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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Sem grandes dramas

Alexandre Guerra, 30.11.16

 

A Itália é um país fascinante por diversas razões. Politicamente, sempre foi um laboratório para todo o tipo de experiências. Nos últimos 70 anos teve 63 governos, mas a verdade é que, com mais ou menos instabilidade, a Itália lá vai funcionando no seu estilo muito próprio e ao mesmo tempo sedutor e único. No Domingo, realiza-se um importante referendo sobre várias alterações constitucionais, as mais importantes desde a II GM, entre as quais a diminuição da relevância do Senado naquele sistema político. As sondagens indicam que o primeiro-ministro Matteo Renzi se arrisca a perder a votação, mas mesmo que isso aconteça, acredito que a Itália, com toda a sua classe e arte, olhará para todo este processo sem grandes dramas.

 

Escolhas interessantes de Trump

Alexandre Guerra, 23.11.16

 

Interessantes, é o que se pode dizer de algumas escolhas que Donald Trump tem feito para a sua equipa. Contrariando um pouco a ideia que reinou nos primeiros dias após a sua eleição, de que se estaria perante uma equipa de transição caótica e que se estava perante um "assalto ao poder" por parte de "amigos" e familiares, não deixam de ser curiosos os nomes que Trump escolheu para a Educação, Habitação e Desenvolvimento Urbano e para o lugar de Embaixador dos EUA nas Nações Unidas. Betsy DeVos, na Educação, +e republicana, activista conservadora, filantropista e presidente da American Federation for Children, um grupo de interesse bastante agressivo na defesa da atribuição de vouchers de dinheiro público para que as famílias mais carenciadas possam colocar os seus filhos a estudar em escolas privadas. É claro que por detrás desta medida está uma opção ideológica, com a qual se pode concordar ou não, mas a verdade é que DeVos não é propriamente uma pessoa de quem se possa dizer que é completamente desajustada ao lugar. Penso que, efectivamente, qualquer que fosse o candidato republicano, o seu nome seria visto com normalidade.

 

Para a Habitação e Desenvolvimento Urbano, é surpreendente a escolha de Trump ao ir buscar Ben Carson, negro, neurocirurgião retirado, e que foi seu rival nas primárias. Embora não tenha qualquer experiência governativa, merece pelo menos o benefício da dúvida. Também hoje se ficou a conhecer a Embaixadora dos EUA para as Nações Unidas. Nikki Haley parece ser uma escolha acertadíssima. "Rising star" no Partido Republicano, de 44 anos, era até agora a primeira mulher governadora do estado da Carolina do Sul. É filha de imigrantes indianos e por várias vezes já demonstrou ser uma pessoa defensora dos valores da integração e do diálogo.

 

Ao nomear estas três pessoas, Trump tem, por um lado, o objectivo estratégico de aliviar a pressão sobre si, escolhendo duas mulheres e um negro, passando a ideia de diversidade e escapando ao estigma de que se estava a criar uma administração maioritariamente "branca" ligada aos interesses de grupos de direita mais radical. Por outro lado, e esse é um lado mais curioso, Trump revela algum desportivismo, porque todos estas pessoas foram suas críticas. E a ironia disto é que muitos dos políticos europeus arautos da liberdade que tanto têm criticado Trump (e existem razões para isso) jamais nomeariam alguém que os tivesse criticado. Nesse aspecto, Trump parece estar a dar algumas lições. Logo se verá se é para durar. Até ver...

 

Tal Afar, o tabuleiro onde Teerão e Ancara jogam os seus interesses

Alexandre Guerra, 21.11.16

 

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Members of the Shi'ite Badr Organisation fighters ride in a military vehicle during a battle with Islamic State militants at the airport of Tal Afar west of Mosul, Iraq, November 20, 2016. REUTERS/Khalid al Mousily

 

Os combates pela reconquista da cidade de Mossul ao Estado Islâmico (EI) já se prolongam há mais de um mês, mas é um pouco mais a oeste, mais concretamente a 60 quilómetros, que se jogam os interesses geoestratégicos da Turquia e do Irão. A cidade de Tal Afar, que entretanto já foi libertada do EI, é um importante ponto nevrálgico junto à fronteira da Turquia e da Síria e que neste momento está nas mãos da movimento Badr e das Unidades de Mobilização Popular (PMU), o que é o mesmo que dizer sob o controlo do regime de Teerão. O problema é que aquela cidade é composta por uma população maioritariamente de etnia turquemena, com ligações históricas à Turquia, o que já levou o Presidente Recep Tayyip Erdogan a avisar as forças xiitas das PMU para não cometerem quaisquer violações contra os cidadãos de Tal Afar. Na resposta, Haidi al-Amiri, líder das PMU, avisou Ancara que se optar por uma reacção militar, aquela cidade será o "cemitério" dos soldados turcos.

 

Ao contrário de Mossul, que depois de libertada ficará, à partida, sob o controlo curdo, Tal Afar já neste momento sob influência iraniana, algo que se revela da maior importância estratégica para o Irão, porque lhe permite ter uma base em território iraquiano para as incursões na Síria. Por outro lado, a Turquia, que tem visto nesta guerra contra o EI uma oportunidade de combater os curdos e ao mesmo tempo acalentar a reconstrução do sonho Otomano em territórios iraquiano e sírio, vê-se na iminência de perder para o "inimigo" a cidade de Tal Afar.

