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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O despacho...

Alexandre Guerra, 27.06.16

 

"Russia is once again capable of deterring any other great power, defending itself if necessary, and effectively projecting force along its perphery and beyond. After a quarter century of military weakness, Russia is back as a serious military force in Eurasia."

 

Quem o escreve é Dimitri Trenin, director do Carnegie Moscow Center, depois de relembrar que nos primeiros anos a seguir à implosão da União Soviética, as forças armadas russas encolheram de 5 milhões para um milhão de homens e que os gastos em defesa passaram de 246 mil milhões de dólares, em 1988, para 14 mil milhões em 1994. Durante os anos 90 de Boris Yeltsin as forças militares russas foram perdendo toda a sua capacidade de projeção de poder e o seu prestígio. O acidente com o submarino nuclear Kursk, a 12 de Agosto de 2000, acabou por simbolizar tragicamente a degradação e a impotência de um Estado, que tinha deixado de garantir a capacidade de defesa dos seus próprios homens e equipamentos. Morreram todos os seus 118 tripulantes, num drama que, para lá da dimensão humana, humilhou toda a nação russa. 

 

Algumas observações sobre o Brexit

Alexandre Guerra, 24.06.16

 

1. De sublinhar a elevada taxa de participação, a maior desde 1992 em votações nacionais. Segundo a YouGov, o erro das projecções e a vitória do “Leave” ficou-se a dever a uma taxa de participação acima do expectável em zonas partidárias da saída do Reino Unido da UE.

 

2. Uma das consequências mais importantes deste referendo vai fazer-se sentir dentro do próprio Reino Unido e não tanto com a União Europeia, e tem a ver com o “choque” geracional. Os resultados são claríssimos em termos de “gap” geracional em relação à distribuição de votos. Confirmou-se aquilo que já era expectável: os mais jovens, na sua grande maioria, votaram para ficar no Reino Unido, enquanto os mais velhos seguiram a tendência oposta. Esta divisão tão evidente poderá vir a criar graves problemas sociais em Inglaterra, já que, mais do que visões diferentes sobre o papel do Reino Unido no mundo, estão em causa visões divergentes em relação à forma como os mais jovens e os mais velhos querem estar em sociedade. Estes mostram-se mais conservadores na manutenção dos seus direitos adquiridos e receosos à imigração. Os mais jovens procuram os seus sonhos numa europa mais unida e integrada. Durante o dia de hoje, seja nas redes sociais ou em artigos de jornais, já é possível sentir a crispação, a frustração e até alguma raiva que é demonstrada por eleitores mais jovens em relação aos mais velhos. Este é um dos muitos comentários que se podem ler, neste caso publicado no Financial Times e citado pelo The Guardian. E esclarecedor: “The younger generation has lost the right to live and work in 27 other countries. We will never know the full extent of lost opportunities, friendships, marriages and experiences we will be denied. Freedom of movement was taken away by our parents, uncles and grandparents in a parting blow to a generation that was already drowning in the debts of its predecessors.”

 

3. Quanto à Escócia, era de esperar que aquele país fosse aproveitar o momento para agitar a bandeira independentista. E, neste aspecto, a primeira-ministra Nicola Sturgeon não falhou e adoptou um discurso firme, deixando bem claro que o seu país quer fazer parte da União Europeia e falou na possibilidade de um referendo independentista. Foi hábil na forma como usou a desilusão com os resultados na Inglaterra para enfatizar as diferenças entre os dois países. No fundo, o que ela está a fazer é colocar a responsabilidade de um eventual referendo da Escócia nos ombros dos ingleses. Ou seja, a Escócia tentou seguir um caminho conjunto, mas foi a Inglaterra que não quis. É assim que as coisas estão a ser apresentadas pelos escoceses. Com este resultado, deu-se uma alteração muito substancial no contexto da relação entre os dois países sob a coroa da Rainha. A partir daqui, a Escócia tem toda a legitimidade para seguir o seu caminho. E, não é por acaso, que logo a seguir ao discurso de Nicola Sturgeon, o Partido Nacionalista Escocês (SNP) e a organização Mulheres para a Independência (WFI) começaram a receber pedidos de adesão e donativos para ajudar a realizar o referendo. Nicola Sturgeon avisou ainda que vai pedir à Comissão Europeia e aos Estados-membros reuniões com carácter de urgência para manifestar a sua vontade de adesão. Entretanto, várias personalidades e empresas que se têm manifestado sempre contra a independência Escócia, admitem agora rever as suas posições.

