Ainda a propósito da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, continua a ser muito interessante ver a hipocrisia diplomática de algumas vozes em Lisboa (e não só) face à Guiné Equatorial. Por um lado, lá se fazem umas críticas ao regime de Teodoro Obiang, mas depois é extraordinário ver outros responsáveis nacionais, em jeito de auto-convencimento, a sublinhar que a Guiné Equatorial já informou ter ratificado os estatutos da CPLP e que a decisão da abolição da pena de morte tramitou no processo legislativo e aguarda publicação. Ou seja, mais uma vez, as autoridades portuguesas assumem uma postura de conivência com um regime que, mesmo que ratifique os estatutos da CPLP, que abula a pena de morte (o que ainda está para se ver) e que generalize o ensino do português no país (o que dificilmente acontecerá), continua a ser um dos melhores exemplos de uma ditadura ao bom e velho estilo africano.
Relembro algo que aconteceu no ano passado. Cavaco Silva, no prefácio de um dos seus célebres “Roteiros”, revelou que, nas vésperas da X Conferência realizada em Díli, em 2014, foi Timor Leste que se empenhou na adesão da Guiné Equatorial, um processo que contava com o apoio de Angola e do Brasil. Cavaco dava a entender que Portugal tinha resistido a este processo até ao limite e que, quando a comitiva portuguesa chegou a Díli, já nada havia a fazer perante o empenho de Timor Leste. Ora, o antigo Presidente e primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta, rejeitou esta versão, referindo que o seu país apenas deu seguimento a um processo que já estava a andar. A verdade é que, tirando alguns protestos diplomáticos de circunstância, de Lisboa nunca se viu um movimento concreto e veemente de oposição à entrada da Guiné Equatorial. Note-se que este país africano se tornou membro de pleno direito da CPLP na cimeira de Díli, em julho de 2014, na sequência de um roteiro de adesão que incluía o fim da pena de morte no país e a disseminação do português naquela antiga colónia espanhola.
Não deixa de ser incómodo que, agora, dois anos depois, lá se tenha incluído na declaração final de Brasília que os estados-membros da CPLP se "congratularam com o anúncio da conclusão dos procedimentos internos de ratificação dos Estatutos" da organização por parte da Guiné Equatorial. É ainda mais desconfortável ver como os países da CPLP registaram "com agrado a solicitação da Guiné Equatorial de apoio técnico à harmonização legislativa interna, decorrente da moratória à pena de morte em vigor, no sentido de a converter em abolição". Na prática, desde Díli, que nada foi concretizado daquilo que estava previsto no roteiro. Agora, em Brasília, deram-se uns passos muito curtos, apenas para não cobrir de ridículo os intervenientes na cimeira. A questão é que mesmo que a Guiné Equatorial tivesse cumprido com todos os requisitos nestes dois anos, estaria muito longe daquilo que são os valores e princípios que um país como Portugal e, apesar de tudo, uma organização como a CPLP, defendem e partilham.
O regime de Teodoro Obiang é um dos mais corruptos de África e funciona numa lógica familiar, com um dos seus filhos, vice-presidente para a área da segurança e defesa, a ostentar uma vida de luxo, gastando milhões do erário público em gostos extravagantes, que vão desde jatos a mansões de luxo, passando por objectos de Michael Jackson. Neste momento, enfrenta várias investigações, em França e nos EUA. Teodoro Obiang está no poder há quase 37 anos, sendo o líder há mais tempos em exercício de funções em África. A Guiné Equatorial é rica em gás e petróleo, mas a maior parte da sua população vive na pobreza. Faltam hospitais e a água e luz é um sonho para muitos dos habitantes daquele país. A Amnistia Internacional acusa aquele regime de praticar tortura recorrentemente e detenções arbitrárias contra os críticos do Governo.