 

Para mais informação sobre este assunto, vale a pena ler take da Reuters e esta análise do al-Monitor.

 

Há esperança?

Alexandre Guerra, 09.11.16

 

Enganei-me. Sempre achei que Hillary Clinton iria chegar à Casa Branca. Não por ser uma candidata espectacular, mas por ser aquilo que normalmente orienta as escolhas políticas de cada um de nós: um mal menor. E não digo isto por achar que Donald Trump é mais ou menos capaz, mais ou menos inteligente, mas porque algumas coisas que ele defendeu no seu programa eleitoral representam, para mim, um retrocesso civilizacional em relação àquilo que Obama alcançou. Mas quando esta manhã pensei em homens como Truman ou Reagan, que chegaram à Casa Branca com o rótulo de provincianos impreparados, sendo mesmo alvo de gozo, e saíram de lá como heróis, fiquei com alguma esperança que Trump, também ele visto por muitos como um tolo, possa surpreender e deixar a sua marca positiva na história dos EUA e do mundo.

 

Guiné Equatorial, uma história de hipocrisia diplomática

Alexandre Guerra, 03.11.16

 

Ainda a propósito da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, continua a ser muito interessante ver a hipocrisia diplomática de algumas vozes em Lisboa (e não só) face à Guiné Equatorial. Por um lado, lá se fazem umas críticas ao regime de Teodoro Obiang, mas depois é extraordinário ver outros responsáveis nacionais, em jeito de auto-convencimento, a sublinhar que a Guiné Equatorial já informou ter ratificado os estatutos da CPLP e que a decisão da abolição da pena de morte tramitou no processo legislativo e aguarda publicação. Ou seja, mais uma vez, as autoridades portuguesas assumem uma postura de conivência com um regime que, mesmo que ratifique os estatutos da CPLP, que abula a pena de morte (o que ainda está para se ver) e que generalize o ensino do português no país (o que dificilmente acontecerá), continua a ser um dos melhores exemplos de uma ditadura ao bom e velho estilo africano.

 

Relembro algo que aconteceu no ano passado. Cavaco Silva, no prefácio de um dos seus célebres “Roteiros”, revelou que, nas vésperas da X Conferência realizada em Díli, em 2014, foi Timor Leste que se empenhou na adesão da Guiné Equatorial, um processo que contava com o apoio de Angola e do Brasil. Cavaco dava a entender que Portugal tinha resistido a este processo até ao limite e que, quando a comitiva portuguesa chegou a Díli, já nada havia a fazer perante o empenho de Timor Leste. Ora, o antigo Presidente e primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta, rejeitou esta versão, referindo que o seu país apenas deu seguimento a um processo que já estava a andar. A verdade é que, tirando alguns protestos diplomáticos de circunstância, de Lisboa nunca se viu um movimento concreto e veemente de oposição à entrada da Guiné Equatorial. Note-se que este país africano se tornou membro de pleno direito da CPLP na cimeira de Díli, em julho de 2014, na sequência de um roteiro de adesão que incluía o fim da pena de morte no país e a disseminação do português naquela antiga colónia espanhola.

 

Não deixa de ser incómodo que, agora, dois anos depois, lá se tenha incluído na declaração final de Brasília que os estados-membros da CPLP se "congratularam com o anúncio da conclusão dos procedimentos internos de ratificação dos Estatutos" da organização por parte da Guiné Equatorial. É ainda mais desconfortável ver como os países da CPLP registaram "com agrado a solicitação da Guiné Equatorial de apoio técnico à harmonização legislativa interna, decorrente da moratória à pena de morte em vigor, no sentido de a converter em abolição". Na prática, desde Díli, que nada foi concretizado daquilo que estava previsto no roteiro. Agora, em Brasília, deram-se uns passos muito curtos, apenas para não cobrir de ridículo os intervenientes na cimeira. A questão é que mesmo que a Guiné Equatorial tivesse cumprido com todos os requisitos nestes dois anos, estaria muito longe daquilo que são os valores e princípios que um país como Portugal e, apesar de tudo, uma organização como a CPLP, defendem e partilham.

 

O regime de Teodoro Obiang é um dos mais corruptos de África e funciona numa lógica familiar, com um dos seus filhos, vice-presidente para a área da segurança e defesa, a ostentar uma vida de luxo, gastando milhões do erário público em gostos extravagantes, que vão desde jatos a mansões de luxo, passando por objectos de Michael Jackson. Neste momento, enfrenta várias investigações, em França e nos EUA. Teodoro Obiang está no poder há quase 37 anos, sendo o líder há mais tempos em exercício de funções em África. A Guiné Equatorial é rica em gás e petróleo, mas a maior parte da sua população vive na pobreza. Faltam hospitais e a água e luz é um sonho para muitos dos habitantes daquele país. A Amnistia Internacional acusa aquele regime de praticar tortura recorrentemente e detenções arbitrárias contra os críticos do Governo.