bissau (aqui, com a ajuda de algumas fontes), o que veio acontecer meses depois, apesar dos protestos de Bissau àquela notícia.

 

Nos útimas semanas, verificaram-se três acontecimentos cuja sua previsão não era assim tão difícil e aos quais fiz referência ainda antes de acontecerem perante um silêncio quase absoluto sobre os mesmos. A 6 de Março, depois da Coreia do Norte ter testado mais quatro mísseis e de ainda ninguém estar minimamente preocupado com o assunto, escrevia que a "comunidade internacional parece estar bastante permissiva perante esta ameaça, dando muito mais atenção a outros assuntos (importantes, é certo), mas que não têm a gravidade do que se está a passar" naquele país. E mais à frente falava na possibilidade de acções "preemptivas" e "preventivas" contra Pyongyang. Duas semanas depois, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson, admitia que essa hipótese estava em "cima da mesa". A partir daí, o tema rapidamente escalou para o topo da agenda internacional, como se tem constatado. O mesmo aconteceu com o referendo turco, que rebentou com estrondo na Europa, apesar de há muito as "cartas" estarem todas em cima da mesa. E a 28 de Março sublinhava precisamente que o que era "preocupante é que no seio das elites políticas e dos iluminados comentadores que por aí andam, instalou-se um histerismo colectivo em relação a alguns senhores e senhoras 'populistas' que têm ido (e vão) a votos nalguns países europeus, mas sobre o que está em jogo no referendo da Turquia, com muitas perspectivas de ver o 'sim' ganhar, nem uma palavra". Mais, já a 9 de Janeiro dizia que Erdogan ia "caminho da entronização". Por fim, esta Terça-feira, Theresa May anunciou "surpreendentemente" eleições antecipadas no Reino Unido. Ora, mas a surpresa seria assim tanta? A 5 de Setembro do ano passado, em jeito de sugestão à senhora May, propunha isto: "Vislumbra-se uma saída para toda esta questão e que, por um lado, permitiria legitimar popularmente o poder de May e, por outro, abrir uma oportunidade democrática para que o processo [Brexit] pudesse parar. E que via seria essa? Simples, a de eleições antecipadas."

 

O exercício que aqui fiz serve apenas para mostar que os acontecimentos internacionais, regra geral, não surgem do nada, numa espécie de combustão espontânea, para grande espanto de todos. Pelo contrário, há sinais, evidências, um processo, um histórico que nos permite prever ou antecipar determinados cenários ou realidades. Se é verdade que não se exige ao comum dos cidadãos que acompanhe estes assuntos com particular empenho, já os políticos e decisores têm a obrigação de andarem um pouco mais atentos, para depois não serem apanhados de surpresa.

 

O dia em que entrevistei o "Mandela palestiniano"

Alexandre Guerra, 17.04.17

 

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Ilustração de Marwan Barghouti da autoria de Durar Bacri/Haaretz

 

Marwan Barghouti é, desde há alguns anos, a maior figura palestiniana na liderança da resistência palestiniana. É aquela que mais carisma tem junto da população da Cisjordânia, sobretudo a que está mais identificada com a Fatah. Para muitos, é visto como o sucessor natural de Yasser Arafat, visto que o actual Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, pelo seu perfil moderado e apagado, nunca despertou grandes paixões numa região que vive diariamente inflamada pelo conflito com Israel. É, por isso, normal, que tanto palestinianos, como líderes mundiais, o vejam como o único homem capaz de conduzir a Palestina à independência. O problema é que Barghouti, que liderou as milícias Tanzim, braço armado da Fatah (uma acusação que ele sempre negou), está encarcerado nas prisões israelitas, sentenciado a passar ali o resto dos seus dias. Tendo sido em tempos secretário-geral da Fatah e alvo de inúmeras tentativas de assassinato por parte dos serviços secretos do Exército de Israel (Shin Bet), Barghouti foi um dos principais líderes da Intifada de al-Aqsa, acabando por ser preso em 2002, em Ramallah, pelas Forças de Segurança Israelitas (IDF). Desde então, a sua popularidade e notoriedade aumentaram exponencialmente, passando a ser uma voz activa atrás das grades e um símbolo da resistência palestiniana, o que lhe valeu a alcunha de "Mandela palestiniano".