 

4. Mas, talvez aquele que possa ser o problema mais complicado para os líderes ingleses, e que está a ser muito pouco falado, tem a ver com o futuro de Londres, uma realidade completamente à parte do resto do Reino Unido. Na “city”, tal como na Escócia, os resultados foram igualmente expressivos e claros a favor do “Remain”. Ora, isto vai criar uma questão política muito complicada, já que é a “city” o elo de ligação entre o Reino Unido e a União Europeia. Ou seja, na prática, é pela “city” e por tudo o que ela representa, e não tanto pelo “countryside” de Inglaterra, que este assunto ganha tanta relevância histórica. Aliás, Sadiq Khan, que percebeu perfeitamente isso, já passou uma mensagem de tranquilidade a todos os europeus que vivem naquela cidade, dizendo que eles são bem-vindos e que não vão sofrer consequências com o resultado deste referendo. Dirigiu-se também às empresas e investidores, num tom tranquilizador e, de certa forma, deixando a ideia de que se há-de arranjar uma solução que contorne eventuais restrições ao investimento e economia.

 

5. Perante tudo isto, é particularmente significativo que Nicola Sturgeon e Sadiq Khan tenham falado hoje, algo que poucos analistas têm mencionado, mas que é muito, mas muito importante. Sturgeon disse “que existe claramente uma causa comum” entre a Escócia e Londres. Entretanto, já começou nas redes sociais a campanha #Scotlond, onde precisamente se apela à permanência conjunta da Escócia e de Londres na União Europeia.

 

6. No que diz respeito à cena política inglesa, estamos agora na fase da mudança de lideranças. A decisão de David Cameron foi acertada, tendo o cuidado de sublinhar que não havia pressa, mas abrindo caminho para uma nova liderança. Naturalmente, que Boris Johnson se coloca na linha dianteira, no entanto, tem sido prudente nas suas declarações e, para já, não deu sinal de disputa pelo poder. Quanto a Jeremy Corby, que nunca foi propriamente um líder muito popular, poderá ter os dias contados à frente dos trabalhistas. A par de Boris Johnson, Nigel Farage, líder do UKIP, é o outro dos grandes vencedores deste referendo.

 

7. Chamo a atenção para o excelente e oportuno discurso do Governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney. Além do conteúdo da sua mensagem, garantindo, entre outras coisas, a liquidez suficiente no sistema financeiro, foi sobretudo o seu tom pausado e firme que mais fez lembrar a estóica e heróica tradição "churchilliana". Aliás, logo a seguir, na CNN, Richard Quest dizia que não se lembrava de ver o Governador do Banco de Inglaterra a reagir desta maneira a um assunto.

 

8. A posição da União Europeia, ao dar o “recado” a Londres para sair o mais rápido possível, revela, pela primeira vez em muito tempo, alguma unidade e firmeza. Até Martin Schulz concorda que prolongar este processo é prejudicial para os interesses europeus. E perante esta firmeza da UE, que pretende “arrumar” rapidamente o assunto Reino Unido, percebe-se a posição de Boris Johnson, quando agora vem dizer que “não há pressa” neste processo. Pois claro, já que Jonhson não tem interesse que o artigo 50º do Tratado de Lisboa seja rapidamente aplicado, pelo menos enquanto não chegar a primeiro-ministro através de eleições, porque tem a noção de que o que vem aí não será o Paraíso na Terra, e quando se começarem a sentir os efeitos práticos da saída do Reino Unido da UE (hoje já se sentiram com a queda da libra e dos mercados) os adeptos do “Leave” podem esmorecer o seu entusiasmo. O jornal The Independent já referia hoje que o processo acelerado iria ser “painful” para a Inglaterra.

 

9. Hoje, Angela Merkel tocou no ponto essencial ao dizer que a ideia do projecto europeu é uma ideia de paz. As pessoas esquecem-se de que há setenta anos os povos europeus matavam-se uns aos outros no coração do Velho Continente. É preciso ter bem a noção de que em termos históricos, a Europa nunca conheceu tanta prosperidade e paz como no período do projecto europeu no pós-II GM. Hoje em dia, muita gente esquece essa perspectiva ampla e alargada, sobretudo os líderes europeus, que passam o dia-a-dia em discussões bizantinas, praticamente a contar números e a olhar para relatórios de Excel. Houve uma dimensão política, humanista e social que se perdeu na governança europeia, mas mesmo assim a Europa continua a ser um farol de liberdade e prosperidade.

 

Momentos com história

Alexandre Guerra, 23.06.16

 

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Foto: Reuters

 

Há mais de três anos que as negociações formais estavam em curso para chegaram até aqui, ao dia em que o Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos (esquerda), e o líder das FARC, Timochenko (direita), sob os auspícios do chefe de Estado cubano, Raul Castro (centro), assinaram um cessar-fogo histórico em Havana, depois de mais de 50 anos de conflito civil e que ceifou cerca de 220 mil vidas e deslocou sete milhões de pessoas.   

