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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Reconstruir a confiança

Alexandre Guerra, 30.10.13

 

Foto:Michael Sohn/AP

 

Angela Merkel enviou uma delegação a Washington para se reunir esta Quarta-feira com altos representantes da comunidade norte-americana de "intelligence", com o objectivo de se discutir o polémico programa de vigilância que a National Security Agency (NSA) terá feito ao telemóvel da dirigente alemã durante mais de uma década e que terá terminado há poucos meses.

 

O assunto é muito sensível e poderá minar as relações históricas de confiança que têm existido entre os Estados Unidos e a Alemanha. Ao fim e o cabo, aquilo que os documentos divulgados por Edward Snowden puseram a claro é muito grave entre dois países aliados. De tal forma, que o próprio Barack Obama tentou atenuar os "estragos" diplomáticos ao propor uma revisão das políticas de "intelligence" entre os Estados Unidos e a Alemanha.

 

Merkel reagiu com alguma prudência, mas visivelmente desagradada com a situação, a tal ponto de enviar dois dos seus principais conselheiros a Washington. Para já, pretende-se reconstruir alguma confiança que possa proporcionar uma plataforma negocial, porque é quase certo que algo irá mudar entre os dois países. Resta agora saber aquilo que a Alemanha irá exigir aos Estados Unidos, por modo a repor a confiança entre os dois países.   

 

Lisboa e Luanda distraem-se com "recados" e não previram escalada em Moçambique

Alexandre Guerra, 22.10.13

 

Enquanto Lisboa e Luanda andavam entretidas a trocar "recados" infantis, em Moçambique vivia-se uma autêntica escalada de conflito, que culminou esta Segunda-feira no fim unilateral, por parte da Renamo, do acordo de paz de 1992. Esta decisão surgiu depois das Forças Armadas terem atacado a base do principal partido da oposição liderado pelo histórico Afonso Dhlakama.

 

Além daquela declaração política, os homens da Renamo ripostaram com um ataque militar a um posto da polícia em Maríngue, na província de Sofala, que nos últimos meses tem vivido momentos de violência e bastante tensão entre forças afectas à Renamo e tropas governamentais.

 

Desde há alguns meses que a tensão era latente em Moçambique entre as fileiras da Renamo e a Frelimo, partido do Governo, tendo o Diplomata chamado a atenção para esse facto em Abril último. No entanto, poucos ou nenhuns esforços internacionais, nomeadamente no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), foram encetados para tentar resolver aquilo que era uma situações potencialmente desestabilizadora no frágil mas promissor processo de pacificação.

 

Na altura, o escrevia-se aqui o seguinte: "Para já, é apenas uma suposição do Diplomata, mas os acontecimentos dos últimos dias na província de Sofala vão muito além de meros incidentes entre militantes da Renamo e forças do Estado afectas à Frelimo." 

 

Tudo se torna agora mais preocupante, quando é o próprio porta-voz da Renamo, Fernando Mazanga, a afirmar hoje à AFP que Dhlakama "perdeu o controlo da situação e não podem responsabilizá-lo pelo que está agora a passar-se”, já que os rebeldes daquele movimento estão a agir por sua conta e risco. 

 

É incompreensível e lamentável que tanto Angola como Portugal não tivessem antecipado este problema e dado uma resposta preventiva cabal, por modo a evitar-se chegar a este ponto. E, como já aqui ficou demonstrado, tanto Luanda como Lisboa não podem alegar falta de conhecimento do que se passava no terreno para justificar a sua inacção diplomática.

 

A diplomacia portuguesa, liderada pelo inábil Rui Machete, limita-se a enviar um comunicado inócuo para as redacções, fazendos "votos" que Moçambique regresse a um quadro de normalidade e que prossiga no "caminho do desenvolvimento económico e do progresso social". Luanda, talvez mais ocupada com as incursões em solo do Congo Brazzaville e da República Democrática do Congo, não tomou qualquer posição digna desse nome em relação ao que se tem passado em Moçambique nos últimos meses.


