Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Sean Spicer, um porta-voz à medida do seu líder

Alexandre Guerra, 31.01.17

 

104235328-2ED1-PL-Spicer10-012317.600x400.jpg

 

Depois de Donald Trump ter dado, na Quarta-feira passada, a primeira entrevista em sinal aberto ao canal ABC, no dia a seguir reparei que um dos apresentadores da FOX News não deixou de atirar uma "boca" ao Presidente por ter escolhido a concorrência para tão importante momento televisivo. De facto, nessa altura, só faltava mesmo a "insuspeita" FOX News juntar-se ao coro de críticas que vinham dos media americanos. Trump foi literalmente arrasado durante a primeira semana de mandato, com os principais canais noticiosos americanos a dissecarem até ao tutano os vários disparates que se iam sucedendo. Tive o privilégio de assistir a essa primeira semana da presidência de Trump nos EUA, mas a questão é de que não me recordo de qualquer outro mandato ter começado de forma tão atribulada e polémica. Primeiro, foi a argumentação patética de Trump por causa da assistência que esteve na cerimónia do "inauguration day" em Washington, depois veio a polémica do muro e a questão do imposto de 20 por cento sobre produtos mexicanos. Trump lançou ainda a "bomba" da possível fraude eleitoral, algo que terá passado despercebido nos media europeus, mas que os jornalistas americanos consideraram uma acusação de proporções monumentais, questionando o Presidente por que razão então não concretizava essa acusação e pedia uma investigação federal. E, finalmente, a "immigration order". Muita coisa para apenas uma semana e meia de trabalho. E em todas estas frentes de combate mediático, Trump tem contado basicamente apenas com uma pessoa ao seu lado: Sean Spicer, o seu assessor de imprensa. Nestes quatro casos, Spicer, tal e qual como se estivesse frente a um pelotão de fuzilamento, surgiu perante os jornalistas num exercício penoso e que o próprio um dia deverá recordar como momentos bastante humilhantes na sua carreira.

 

Spicer, num dos briefings da Casa Branca, chegou mesmo a ser interregoado por um dos jornalistas se acreditava mesmo naquilo que estava a dizer. Uma pergunta que eu nem queria acreditar estar a ouvir logo na primeira semana de trabalho de uma presidência. Como era possível que os jornalistas questionassem a palavra do assessor de imprensa do Presidente logo nos primeiros dias de mantado? Mas a verdade é que Spicer tem sido o único porta-voz das trapalhadas de Trump e isso certamente terá custos na sua reputação e credibilidade junto dos jornalistas. Nem mesmo outras figuras republicanas se têm atravessado pelas medidas que o Presidente tem adoptado. Na verdade, as figuras de topo do Partido Republicano ou estão caladas ou as que têm aparecido é para criticarem.

 

Reconheça-se que, apesar dos erros e dos disparates, coragem é coisa que parece não faltar a Spicer porque, mesmo caminhando para o abismo, ele segue em frente. Ou, por outro lado, também pode ser apenas loucura. Lembro-me sempre daquele ministro iraquiano da Informação e que foi o porta-voz de Saddam Hussein durante a invasão americana em 2003, que ficou célebre pela sua propaganda tola (e que divertiu muita gente, incluindo o Presidente George W. Bush), ao repetir convictamente que o Exército iraquiano iria vencer aquela batalha, quando a realidade mostrava os soldados americanos já às portas de Bagdade. Loucura à parte, a verdade é que a partir daí Mohammed Saeed al-Sahaf se tornou uma estrela à escala global até com direito a clube de fãs. Pode ser que Spicer tenha a mesma sorte.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Nem tudo é mau

Alexandre Guerra, 19.01.17

 

Há uns dias acompanhei a audição de confirmação no Senado do novo secretário de Defesa norte-americano, o General James Mattis, e, não o considerando propriamente bem preparado para as perguntas que o senador John McCain lhe ia colocando, achei-o calmo e ponderado nas afirmações que ia proferindo, nomeadamente no que dizia respeito ao relacionamento dos EUA com os aliados e organizações internacionais. Já esta Quinta-feira estive com atenção à primeira conferência de imprensa do novo "press secretary" de Trump e, não tendo uma presença propriamente simpática, penso que Sean Spicer, além de se mostrar moderado nas suas palavras, esteve bastante seguro e bem preparado na resposta aos jornalistas.