 

"Brincadeiras" que um dia podem correr muito mal

Alexandre Guerra, 23.06.16

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Lançamento na Quarta-feira de um dos dois mísseis de médio alcance Musudan com a presença de Kim Jong-un/Yonhap 

 

Nos últimos anos vai-se tendo cada vez mais a impressão de que, a acontecer qualquer drama militar de dimensões cataclísmicas, começará numa "brincadeira" para os lados da Ásia oriental. Se é na Península da Coreia (que, "by the way", continua formalmente em estado de guerra), no Mar do Japão ou no Mar Oriental ou Sul da China, ainda está para se ver (esperemos que não). Além dos interesses territoriais inconciliáveis entre várias nações que se jogam naquelas paragens, esta região é, no actual contexto geopolítico e geoestratégico, uma espécie de ponto de confluência de várias "placas tectónicas". Porque, além dos actores regionais directamente envolvidos nas disputas territoriais, tais como a China, o Japão, a Coreia do Norte, a Coreia do Sul, a Rússia, o Vietname, as Filipinas, entre outros, o jogo de alianças e de interesses acaba por envolver também os EUA, sobretudo pela sua ligação aos aliados nipónicos e a Taiwan.

 

Qualquer acidente ou incidente que por ali aconteça (e têm acontecido alguns) pode acender o rastilho para algo de dimensões problemáticas. Da disputa das Ilhas Curilhas, entre o Japão e a Rússia, à das Ilhas Spratly, entre Pequim e várias nações, tais como as Filipinas ou o Vietname, passando pelas "escaldantes" Ilhas Senkaku (ou Diayou para os chineses), sob administração japonesa mas reclamadas por Pequim, os factores de ignição são muitos. São recorrentes os episódios militares hostis, sobretudo por parte de Pequim, com Washington, por exemplo, à distância, a ir dizendo que não permitirá qualquer ameaça à integridade territorial do Japão. Isto já para não falar do "dossier" Taiwan. Mas é principalmente de Pyongyong que vem a maior ameaça sistémica. A Coreia do Norte não abdica da sua retórica bélica e provocadora e tem dado claros sinais de que a acompanha com uma escalada militar. Ainda ontem testou mais dois mísseis balísticos de médio alcance, conhecidos no Ocidente como Musudan, tendo o primeiro falhado, mas o segundo alcançado os objectivos. E trata-se de informação já confirmada pela Coreia do Sul e EUA.

 

Se ainda estou recordado das aulas de Problemática e Controlo de Armamentos, um míssil balístico de médio alcance (MRBM/IRBM) poderá ter um raio de acção entre os 500 quilómetros e os 5000. A partir daí estamos a falar de mísses Intercontinentais (ICBM). Este míssil norte-coreano terá voado 400 quilómetros, o que, segundo os especialistas, representa uma melhoria em relação ao teste anterior. Há poucas dúvidas de que se o regime de Pyongyang continuar a testar os seus mísseis, irá conseguir desenvolver na sua plenitude de forma eficaz estes vectores de lançamento de eventuais ogivas nucleares. E, por isso, o líder norte-coreando, Kim Jong-un já veio dizer que o seu país está em condições de atacar interesses dos Estados Unidos na ilha de Guam, no Pacífico. Se é certo que muitas das vezes a retórica proveniente dos líderes daquele regime é mera propaganda, desta vez, e a julgar por algumas reacções, as palavras de Kim Jong-un estão a ser levadas mais a sério.

 

Trump livrou-se do mal para se transformar num outro candidato

Alexandre Guerra, 21.06.16

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Corey Lewandowski foi até ontem o "campaign manager" de Donald Trump/Foto Getty

 

O dia de ontem na cena política dos Estados Unidos foi dominado pelo despedimento de Corey Lewandowski, nada mais nada menos do que o até agora "campaign manager" de Donald Trump e um dos operacionais responsáveis pela caminhada triunfante daquele candidato até à Convenção do Partido Republicano. A notícia caiu que nem uma bomba, porque apesar das divergências internas no seio da campanha de Trump e que eram conhecidas há algum tempo, os sinais dos últimos dias não anunciavam uma decisão deste genéro e, sobretudo, tomada desta forma tão abrupta. De tal maneira que Lewandowski, em entrevista à CNN poucas horas depois de ter sido despedido (o que por si só já é estranho), afirmou desconhecer as razões que levaram ao seu afastamento. A alguns colaboradores teria dito que seria uma questão de tempo até se demitir ou ser demitido, talvez estando ciente das forças que começavam a crescer contra si. E, talvez por isso, quando na Segunda-feira foi informado por Trump de que os seus serviços não eram mais precisos, Lewandoswki nada disse, levantou-se e quando saiu da sala do quartel-general da campanha na Trump Tower em Manhattan já tinha segurança à sua espera para o acompanhar ao seu lugar, arrumar as suas coisas e abandonar o edifício. Seja como for, não mostrou ressentimento e à CNN manifestou todo o seu apoio a Trump e que tudo faria para ajudá-lo a chegar à Casa Branca.