Mas, para lá do nível bilateral, era no âmbito multilateral da CPLP que deveria ter sido forjada uma solução diplomática. Tal não aconteceu. E neste capítulo, ao não assumir uma voz activa nesta crise moçambicana, enquanto potência regional, Angola está a admitir implicitamente a sua incapacidade política-diplomática para intervir junto dos actores moçambicanos. Quanto a Portugal, pode tentar suscitar no seio da CPLP uma declaração comum que se concretize numa acção negocial em Moçambique.


Registos

Alexandre Guerra, 17.10.13

 

Numa mensagem gravada, o Príncipe Carlos dirigiu-se à Associação Nacional de Fundos de Pensões para apelar à sua "resiliência a longo prazo" no que concerne à gestão dos seus portfólios. Caso contrário, corre-se o risco de condenar as novas gerações a "um futuro excepcionalmente miserável". Palavras certeiras do monarca britânico. 

 

O despacho...

Alexandre Guerra, 16.10.13

 

"Num dia dos anos 80, numa conversa em Luanda, quando era por lá diplomata, uma figura que viria a ter responsabilidades nas relações externas daquele país disse-me, mais ou menos, esta frase: 'O peso da guerra colonial é muito forte. Portugal e Angola estão presos um ao outro. Umas vezes, isso será uma coisa boa, noutras vai ser bastante má. O futuro estará nas mãos dos que melhor souberem gerir a impaciência e a irritação que, durante muitos anos, vai continuar a existir entre nós.' Isto foi afirmado num momento menos bom das relações bilaterais, com a guerra civil angolana e fortes tensões entre Luanda e Lisboa. Lembro-me desta frase muitas vezes e ainda não encontrei razões para infirmar a sua justeza."

 

O testemunho do embaixador Francisco Seixas da Costa nas páginas do jornal Público sobre as relações entre Portugal e Angola, no qual critica os episódios de excesso "seguidismo" quase "subserviente" de Portugal em relação a Angola e, por outro lado, a "grosseira ingerência na vida interna do país" por parte das elites portuguesas. 

 

Quando os budistas pregam a violência...

Alexandre Guerra, 08.10.13

 

 

Um homem vê o que resta de uma mesquita incendidada pelos budistas do movimento 969 nos arredores da cidade de Thandwe, na região de Rakhine, /Foto:Reuters/Soe Zeya Tun

 

O autor destas linhas lembra-se de há uns anos ter tido uma ou duas discusões vibrantes com uma amiga que olhava para algumas religiões orientais com bastante ingenuidade e deslumbre. Nelas, via apenas virtudes, portas de acesso ao "nirvana", sem qualquer tipo de mácula ou sementes geradoras de conflitualidade. 

 

O hinduísmo ou o budismo eram, por oposição às religiões que se praticam no Ocidente, o expoente máximo da harmonia, distanciadas das perversidades terrenas.  

 

Ora, como a História está farta de mostrar, já se cometeram as maiores barbaridades em nome de todas as religiões. E que ninguém se deixe enganar pelo aspecto simpático e trascendental dos budistas, como se caminhassem acima do mundo terreno, lá, no "Tecto do Mundo".

 

Pois, são esses mesmo seguidores de Buda que andam a semear a violência nalgumas zonas de Myanmar (Birmânia). Desde Junho do ano passado que um movimento sectário budista desencadeou uma campanha violenta contra a minoria muçulmana Roingya, que representa cerca de 5 por cento da população birmanesa e que reside maioritariamente no estado de Rakhine.

 

Este movimento, chamado 969 [números que simbolizam o Buda] e liderado por monges budistas, assume claramente o seu ódio aos muçulmanos, espelhado nos ataques a mesquitas, boicotes a negócios e actos de extrema violência. Até ao momento já morreram mais de 240 pessoas e foram deslocadas cerca de 140 mil, no entanto, o movimento 969 continua a reunir a simpatia da elite política, nomeadamente do Presidente Thein Sein.

