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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Um (pequeno) guião para se compreender melhor este terrorismo e anti-terrorismo

Alexandre Guerra, 30.03.16

 

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1. Antes de mais, é preciso compreender a natureza específica deste terrorismo de que se está a falar hoje em dia na Europa (e não só), porque sem isso é impossível delinear uma estratégia anti-terrorista eficaz. O perfil dos cidadãos ocidentais que nos últimos anos foram para a Síria e Iraque (a maior parte sunita), para serem islamizados ou para se juntarem às fileiras do Estado Islâmico ou da Frente al-Nusra, é muito diferente daquele que, por exemplo, levou outras tantas pessoas a juntarem-se a grupos muçulmanos no Afeganistão, nos anos 80, ou na Bósnia, nos anos 90. Vejam-se algumas diferenças: um dado interessante é o aparecimento de mulheres europeias neste fenómeno mais recente, não necessariamente na frente de batalha na Síria ou no Iraque, mas em tarefas de apoio, tais como policiamento local ou através de casamentos, de modo a permitir a dupla nacionalidade ou o passaporte a potenciais terroristas; depois, estamos a falar de recrutas muito mais jovens do que aqueles que combateram no Afeganistão ou nos Balcãs; mas muito importante, é desconstruir o mito de que estes jovens europeus que têm ido para a Síria ou para o Iraque não tinham qualquer relação com o islamismo mais extremado. É falso, na verdade, muitos deles, de forma mais ou menos indirecta, tinham uma relação com o jihadismo, já para não falar com práticas de criminosas; outra diferença muito importante prende-se com a facilidade de comunicação e disseminação da mensagem. Embora continue a ser um centro de propaganda muito importante, a mesquita deixou de ser o único canal de comunicação para ideias extremistas. Por exemplo, a revolução de 1979 no Irão e que levou ao poder o regime dos ayatollahs foi praticamente instigada através de discursos gravados em cassetes e reproduzidos em mesquitas iranianas, mas esses tempos já lá vão. Ora, se já a al Qaeda o tinha feito com grande eficácia, o Estado Islâmico apurou e potenciou as ferramentas que actualmente existem ao nível das tecnologias de informação e comunicação para poder levar por diante a sua missão. Ainda no ano passado, entre várias acções nas "redes" e na internet, publicou dois guiões on line para ensinar os seus operacionais a infiltrarem-se e a “sobreviver” no Ocidente, além de todo o tipo de conhecimentos técnicos para produzirem engenhos explosivos, esconderem armas em compartimentos secretos num automóvel, escapar à vigilância policial, entre outros.

 

2. Segundo a Europol, existem actualmente na Europa cerca de 5000 europeus jihadistas que terão estado na Síria e no Iraque. A Bélgica é o principal fornecedor de jihadistas per capita dos países da Europa Ocidental. Por exemplo, cerca de 450 cidadãos numa população de 11 milhões foram para a Síria. Há uma outra estimativa que aponta quase para 600. A maioria deles junta-se ao Estado Islâmico ou à Frente al-Nusra.

 

3. Quanto ao facto de meses depois dos atentados de Paris a Europa voltar a ser assolada por novos atentados, é importante sublinhar que desde 15 de Novembro até hoje não foram feitos, na verdade, muitos progressos ao nível da resposta europeia comum anti-terrorista. Relembre-se que, na altura dos atentados de Paris, a União Europeia não activou a cláusula de solidariedade prevista no artigo 222 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que implicaria uma resposta coordenada e colectiva dos vários Estados-membros, tendo antes o Governo francês preferido optar pelo artigo 42 do Tratado da União Europeia, que situou a resposta no plano intergovernamental. Isto teve uma razão, que era a França querer total liberdade para responder da forma que pretendia aos atentados e de imediato tomou medidas concretas ao avançar para os ataques aéreos a bases do Estado Islâmico na Síria. O problema é que do lado da União Europeia pouco foi feito à excepção do reforço ou finalização de algumas medidas que já estavam em curso, tais como o fortalecimento das fronteiras externas, o combate ao tráfico de armas, o controlo do financiamento a grupos terroristas, o melhoramento na troca de informação entre Estados-membros ou a finalização do Passenger Name Record (PNR), que está neste momento em avaliação no Parlamento Europeu. Entretanto, está em cima da mesa uma proposta de directiva europeia que pretende actualizar ou melhorar os mecanismos de criminalização de alguns actos associados indirecta ou directamente a terrorismo, tais como alguém viajar com uma finalidade ligada a terrorismo, financiamento, treino, apoio logístico, entre outros. No âmbito da Europol, foi criado o novo centro antiterrorista com sede em Haia e que arrancou com 40 analistas. A questão é que todas estas medidas, além de não serem propriamente novas, não parecem ser suficientemente ambiciosas para lidar com um problema que só pode ser resolvido com acções efectivas comuns de "intelligence", policiais e militares.

