Nestas coisas da Política (leia-se a arte de governar) é preciso habilidade, alguma criatividade e até mesmo ousadia, porque, normalmente, as possibilidades de escolha com que um governante (ou aspirante a tal) se depara são (quase que por definição) males menores. Na verdade, raras são as vezes em que o decisor pode optar pela solução (quase) perfeita, já que esta não se enquadra no quadro normal da Política. Aliás, se um qualquer governante tivesse pela frente opções virtuosas óbvias e inequívocas, o seu papel estaria de tal forma facilitado que poderia ser desempenhado por qualquer um, assente num critério meramente técnico.
Como disse um antigo pensador da Antiguidade, se todos fôssemos anjos, então a Política não seria necessária. Mas, a realidade é que vivemos no reino dos homens e cabe ao político governá-los, normalmente, em cenários adversos quando se trata do processo de decisão. E quando todas as vias se esgotam, a decisão do político poderá implicar a escolha de um caminho menos ortodoxo, para lá das regras estabelecidas nos manuais ou, até mesmo, da prática política.
Este pensamento vem a propósito do mais recente quadro pós-eleitoral em Portugal, marcado por um impasse na formação de Governo, no qual muitos políticos, analistas e comentadores têm dissertado, mas sem que qualquer um deles tenha visto o óbvio: é preciso ir à procura da solução do mal menor e ela está à vista de todos, sendo uma mistura de política pura e dura com aritmética básica.
Actualmente, a coligação PSD-CDS tem 104 lugares na Assembleia da República, precisando de 12, e apenas 12, para ter a maioria absoluta no Parlamento. Ou seja, não precisa de mais deputados além desses. Perante a dificuldade que se vislumbra, pelo menos até ao momento, num acordo com o principal partido da oposição (que até ameaça coligar-se com outras forças de esquerda para formar Governo, embora não tenha sido o partido mais votado) , os estrategos da coligação governamental deviam focar-se antes na forma de como arranjar mais 12 deputados para poderem viabilizar os principais diplomas na Assembleia nos próximos quatro anos.
Refira-se, aliás, que isso já foi feito em Portugal com um Governo de minoria, liderado na altura por António Guterres, embora na altura tenha apenas precisado de "arranjar" só mais um deputado da Assembleia para aprovar os orçamentos de 2001 e 2002. Neste caso em concreto, Guterres foi à bancada do CDS-PP negociar com o deputado Daniel Campelo que, na defesa dos interesses da sua região (tinha sido eleito pelo círculo de Viana do Castelo), chegou a acordo com o primeiro-ministro. Diga-se que o negócio foi proveitoso para ambos: Guterres conseguiu manter o seu Governo em funções e Campelo tornou-se o exemplo de um deputado e autarca que colocou os interesses da sua região acima das lógicas partidárias.
O "negócio" que Guterres e Campelo fizeram é uma prática bastante comum, por exemplo, no Congresso norte-americano, sendo usual ver-se congressistas democratas a viabilizarem legislação republicana e vice-versa, e isto não implica necessariamente acordos alargados entre as cúpulas dos dois partidos. Tudo depende do que se negoceia. Ora, os homens que estão nos bastidores da coligação não parecem ter esta noção e parecem querer insistir numa solução idílica (coligação com PS), esquecendo-se que na Política às vezes as soluções possíveis são aquelas que resulta do pragmatismo, da dureza e até mesmo do cinismo.
Assim de repente, o Diplomata identifica três ou quatro nomes do PS que, certamente, estariam abertos a viabilizar os orçamentos da coligação na Assembleia da República, por estarem descontentes com o rumo que António Costa estar a dar a todo este processo. Seguramente, que, com jeitinho, seria possível encontrar-se mais alguns "descontentes" na bancada do PS e que estariam dispostos, em nome da Pátria, de sustentar a actual coligação no Governo em vez de virem o seu partido a coligar-se com o PCP ou BE.