 

Este Domingo, voltou a promover uma acção pacífica de contestação, ao dar início a uma greve de fome que envolve 700 reclusos palestinianos ligadas à Fatah, que se estendeu também a mais algumas centenas de prisioneiros da Jihad Islâmica e do Hamas. Esta iniciativa poderá reacender a tensão nas ruas das principais cidades da Cisjordânia e recentrar a problemática israelo-palestiniana no topo da agenda internacional, já que Barghouti tem hoje mais influência política do que tinha há 15 anos. Alguns governantes, como Ehud Barak, e responsáveis militares israelitas, estão conscientes desse facto. Aliás, o próprio Barak, aquando da detenção de Barghouti, ligou para Shaul Mofaz, na altura chefe do Estado-Maior das IDF, e disse-lhe o seguinte: “Have you lost your mind? What’s the story with Barghouti? If it’s part of your struggle against terrorism, it’s meaningless. But if it’s part of a grand plan to make him a future national leader of the Palestinians, then it’s a brilliant scheme, because what’s really missing in his résumé is direct affiliation with terrorism. He will fight for the leadership from inside prison, not having to prove a thing. The myth will grow constantly by itself.”

 

Conheci Barghouti um ano antes, quando ele era secretário-geral da Fatah. Fui entrevistá-lo. No seu escritório em Ramallah, lá estava ele, uma figura de pequena estatura, com ar amistoso e com o seu famoso bigode (hoje anda de barba). Cordial e acessível, embora não exibisse uma simpatia excessiva, o militante da Fatah demonstrou desde logo uma convicção política firme. A entrevista foi partilhada com um jornalista da agência de notícias alemã, e apesar das insistências, Barghouti nunca admitiu que era o líder das milícias Tanzim, responsáveis por vários atentados terroristas contra Israel. Recordo que ele se serpenteava como um verdadeiro político na forma como respondia às perguntas mais sensíveis que lhe eram colocadas, chegando mesmo a dizer que acreditava que a Palestina ia ser independente “dentro de cinco anos” (foi este o título da entrevista depois publicada no jornal Público. No entanto, a História viria demonstrar que Barghouti estava errado). Relembro que dias antes, Barghouti tinha escapado a um atentado selectivo das IDF contra o carro onde viajava. Um ano mais tarde, os soldados israelitas acabariam por deter Barghouti, sendo condenado posteriormente a cinco penas perpétuas. Quando,10 anos depois, foi tornado público um importante acordo de troca de prisioneiros que estava a ser forjado entre o Governo israelita e o Hamas, uma centelha de esperança reacendeu-se para milhares de palestinianos, que viram ali uma oportunidade para fazer regressar a casa o carismático Barghouti. Mas, rapidamente essa esperança se esvaneceu. Sabendo do prestígio e da notoriedade do ex-líder das Tanzim, as autoridades israelitas tiveram o cuidado de deixar bem claro desde o início desse processo de troca de prisioneiros, que Barghouti não estava incluído nas listas dos palestinianos a serem libertados. Mas, a questão é que Ehud Barak foi certeiro quando ligou a Mofaz, porque quanto mais tempo Barghouti estiver preso, mais o seu carisma e a sua capacidade de mobilização popular vão aumentando. É muito provável que, para Israel, Barghouti se torne cada vez mais um problema atrás das grades do que em liberdade. Para já, o "Mandela palestiniano", com apenas 57 anos, vai fazendo a sua resistência pacífica, que lhe poderá vir a ser muito mais eficaz do que os anos de violência que perpetrou na tal luta pela independência que sempre almejou.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

A compaixão feminina na Via Dolorosa

Alexandre Guerra, 13.04.17

 

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado eternamente, tendo o "Véu de Verónica" se tornado numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

"No meio da multidão que O segue, há um grupo de mulheres de Jerusalém: conhecem-No. Vendo-O naquelas condições, misturam-se com a multidão e sobem para o Calvário. Choram. 

