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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Tribunal Supremo sutura a "mais grave ferida do capitalismo em Espanha"

Alexandre Guerra, 28.01.16

 

Em Portugal, tivemos o BPP, o BPN, o BES, o BANIF, casos que demonstraram a falência das instituições reguladoras, nomeadamente do Banco de Portugal e da CMVM. Em Espanha, o caso do Bankia representou igualmente um rude golpe na credibilidade da Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV) e do Banco de España. Além disso, estes exemplos revelaram uma desastrosa e nefasta intervenção do poder político, no entanto, parece haver agora uma grande diferença entre os dois países: a justiça espanhola pronunciou-se de forma dura e inequívoca em defesa dos accionistas que foram levados ao engano a subscreverem acções daquela instituição (by the way, há aqui muitas semelhanças com o que aconteceu com o último aumento de capital do BES. Conhece-se alguma decisão judicial???)

 

É precisamente sobre essa decisão histórica em Espanha que fala o editorial de hoje do El Mundo, La condena a Bankia prueba el fracasso de las instituciones. Também no El País, no artigo de opinião, Fumata blanca para los accionistas de Bankia, pode ler-se o seguinte: "El Tribunal Supremo acaba de tomar una decisión histórica que cierra —aplicando puntos de sutura que dejaran una marcada cicatriz— la más grave herida contemporánea del capitalismo en España."  

 

A luz do "farol" europeu está cada vez mais esbatida

Alexandre Guerra, 27.01.16

 

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 Refugiados em direcção à Macedónia (Dan Kitwood/Getty Images)

 

Numa das suas deambulações nocturnas em que se entregava à reflexão, o personagem principal de uma das obras primas de Hermann Hesse problematizava sobre o que era ser europeu naquele presente. Estava-se nos anos 20 e o "lobo das estepes" estava angustiado com o esbatimento das referências culturais e sociais herdadas da "antiga europa". Questionava-se ele se os valores de outrora não estariam esquecidos: "Será que aquilo que consideramos 'cultura', aquilo que consideramos espírito, alma, belo, aquilo que consideramos sagrado, não era senão um espectro, estava morto há muito e já só por nós, um punhado de tolos, era tomado por verdadeiro e como estando ainda vivo?" 

 

Uma pergunta que, certamente, todos aqueles que se dedicam a estas matérias filosóficas poderão fazer em diferentes momentos da História. Porque, a Europa política, cultural e social tem sido uma construção de séculos, assente nos pilares do conhecimento e da filosofia da antiguidade clássica, na paixão e fraternidade judaico-cristã. Foi essa herança que deu corpo a uma certa ideia de "união europeia", não apenas de Estados ou nações, mas de valores e princípios, que seriam um "farol" referencial no mundo contemporâneo, como o foi há séculos o Farol de Alexandria, cuja sua luz representava a proximidade ao progresso civilizacional e ao saber acumulado.  

 

Esse projecto da construção europeia veio permitir um tempo de paz e de progresso no pós-II GM sem paralelo na sua história e apesar das dificuldades económicas e sociais que têm assolado alguns países europeus ao longo destas décadas, os valores e princípios têm sido o sustentáculo desta ideia comum de Europa. Mas são precisamente estes valores e princípios que sofrem agora um rude golpe, cometido por um dos "seus"  e que nos leva a questionar sobre a solidez daquilo que herdámos no que diz respeito aos direitos elementares do Homem enquanto ser social e que no quadro europeu estão consignados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. As recentes medidas aprovadas pelo parlamento da Dinamarca, que permitirão confiscar os bens de refugiados acima dos 1340 euros e impossibilitam a reunião familiar de refugiados num prazo de três anos, fazem lembrar outros tempos trágicos, onde milhões de pessoas foram despojadas daquilo que tinha para contribuir para o esforço de guerra. 

 

De notar que o pacote legislativo agora aprovado na Dinamarca está num nível de gravidade bem mais acima do que aquilo que foi adoptado na Hungria e na Polónia recentemente, porque, embora estas medidas polémicas tenham violado o direito comunitário, no caso dinarmaquês estamos perante ofensas claras à dignidade humana, aquilo que, até agora, parecia ser inviolável nessa ideia de "união europeia" e que nos tornava o tal "farol" dos tempos modernos. É certo que os Estados devem ter uma visão realista e pragmática para atenuar o impacto da chegada insustentável de milhares de refugiados à Europa, mas o caminho não é seguramente este.

 

Uma nota sobre Guterres

Alexandre Guerra, 22.01.16

 

Em Portugal é comum tecerem-se considerações acríticas altamente elogiosas sobre personalidades políticas que não "ameaçam" os alinhamentos da politiquice caseira, seja porque estão bem longe do país, a desempenhar funções no estrangeiro, ou porque estão...mortas. Almeida Santos foi um dos casos mais recentes que, de um momento para o outro, se tornou uma personagem amada e elogiada por todos (mas isso é outra história). O que o Diplomata quer aqui chamar a atenção é para a ideia generalizada que se instalou aqui no burgo de que António Guterres fez um trabalho irrepreensível enquanto Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Sendo certo que a vários níveis, nomeadamente em termos de ganho de peso político para aquele organismo, conseguiu importantes feitos, já quanto à sua capacidade de se deslocar no terreno e de gerir crises no imediato, o balanço já não é assim tão positivo. Na verdade, várias foram as críticas dentro da própria organização e de antigos responsáveis pela forma pouco hábil e enérgica como Guterres lidou com a crise dos refugiados. Uma das críticas que mais se tem ouvido (não aqui em Portugal) foi o de que Guterres nunca se deslocou à Síria desde que a guerra civil despontou há cinco anos. Por contraste, o seu sucessor desde 1 de Janeiro, o italiano Filippo Grandi, visitou ontem as instalações do Crescente Vermelho em Damasco. Será um sinal de mudança no estilo da liderança do ACNUR? Provavelmente.