 

O adeus de Obama

Alexandre Guerra, 11.01.17

 

Quando já se anda há algum tempo nos bastidores da comunicação política e, ainda há mais tempo, atento às figuras políticas nacionais e internacionais que nos rodeiam, percebe-se que o “produto genuíno” é escasso, é um bem raro… Aquele homem ou mulher que admiramos, que nos inspira como pessoa e como líder, que queremos servir ou seguir, pela qual nos sacrificamos em prol de uma causa maior.

 

Personagens e actores políticos, há muitos, aqueles que desempenham um papel em seu benefício ou interesse próprio, que pensam apenas numa lógica de poder. Verdadeiros líderes, há poucos, os que pensam primeiro nos outros e só depois em si, os que inspiram e transmitem uma confiança, os que dão esperança e elevam a auto-estima das pessoas, os que defendem os seus e os que consideram que a democracia é sobretudo para servir o povo.

 

Podemos passar uma vida a procurar esse “produto genuíno” e não encontrá-lo, como também podemos ter a sorte de um dia nos cruzarmos com ele quando menos esperamos. Por vezes, é tudo uma questão de circunstância e oportunidade, como aconteceu há oito anos, quando os americanos elegeram Barack Obama. Ao longo destes anos vi nele uma inspiração, fui escrevendo sobre a aventura única desta administração vivida por alguns membros da sua equipa, dos seus assessores, dos seus homens de confiança, tais como David Plouffe ou David Axelrod. Do que fui lendo e vendo, era a personificação do político que nos faz lembrar por que é que às vezes optamos por um determinado estilo de vida profissional e até pessoal.

 

Nesta Terça-feira à noite, Barack Obama regressou a Chicago, cidade que o viu nascer para a política, para se despedir num tom emotivo e poderoso. Ouvi-o e vi-o com muita atenção e foi quase uma hora de discurso brilhante, porque, numa altura em que os EUA e o mundo atravessam crises de valores e desumanizam-se, Obama veio sublinhar a importância do reforço contínuo da democracia e do papel do povo na construção das suas sociedades.

 

É um daqueles discursos que se sonha um dia poder ajudar a escrever para momentos tão marcantes. Só posso imaginar o privilégio que deve ter sido para Cody Keenan, “speechwriter” de Obama, que foi até ao quarto draft e que ainda teve de introduzir as alterações do Presidente na Terça-feira à tarde. É todo um processo de criação e de convicção que só é possível quando acreditamos verdadeiramente.

 

Ouvi Obama reconhecer que, depois destes oitos anos, se tornou um melhor Presidente mas, sobretudo, um melhor homem. Agradeceu ao seu povo, à sua mulher e filhas, ao seu vice, mas também apelou aos concidadãos para que lutem pela sua democracia e pelos seus interesses. Obama disse que vai estar ao lado das pessoas e incentivou-as a acreditarem nelas próprias. É isso mesmo, acreditar em nós próprios e ter esperança nas sociedades que vamos construindo.

 

Na hora do adeus, Obama verteu uma lágrima… acredito que muitos outros o tenham feito.  