 

4. E já agora, faça-se este pequeno exercício: com tanto que se tem falado em terrorismo e anti-terrorismo nos últimos tempos, quantas vezes os jornais ou televisões têm mencionado o nome do Coordenador da Luta Antiterrorista da União Europeia? Que eu me tenha apercebido, poucas ou nenhuma. Aliás, provavelmente, poucos saberão o seu nome. Chama-se Gilles de Kerchove e já está no cargo deste 2007. É sintomático.

 

O privilégio de percorrer a Via Dolorosa

Alexandre Guerra, 22.03.16

 

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Uma pintura de Giovanni Cariani (1490-1547) que retrata Verónica a ir de encontro a Jesus Cristo, quando este percorria a Via Dolorosa em direcção ao Calvário, para, com o seu véu, lhe limpar o sangue e suor do rosto, que ficou estampado no tecido. E assim terá ficado, tendo o "Véu de Verónica" se tornado numa das mais famosas "relíquias" do Cristianismo.

 

A Semana Santa, além do seu significado religioso, representa um dos acontecimentos políticos mais importantes da Humanidade: a chegada de Jesus Cristo, o "rei" dos judeus revoltosos contra o domínio de Roma, a Jerusalém. Os dias que se seguiram foram conturbados, de autênticas manobras políticas, conspirações e traições. No fim, a condenação de Jesus Cristo, não sem antes sofrer na caminhada pela Via Dolorosa com a cruz às costas, perante uma sociedade instrumentalizada e instigada. 

 

O percurso final de Jesus Cristo para o Calvário, na altura situado numa colina fora da cidade velha de Jerusalém, começa no local onde Pilatos terá "lavado as mãos" e desresponsabilizado-se do destino do "rei" dos judeus. A partir daí, a Via Dolorosa vai atravessando parte da cidade velha de Jerusalém, prolongando-se até à Igreja do Santo Sepulcro. É sem dúvida uma experiência única e de um interesse admirável. Já o fiz várias vezes, mas em dois anos seguidos conturbados, marcados pela violência da intifada de al Aqsa (de Setembro de 2000 a 2005), que afastaram por completo os turistas da Cidade Santa. Se é verdade que esse facto provocou um enorme rombo no comércio local, por outro lado, proporcionou uma experiência rara, ao permitir a um estrangeiro andar pelas muralhas da cidade de Jerusalém apenas em convívio exclusivo com os autóctones.

 

Efectivamente, andar horas pelas ruelas e vielas dentro das muralhas sem encontrar um único estrangeiro era algo impossível nos anos 90, quando se assistiu a uma revitalização do turismo em Jerusalém, fruto de um clima de desanuviamento entre palestinianos e israelitas. Mas, tudo mudou com o início da intifada de al Aqsa. E, foram tantas as vezes que estive na Igreja do Santo Sepulcro ou no Muro das Lamentações sem um único turista à vista. Esta situação prolongou-se por vários anos, e só até há poucos anos os visitantes começaram a regressar ao Médio Oriente.

 

Regressando à Via Dolorosa, é particularmente emocionante percorrer as várias estações que compõem aquele percurso e que assinalam diferentes momentos bíblicos dessa caminhada de Jesus Cristo, realizada nesta altura do ano há cerca de 2000 anos. É quase como que um exercício interior e introspectivo, aquele de encontrar as placas com as etapas da passagem de Jesus Cristo. Recordo que sem turistas e guias, lá fui descobrindo os vários pontos nas inúmeras vezes que caminhei pelas ruas da Via Dolorosa. Na altura, não deixei de pensar que a violência da intifada de al Aqsa teve consequências trágicas para israelitas e palestinianos, mas, ironicamente, foi essa mesma violência que acabou por criar um ambiente totalmente hostil ao turismo de massa, e que acabou por revelar aquilo que faz de Jerusalém um local especial na história da Humanidade.

 

Para mim, foi um privilégio visitar Jerusalém e percorrer a Via Dolorosa nesses tempos.

 

Leituras

Alexandre Guerra, 04.03.16

 

O embaixador Francisco Seixas da Costa, no seu habitual artigo de opinião no Jornal de Notícias, aborda esta Sexta-feira um tema recorrente e que se prende com os (novos) hábitos dos políticos nos ambientes formais que frequentam, em concreto, no que diz respeito à sua indumentária. Em A liturgia das instituições, Seixas da Costa faz uma leitura carregada de bom senso e de equilíbrio: "Não é tanto a falta de gravata que se contesta: há modos de vestir sem gravata cuja manifesta elegância substitui a de um fato tradicional." No mesmo artigo, é contada ainda uma história de um humor refinadíssmo que aconteceu com Álvaro Cunhal, precisamente a propósito de "trajes tradicionais":