 

Muitos republicanos viram neste gesto um passo positivo na direcção de um registo mais conservador e menos populista e conflituoso, características que marcaram o estilo de Lewandowski e que chegaram mesmo a criar situações extremadas, nomeadamente na relação com jornalistas. A verdade é que Trump bem pode agradecer ao seu antigo colaborador, mas a questão é que o processo do seu afastamento foi pouco claro, intempestivo e com contornos ainda por esclarecer. Talvez um dia, em livro, Lewandowski conte a história toda. Aquilo que se vai lendo é que Trump terá começado a sofrer muito pressão de alguns dos seus aliados e doadores para mudar a estratégia da campanha, numa altura em que vai iniciar uma corrida nacional e para a qual Lewandowski não estaria preparado. Também os filhos de Trump terão tido um papel no despedimento daquele assessor. Provavelmente, Lewandowski terá sido vítima da sua própria "criação" política, transformando um homem que era gozado pelo seu cabelo num temido candidato presidencial. Como disseram algumas pessoas próximas de Lewandowski, ele neste momento tinha inimigos em todo o lado e, perante este cenário, dificilmente se poderia assistir a outro desfecho.

 

Brexit, um debate pouco inteligente

Alexandre Guerra, 08.06.16

 

Quando morreu Ralf Dahrendorf, faz sete anos no próximo dia 17, escrevi que ele era uma "síntese em si mesmo", sendo uma das poucas pessoas que se conseguia definir ao mesmo tempo como alemão e como britânico. É importante relembrar que Dahrendorf era cidadão britânico e membro da Câmara dos Lordes desde 1988, mas nascera em Hamburgo, a 1 de Maio de 1929. Em tempos perguntaram-lhe numa entrevista que cidade ele considerava a sua casa e a resposta foi clara: "Sou um londrino." 

 

Mas Dahrendorf combinou sempre o liberalismo político com uma visão social da economia. O sociólogo político, que entre 1974 e 84 foi presidente da London School of Economics and Political Science, era ainda um europeísta sincero ao mesmo tempo que via no eixo atlântico uma necessidade natural. Entre 1987 e 1997 foi decano do St. Antony's College da Universidade de Oxford. Acima de tudo, Dahrendorf era um homem da democracia política, enquanto veículo para se alcançar a liberdade. Aliás, já na altura, citei um artigo da Teresa de Sousa noPúblico em que referia que o  "amor [de Dahrendorf] pela liberdade talvez o tenha aprendido nos anos da sua juventude, quando teve de conviver com dois totalitarismos. Disse muitas vezes que os dois anos mais importantes da sua vida tinham sido 1945 e 1989".

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Apontamentos históricos

Alexandre Guerra, 08.06.16

 

"Last year's assassination of the opposition politician Boris Nemtsov, however, clearly beyond Putin's limits. Could Putin have said something about Nemtsov that someone could have taken as a go-ahead to kill him? That seems impossible to me. I have never heard anything like that from Putin, even with regard to people he hates. Putin sometimes mocked Nemtsov a bit, but he tolerated him. After the assassination, Putin disappeared for a few days -- apparently, what had happened was to unexpected."

 

Excerto do artigo "Russian Politics Under Putin" de Gleb Pavlovksy/Foregin Affairs (Maio/Junho de 2016).

 

Da política às mulheres, a Itália é tudo menos recatada

Alexandre Guerra, 07.06.16

 

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Segundo aquilo que se leu na imprensa, desde a semana passada que vigora um novo código de indumentária na RAI (televisão pública italiana), para que as suas pivots de informação tenham “uma imagem mais recatada, menos provocadora”. Decotes, vestidos justos e outros trajes que possam ser considerados mais arrojados estão proibidos. Em qualquer outra televisão pública europeia ou de outra parte do mundo esta medida até passaria despercebida e até poderia ser compreensível. Mas fazer isto na RAI é quase o mesmo que vestir uma tanga ao David de Miguel Ângelo. 