 

É desta que é o princípio do fim

Alexandre Guerra, 02.10.13

 

Gregorio Borgia (AP)

 

Silvio Berlusconi sofreu esta Quarta-feira uma derrota que poderá representar o princípio do seu fim político. Hoje, e talvez pela primeira vez na sua longa carreira, o Il Cavaliere foi confrontado no Senado com o sabor amargo da perda de influência nas suas próprias hostes.

 

Com o objectivo de tentar fazer cair o Governo de Enrico Letta, Berlusconi exigiu aos cinco ministros do seu partido Povo da Liberdade que integram o Executivo que se demitissem, no entanto, o chefe do Executivo foi inteligente e não aceitou a demissão. Letta, talvez percebendo as divergências no seio do Povo da Liberdade, decidiu esticar a corda e submeter-se a uma moção de confiança. Uma estratégia aceitável, atendendo às declarações de Angelino Alfano, o número dois do Povo da Liberdade, que defendeu o apoio do partido à coligação do Governo.

 

Hoje, as notícias revelam que os cinco ministros do Povo da Liberdade poderiam também estar dispostos a desafiar Berlusconi. Esta tendência acabou por confirmar-se esta manhã, com vários senadores daquele partido a darem a entender que iriam aprovar a moção de confiança, contrariando o plano inicial de Berlusconi

 

Il Cavaliere estava convencido que chegaria hoje ao Senado e os seus 91 deputados acatariam unanimamente o seu desejo e chumbariam a moção de confiança. Ora, não só isso não aconteceu, como o próprio Berlusconi foi obrigado a voltar atrás e a votar favoravelmente a moção de confiança, por modo a não perder ainda mais a face. Aquilo que seria um momento para derrubar o Governo de Letta, acabou por se tornar um embaraço para Berlusconi, provocado pelos seus próprios correligionários.

   

Chantagem republicana

Alexandre Guerra, 01.10.13

 

Doug Mills/The New York Times

 

Que o Diplomata se lembre -- pelo menos desde os anos Clinton -- nunca um Presidente americano, como Barack Obama, enfrentou tantas dificuldades no Congresso relativamente a questões orçamentais. A maioria republicana na Câmara dos Representantes não tem dado descanso a Obama, impondo constantes bloqueios em matérias orçamentais. 

 

Desta vez, a intransigência dos republicanos liderados por John Boehner levou a que os Estados Unidos voltassem a viver um "shutdown", algo que não acontecia desde 1996.

 

Desde a meia noite -- hora limite para republicanos e democratas no Congresso terem chegado a acordo sobre o Orçamento -- que os serviços do Governo federal estão paralisados, com excepção das forças de segurança e dos controladores de tráfego aéreo. Cerca de 800 mil funcionários vão ser afectadas, ficando sem trabalhar e sem receber até o Congresso desbloquear este impasse.

 

Na origem desta situação está a chantagem (não há outra forma de chamar à coisa) que os republicanos na "House" estão neste momento a fazer com Obama, aproveitando a aprovação do Orçamento para pressionar a Casa Branca a fazer concessões no "Obamacare".

 

Ora, o Affordable Care Act ficará para a história como uma das medidas mais importantes do legado de Obama, um verdadeiro salto civilizacional. Alterar agora esse programa é defraudar as expectativas e a esperança de milhões de americanos de poderem ter acesso a um seguro de saúde.

 

Obama, que terá certamente muitos defeitos mas ninguém o pode acusar de não ser um homem de consenso, tem tentado ir pelo caminho da negociação. Porém, há um grupo de republicanos irredutíveis que está neste momento a querer vingar-se de Obama por causa do "Obamacare", com o qual nunca concordaram e, efectivamente, nunca digeriram politica e ideologicamente a sua aprovação.