 

Erdogan a caminho da entronização

Alexandre Guerra, 09.01.17

 

Recep Tayyip Erdogan inicia hoje a tramitação formal para a sua entronização no poder. O Parlamento da Turquia vai discutir durante as próximas duas semanas um pacote de reformas constitucionais que tem como objectivo presidencializar o sistema político daquele país, um processo que o chefe de Estado turco há muito vem ensaiando, com a adopção de inúmeras medidas, nomeadamente, ao nível da restrição de liberdades e garantias e do afastamento de milhares de funcionários públicos com ligações à oposição do regime. O fim das negociações entre Ancara e Bruxelas com vista a adesão à UE reforçaram ainda mais o distanciamento da Turquia em relação aos valores e princípios europeus. Erdogan já deu claros sinais do caminho que pretende seguir e, hoje, percebe-se que a Turquia vai desligar-se do seu lado mais europeu e cosmopolita para abraçar com mais entusiasmo o seu lado euroasiático.

 

O conjunto de reformas que começa agora a ser discutido vai reforçar, em muito, os poderes de Erdogan e espera-se que seja aprovado sem problemas pelo Parlamento, já que o AKP, partido do poder, conta com uma larga maioria naquela câmara. O vice-primeiro-ministro, Nurittin Canikli, disse esta Segunda-feira que, posteriormente, o projecto de alteração da Constituição deverá ser referendado em Abril. E será neste momento que os turcos, um povo dividido entre a modernidade ocidental e o medievalismo asiático, terão um teste muito importante para o futuro do seu país e das suas vidas. Se votarem favoravelmente às alterações constitucionais, Erdogan assumir-se-á como uma espécie de sultão moderno, mas, se rejeitarem as ambições de Erdogan, então a Turquia ainda poderá reencontrar o seu caminho em direcção à Europa.

      

2017, o ano do renascimento do Czar Putin

Alexandre Guerra, 02.01.17

 

14483702361.jpg

 

A eleição de Donald Trump veio colocar Vladimir Putin numa posição de enorme relevância no sistema internacional, talvez como nunca tenha tido antes, porque, pela primeira vez, tem em Washington um interlocutor que lhe parece reconhecer o seu poder czarista e autoritário sem qualquer constrangimento ou julgamento moral. Mais, Trump parece estar disposto a aceitar e a respeitar as regras do jogo definidas por Putin, naquilo que poderá ser um paradigma com algumas semelhanças ao sistema de Guerra Fria em matéria de delimitação de zonas de influência. Perante isto, e à luz daquilo que se tem vindo a saber, é muito provável que Putin venha novamente a estar num plano de igualdade com o seu homólogo norte-americano. Trump parece querer conceder-lhe esse privilégio, já que não o deverá fazer a mais nenhum chefe de Estado. Além disso, do que se vai percebendo, Trump acreditará que o mundo pode ser gerido novamente pelas duas potências, numa divisão de influências, onde a China e outros Estados emergentes não lhe merecem grande atenção (quantas vezes ouvimos Trump falar do Brasil, da Índia ou até mesmo do Reino Unido ou da Alemanha???). Hoje, mais do que nunca, é importante perceber quem é Putin, como pensa e como age.

Acompanho com atenção o percurso de Vladimir Putin ainda antes de ter sido eleito Presidente da Rússia pela primeira vez em 2000. Quando a 9 de Agosto de 1999 o então já falecido Presidente Boris Yeltsin demitia o seu Governo e apresentava ao mundo uma nova figura na vida política russa, poucos eram aqueles que conheciam Vladimir Putin. Aos 46 anos, Putin, ligado ao círculo de São Petersburgo, e antigo oficial do KGB (serviços secretos), assumia a chefia do novo Executivo, com a motivação manifestada por Yeltsin de que gostaria de vê-lo como seu sucessor nas eleições presidenciais de 2000. Segundo alguns registos, Putin nunca terá tido a intenção de seguir uma carreira política, no entanto, teve sempre um alto sentido de servidão ao Estado, como aliás fica bem evidente na recente biografia de Steven Lee Myers, "O Novo Cazar" (2015, Edições 70). Na altura, terá confessado que jamais tinha pensado no Kremlin, mas outros valores se erguiam: “We are military men, and we will implement the decision that has been made”, disse Putin. Muitos viram na decisão de Yeltsin o corolário de uma carreira recheada de erros e que conduzira o país a um estado de sítio. A ascensão de Putin era vista como mais um erro. Citado pelo The Moscow Times, Boris Nemtsov, na altura um dos líderes do bloco dos "jovens reformistas" na Duma e que viria a ser assassinado em Fevereiro de 2015, disse que Putin causou uma fraca impressão na primeira intervenção naquela câmara. "Não era carismático. Era fraco." Também ao mesmo jornal, Nikolai Petrov, do Carnegie Moscow Center, relembrava que Putin deixou uma "patética imagem", sendo um desconhecido dos grandes círculos políticos, e que demonstrava ter pouco à vontade com aparições públicas, chegando mesmo a ter alguns comportamentos provincianos.