 

A Itália é um país fascinante a vários níveis e a RAI é também um pouco o espelho da realidade daquele país, com tudo o que tem de bom e de mau. A arte, a história, a cultura, a beleza, a elegância, o prazer, a gastronomia, a paisagem, tudo se conjuga de uma forma desorganizada, mas ao mesmo tempo irresistível. E com a política italiana passa-se o mesmo. Apesar de, por vezes, ser dominada por uma total ausência de ordem e lucidez, a verdade é que é impossível ficar-se indiferente ao que por lá se vai passando. De certa maneira, assemelha-se a uma arena romana que vai servindo para entreter o povo, onde tudo é possível, mesmo as maiores barbaridades, mas os aplausos não deixam de soar.

 

Em Itália tudo é vivido com intensidade, paixão e irracionalidade, para o melhor, mas também para o pior. Nada é inconsequente. Só em Itália se encontram fenómenos como o da deputada Cicciolina (hoje seria apenas uma pequena excentricidade, mas como explicar uma coisa destas ainda nos anos 80) ou de Sílvio Berlusconi (imagine-se, o político que se manteve durante mais tempo no cargo de primeiro-ministro desde a II GM). Ou nos anos mais recentes, o da ascensão meteórica de um palhaço (no sentido literal) na cena política transalpina. É por isso que o sistema político italiano é um autêntico laboratório. Em Itália tudo é possível e tudo é aceite com a maior das normalidade. Regras e normas ficam para os europeus "normais", já que os italianos preferem a incerteza do dia seguinte e a animação da anarquia sistémica. Mas, o curioso é que o sistema político italiano lá vai funcionando. À sua maneira, é certo.

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Leituras

Alexandre Guerra, 06.06.16

 

Dois artigos de nível superior ao que se vai lendo por aí tendo a Europa como ponto comum, mas com diferentes perspectivas. No Observador, João Carlos Espada, com a sua habitual elegência conservadora, assina Referendo Britânico: alguns motivos para prestar atenção, enquanto Grégory Claeys e Álvaro Leandro, dois investigadores do think tank europeu Bruegel, escrevem no DN, O Plano Juncker precisa de ser radicalmente alterado.

 

A próxima cimeira da NATO em Varsóvia

Alexandre Guerra, 03.06.16

 

A 8 e 9 de Julho vai realizar-se a Cimeira da NATO em Varsóvia. Em visita à Polónia esta semana, o secretário-geral da Aliança, Jens Stoltenberg, fez uma antecipação do que estará na agenda do encontro. Perante os desafios de segurança e também de valores aos fundamentos europeus, pretende-se que nesta cimeira a NATO reforce a sua presença nos países da parte Leste da organização e que se projecte estabilidade para lá das fronteiras da Aliança.

 

Quanto ao reforço da posição da NATO nesses países de Leste, um dos pontos que será discutido tem a ver com a colocação de vários batalhões em diferentes Estados daquela região, embora o secretário-geral da NATO tenha referido que esta medida não tem um carácter ofensivo contra a Rússia. Para já, sabe-se que os três países bálticos e a Polónia irão receber estes batalhões. Além disso, a Polónia anunciou hoje que vai criar uma força paramilitar de 35 mil civis que terão treino militar e que serão distribuídos por várias brigadas territoriais, com o objectivo de estarem preparados para um tipo de conflito como aquele que aconteceu no leste da Ucrânia.

 

Sobre a capacidade de projecção de estabilidade para lá das fronteiras da Aliança, Jens Stoltenberg adiantou que a NATO vai intensificar a cooperação e o treino conjunto com países do Médio Oriente e Norte de África, para que estas regiões possam fortalecer as suas instituições de defesa e forças militares com dois objectivos: reconquistarem território que tenham perdido para forças terroristas, como o Estado Islâmico ou a Al Qaeda; criarem condições mais favoráveis para facilitar a eventualidade de mobilização de tropas da NATO naqueles países.

 

Na próxima cimeira será também discutido o investimento do PIB que cada país faz na área da Defesa, com a meta de dois por cento sempre presente. Outro dos pontos que será também abordado é a cooperação entre a NATO e a União Europeia em matéria de ameaças híbridas, como a ciber defesa e a segurança marítima. 

 

Entretanto, dentro da NATO Response Force (NRF), que conta com 40 mil homens, foi activada há dias a Very High Readiness Joint Task Force (VJTF), que é uma espécie de “ponta de lança” composta por 5 mil homens com capacidade de mobilização em 48 horas em qualquer parte do mundo. Será anunciado, certamente, com entusiasmo e pompa na cimeira de Julho.