 

Jesus vê-as, entende o seu sentimento de compaixão. E, mesmo num momento trágico como aquele, quer deixar uma palavra que ultrapasse a simples compaixão. Deseja que nelas, que em nós não haja apenas comiseração mas conversão do coração. [...]

 

Muitas vezes as situações não melhoram, porque não nos empenhámos em fazê-las mudar. Retiramo-nos sem fazer mal a ninguém, mas também sem fazer o bem que poderíamos e deveríamos fazer. E talvez alguém esteja a sofrer por isso, pela nossa evasão."  

Do Evangelho segundo Lucas 23, 27-28

 

A Semana Santa, além do seu significado religioso, representa um dos acontecimentos políticos e sociais mais importantes da Humanidade: a chegada de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. Os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos", desresponsabilizando-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, prolongando-se até à Igreja do Santo Sepulcro. 

 

É sem dúvida uma experiência única e de um interesse admirável. Percorri-a algumas vezes, primeiro no Verão de 2001 e depois em 2002, anos marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou-me uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os (poucos) locais. É muito emocionante percorrer as várias estações que compõem a Via Dolorosa e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É um exercício interior e introspectivo, que nos confronta com o mal e sofrimento humano, mas também com a solidariedade e o amor do próximo. Pensando um pouco naqueles acontecimentos, percebemos que são sobretudo as mulheres que vão em auxílio de Jesus Cristo na sua caminhada em sofrimento. Maria, Verónica e depois as "mulheres de Jerusalém", choram pelo filho de Deus e acompanham-No com toda a sua compaixão ao Calvário.

 

Carme Chacón

Alexandre Guerra, 10.04.17

 

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Quando este Domingo soube da morte de Carme Chacón, relembrei de imediato aquela icónica imagem de 14 de Abril de 2008 da então ministra da Defesa espanhola a passar revista às suas tropas. Recordo que na altura aquela imagem me tocou de uma forma estranha e nunca mais a esqueci, não apenas por ter sido a primeira mulher a ocupar aquele cargo em Espanha (2008-2011), mas por ter tido a coragem de se apresentar às suas tropas grávida de sete meses, num claro desafio aos preconceitos e conservadorismo da sociedade. Dias depois partia para o Afeganistão, porque, como Chacón disse, grávida ou não, era claro para ela que a sua "primeira obrigação era visitar aqueles que são capazes de pôr a sua vida em risco por valores superiores: a liberdade de outros". Mostrou sempre orgulho nas Forças Armadas espanholas e foi uma lutadora pelos direitos das mulheres em todo o mundo. O seu filho, que naquele dia ainda carregava consigo, só pode sentir orgulho nos valores e princípios que a mãe defendeu e protagonizou.

 

Ser presidencial

Alexandre Guerra, 07.04.17

 

Donald Trump esta noite foi presidencial. Quando a diplomacia falha e o Conselho de Segurança da ONU entra num lamentável impasse, o Presidente americano assumiu as responsabilidades de liderança da nação mais poderosa do planeta. Num mundo ideal, tudo se resolveria à volta de uma mesa entre chefes de Estado, mas num mundo ideal, também não morreriam homens e mulheres inocentes, crianças, intoxicadas com armas químicas.

 

Registos

Alexandre Guerra, 03.04.17

 

O director do Office of Management and Budget (OMB) da Casa Branca, Mick Mulvaney, defende as virtudes do orçamento de "hard power" proposto pela actual administração norte-americana. Na resposta, Joseph Nye, o reputadíssimo especialista em assuntos internacionais, responde e explica no site do Council on Foreign Relations porque é um erro prescindir do "soft power".