Apesar disso, a Duma acabaria por aprovar a sua nomeação para a liderança do Governo, embora por uma margem mínima. É preciso não esquecer que Putin reunia apoio nalguns sectores, nomeadamente naqueles ligados aos serviços de segurança, que o viam como um homem inteligente e com grandes qualidades pessoais. E, efectivamente, após ter assumido os desígnios do Governo, Putin começou de imediato a colmatar algumas das suas falhas, nomeadamente ao nível de comunicação, e a desenvolver capacidades que se viriam a revelar fundamentais na sua vida política. É o próprio Nemtsov que reconheceu o facto de Putin se ter tornado mais agressivo e carismático, dando às pessoas a imagem do governante que os russos prezam. Características que se encaixaram na perfeição ao estilo musculado necessário para responder às explosões que ocorreram em blocos de apartamentos de três cidades russas, incluindo Moscovo, em Setembro de 1999, vitimando sensivelmente 300 pessoas, colocando o tema da segurança no topo da agenda da vida política russa, para nunca mais sair de lá. Em Outubro desse ano, como resposta, Putin dava ordem para o envio de tropas para a Chechénia.

Nas eleições presidenciais de 2000, Putin obteve 53 por cento dos votos, contrastando com os 71 por cento conquistados quatro anos mais tarde. Por motivos de imposição constitucional que o impedia de concorrer a um terceiro mandato presidencial, Putin teve que fazer uma passagem pela chefia do Gvoerno entre 2008 e 2012, mas era claro que nunca teve verdadeiras intenções de deixar os desígnios da nação nas mãos do novo ocupante do Kremlin. Conhecendo-se um pouco da história política russa e da sua liderança, facilmente se chegaria à conclusão de que Putin era o homem por detrás do poder, enquanto o novo Presidente em exercício, Dimitri Medvedev, seria apenas um "fantoche". Medvedev compreendeu bem o seu papel nesta lógica de coabitação, remetendo-se praticamente a uma mera representação institucional, sem ousar discutir com Putin a liderança da política russa. Como na altura se constatou, a forma seria apenas um pormenor porque o que estava em causa era a substância da decisão. Ouvido pela rádio Ekho Moskvy, na altura, o analista russo Gleb Pavlovsky ia directo à questão central: "We can forget our favourite cliche that the president is tsar in Russia." E neste caso o Czar é Vladimir Putin que tanto o poderia ser na presidência, na chefia do Governo ou noutro cargo qualquer, desde que fizesse as devidas alterações constitucionais e que continuasse acompanhado dos seus "siloviki".

Aparentemente, Putin tem em Washington um parceiro que não o recriminará e que respeitará a sua liderança, desde que o Presidente russo não mexa com os interesses norte-americanos que, diga-se, nem será assim um exercício tão difícil de aplicar. Actualmente, Moscovo joga algumas das suas prioridades geoestratégicas e geopolíticas em tabuleiros que Trump já deu a entender não estar interessado. Agora, é ver a partir de dia 20 de Janeiro como o Czar Putin e o populista Trump se vão entender.

 

Publicado originalmente no Delito de Opinião.