 

Coincidência entre aquilo que Obama disse e aquilo que Jed Bartlet queria dizer?

Alexandre Guerra, 15.01.16

 

Uma das passagens mais importantes e interessantes do discurso do The State of the Union proferido por Barack Obama na passada Terça-feira perante o Congresso passou quase despercebida à generalidade da imprensa norte-americana e mundial, quando anunciou um novo esforço nacional para que a América possa descobrir a cura para o cancro. Como exemplo inspirador, Obama relembrou o feito nacional alcançado pela América nos anos 50 e 60 ao ter conseguido suplantar o programa espacial soviético e em apenas 12 anos ter colocado o Homem na Lua. Isto foi dito por Obama no passado dia 13 de Janeiro de 2016 e a medida de grande mérito que foi anunciada só pode ser merecedora de todo o apoio.

 

Porém, naquilo que diz respeito à componente da comunicação política e ao trabalho do "speechwriter" de Obama houve algo que chamou a atenção do Diplomata. Por mera coincidência, estava esta Quinta-feira à noite (14) a ver o 13º episódio da terceira temporada da célebre série The West Wing, que terá ido para o ar algures entre Outubro de 2001 e Maio de 2002, e o enredo que se estava a desenvolver centrava-se precisamente nos dias antecedentes ao discurso do Estado da União do "Presidente" Jed Bartlet (Martin Sheen). A determinada altura, no meio da azáfama criativa para a elaboração dos vários "drafts", Bartlet chama o seu "staff" de comunicação para lhes apresentar uma ideia para o discurso e começa a enquadrar precisamente com o progama espacial norte-americano e da ida do Homem à Lua. O então "Presidente" dá isto como exemplo da capacidade de realização dos Estados Unidos quando definem algo como um esforço nacional e é logo de seguida que diz aos seus assessores e conselheiros que gostava de anunciar no discurso a intenção da América descobrir a cura para o cancro num prazo máximo de dez anos. 

 

Aconselhado pelo seu "staff", aquela passagam acabaria por não ser incluída no texto final, mas não deixa de ser extraordinária a semelhança entre a narrativa que sustentou as intenções do "Presidente" Jed Bartlet e aquilo que foi proferido por Obama na passada Terça-feira. Curiosamente, há umas semanas, quando o vice-Presidente Joe Biden deu uma entrevista a falar neste mesmo assunto, houve alguém que também se apercebeu e colocou um vídeo no youtube. A semelhança entre aquilo que Obama disse e o que Jed Bartlet queria dizer será apenas uma coincidência? 

 

O último discurso do State of the Union de Obama

Alexandre Guerra, 12.01.16

 

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Barack Obama com o seus assessores Cody Keenan (esq.) Benjamin J. Rhodes e Jennifer Psaki/Foto: Doug Mills/News York Times
 
Ao contrário dos anos anteriores no discurso do "State of the Union", desta vez Barack Obama não deverá apresentar uma lista de propostas ou medidas para implementar. Deverá antes aproveitar o momento para moldar o debate presidencial e definir o rumo que a América deverá seguir com um novo Presidente [democrata, leia-se]. Como referia o New York Times, este discurso é muito importante porque, de certa forma, marca a transição entre um Obama que tem sido central na acção política para um Obama que passará a ser um "célebre espectador". Também um antigo "speechwriter" de Bill Clinton disse que um Presidente no seu oitavo ano de mandato não tem a mesma voz de comando que já vez teve. Por isso, no discurso desta noite, Obama vai estar sobretudo a falar para os americanos (e não para os congressistas), imprimindo um registo de balanço positivo da sua governação, por forma a tentar inverter alguns estudos de opinião que demonstram que a maioria dos americanos está descontente com o rumo que o país está a levar.
 
De acordo com algumas fontes próximas de Obama, o registo do discurso desta noite deverá ser optimista, enaltecendo a criação de emprego, de modo a contrastar com a visão pessimista dos republicanos. Além disso, o discurso de Obama vai ser importante para os candidatos, não propriamente pelo seu conteúdo, mas pelas ondas de choque que pode provocar junto do eleitorado. Isto permitirá aos candidatos afinar estratégias e perceber melhor que caminho devem seguir. No discurso que Obama vai proferir hoje à noite não irá apoiar qualquer candidato presidencial, mas irá, naturalmente, tentar dar uma "ajuda" a Hillary Clinton, enfatizando o seu apoio a temas como as alterações climáticas, controlo de armas e imigração.
 

Leituras

Alexandre Guerra, 05.01.16

 

Trump Did Not Break Politics, artigo de opinião no New York Times da autoria de Mark Schmitt, director do programa de reforma política do think tank New America, aborda a forma como os políticos republicanos e democratas se relacionam com o seu eleitorado em termos programáticos e de que modo o pragmatismo eleitoral pode, por vezes, se sobrepor aos vincos ideológicas. 

 

Começa bem o ano no Médio Oriente

Alexandre Guerra, 04.01.16

 

O Ano Novo começa de forma escaldante para os lados do Médio Oriente (para não variar). Riade decidiu reavivar (e de que forma) um dos conflitos mais antigos dentro do Islão, aquele que opõe o ramo xiita ao sunita. Em poucas horas, assistiu-se a uma escalada na crise diplomática entre a Arábia Saudita (sunita) e o Irão (xiita), com vários países sunitas a "alinharem" com o regime da Casa de Saud. Por outro lado, Teerão já deu provas de não estar minimamente interessado em apaziguar esta conflito. Os próximos dias prometem desenvolvimentos preocupantes.