"A aparição do termo 'negritude' verificou-se à volta de 1935, e foi criado por Aimé Césaire (nasceu em 25 de Junho de 1913) e por Lépold Sédar Senghor (nasceu em 9 de Outubro de 1906), para designar uma personalidade africana, que Senghor assim definiu: 'o que faz a negritude de um poema, é menos o tema do que o estilo, o calor emocional que dá vida às palavras, que transmuda a palavra em verbo'. É, portanto, com estas duas personalidades que a tese da negritude começa a esboçar-se, prcurando definir e assentar as infra e as super-estruturas. Mas há-de ser, contudo, a publicação do ensaio esclarecedoramente intitulado 'Orphée noir', de Jean-Paul Sartre, que virá dar possibilidades de sistematização aos dados até então dispersos pelas obras daqueles pensadores e de outros escritores negros, crioulos e malgaches de expressão francesa. [...] Aimé Césaire e Senghor forneceram, contudo, as primeiras bases para esta incursão no plano do irracional. O primeiro, num poema célebre, fala-nos em
'aqueles que não inventaram nem a pólvora nem [a bússola
aqueles que nunca souberam domar o vapor nem [a electricidade
aqueles que nunca exploraram nem os mares nem [o céu
mas aqueles sem os quais a terra não seria a terra',
enquanto Senghor, num campo menos dúbio de interpretação do que a poesia, encontrava uma fórmula para explicar o que poderia haver de dicotómico, de frontalmente oposto, entre os valores ocidentais europeus e os que pertenceriam à África negra: 'a emoção é negra como a razão é helena', que mais tarde, havia de explicar mais miudamente, escrevendo: 'tem-se dito com muita frequência que o negro é o homem da natureza. Vive tradicionalmente da terra e com a terra, no e pelo cosmos.'
E a estas afirmações que Sartre vai beber directamente o fundmental da sua teoria da negritude, que coloca brancos e negros em posições antiéticas, que só forçadamente podem ser complementares, pois que, comentando os versos de Césaire, nos diz que esta reivindicação altiva da não tecnicidade inverte a situação de penúria, transformando-o num elemento positivo: 'o que podia passar por uma falha transformar-se em fonte positiva de riqueza. A relação técnica com a Natureza revela-a como quantidade pura, inércia, exterioridade: ela morre. Pela sua recusa altiva de ser homo-faber, o negro devolve-lhe a vida.'"
in "Negritude e humanismo" de Alfredo Margarido (Edição da Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, 1964)