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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Território, incêndios e soberania nacional

Alexandre Guerra, 30.08.13

 

Dizem os manuais de Ciência Política que os elementos constitutivos do Estado são três: Governo, povo e território. Este tríptico assume um estatuto quase divino a partir do momento em que a integridade e a inviolabilidade de cada elemento são essenciais para a manutenção da soberania de um Estado.

 

Um Estado que veja ameaçado o seu território, o seu povo ou o seu Governo, é um Estado que se vê ameaçado a si próprio, que vê ameaçada a sua soberania.

 

É verdade que as fronteiras da soberania têm revelado uma enorme elasticidade, levando a que os Estados redefinam historicamente os conceitos de interesse e de defesa nacional. No entanto, nos Estados ditos ocidentais qualquer ameaça que recaia sobre um daqueles três elementos deve ser vista como contrária ao interesse nacional e um perigo para a defesa nacional.  

 

Daqueles três elementos, talvez o “povo” e o “Governo” tenham sido os mais imutáveis desde a antiguidade clássica. Na verdade, os seus conceitos pouco se alteraram e, como tal, também as suas ameaças. Já o conceito de “território” tem sofrido várias mutações ao longo da história dos Estados.

 

O “território” enquanto mera delimitação geográfica já faz pouco sentido em países como Portugal, integrados em zonas geopolíticas estáveis e consolidadas. Ou seja, perspectivar a ameaça com base neste princípio é um exercício obsoleto. Quanto muito servirá para parangonas de jornais.

 

Se durante muitos anos, décadas e até séculos Portugal teve parte do seu dispositivo militar colocado no terreno em função da fronteira com Espanha, ora, hoje em dia, nada disso faria sentido.

 

Mas isto não quer dizer que o "território" tenha perdido peso no tal tríptico divino aqui referido. Pelo contrário. O conceito evoluiu à medida que as sociedades evoluíram. O "território" deixou de ser um assunto de fronteiras.

 

Hoje, o "território" é, mais do que tudo, o património do País, a fonte de recursos naturais (minérios, água, petróleo, alimentos, madeira).  

 

Da mesma maneira que a violação de uma fronteira do “território” de um País era imediatamente tida como uma ameaça à soberania nacional –tendo por isso os Estados adoptado mecanismos permanentes para fazer face a essa realidade –, hoje esse princípio aplica-se numa lógica diferente: o desvio de um curso de água, a destruição de culturas, a apropriação ilegal de recursos minerais (diamantes de sangue, petróleo, entre outros), o comércio ilegal de madeira, etc.

 

Quanto mais vitais são aqueles recursos para os Estados, mais o interesse nacional está em jogo e, consequentemente, os respectivos mecanismos de prevenção, protecção e reacção.

 

Nem todos os países encaram o seu “território” da mesma maneira nem o valorizam da mesma forma. Sobre essa matéria é lamentável que Portugal seja um triste exemplo, não valorizando qualquer componente do seu “território”.

 

Em sentido contrário, encontram-se países como a Noruega, Israel, Egipto, Sudão e Etiópia, Brasil ou Serra Leoa que, por razões diferentes, fizeram do seu território/recursos uma questão de segurança nacional. Um assunto de guerra se for caso disso.

 

Isto não significa que as suas políticas na valorização e na protecção do território/recursos sejam totalmente profícuas, mas revela uma abordagem do Estado mais actual e sensível àquilo que é a defesa da soberania nacional em termos territoriais.

 

A Noruega vê a sua área florestal (cerca de 38 por cento do território) como um meio de sobrevivência económica e, como tal, tem políticas de preservação únicas no mundo. Israel protege os seus parcos recursos hídricos a todo o custo. Com as forças de segurança israelitas (IDF) se for preciso. Também o Egipto, o Sudão ou a Somália não contemplam no que diz respeito à utilização das águas dos Nilos (azul e branco). O Brasil já há muito que assumiu a problemática da desflorestação como um assunto de superior interesse nacional, embora se trate de um combate muito difícil. E a Serra Leoa, um dos países mais pobres do mundo e devastado por uma guerra civil, conseguiu nos últimos anos implementar uma série de reformas para a protecção da indústria da extracção de diamantes, que tem um peso considerável no PIB do país.

 

Em Portugal, e com a questão das fronteiras há muito resolvida, a “defesa” do território foi secundarizada. Deixou de ser um assunto de soberania. Hoje, o "território" é o placo onde todas as atrocidades acontecem, perante a complacência do Estado e do Povo. Os rios são invadidos cegamente com barragens, os habitats naturais são destruídos sem complacência, o betão invade a costa nacional sem qualquer critério e milhares de hectares ardem todos os anos sem que haja qualquer mudança no paradigma da noção de "território".

 

Os lamentos lá se vão ouvindo de ano para ano, elogiam-se os bombeiros voluntários, discutem-se os problemas de sempre, mas tudo fica na mesma. Imagine o leitor que um dia destes os espanhóis entravam por Portugal adentro e que os portugueses se limitavam a encolher os ombros.

 

É um pouco o que acontece com a tragédia dos incêndios que todos os anos ameaça a soberania nacional, e à qual ninguém dá a resposta adequada.

 

E que resposta seria essa? Começaria pela reconsideração e redefinição da ideia de “território” ao abrigo do Conceito Estratégico de Defesa Nacional. A partir daí, seriam adoptados os mecanismos necessários para fazer face àquilo que seria considerado uma ameaça à segurança nacional. A seriedade e a veemência com que o assunto seria tratado em nada se assemelharia ao triste e incompetente espectáculo que hoje se assiste na prevenção e no combate aos incêndios.

 

O problema é que o Conceito Estratégico de Defesa Nacional de 2013 se limita a constatar o seguinte sobre a floresta portuguesa: “Prevenir a destruição da floresta e reforçar o empenhamento dos agentes da proteção civil na sua preservação.”

 

Uma banalidade sem qualquer valorização da floresta portuguesa e que não perspectiva a curto prazo uma mudança de paradigma. Enquanto se espera, o território português vai sendo “atacado” ano após anos perante a passividade de todos.

 

Uma fuga inspirada no cinismo político de Nixon

Alexandre Guerra, 27.08.13

 

Após o escândalo do "Watergate", John Carpenter escreveu o argumento de Escape From New York, por considerar que toda a nação americana via no então Presidente Richard Nixon o símbolo máximo do cinismo político.

 

Um filme de série B, revisto há momentos pelo Diplomata, que ganhou estatuto de culto e retrata a operação de resgate, numa Nova Iorque futurista e condenada, de um Presidente americano descredibilizado, a poucas horas de uma cimeira entre os Estados Unidos e a China.

 

O Médio Oriente cada vez mais "entretido" com os seus assuntos

Alexandre Guerra, 18.08.13

 

Consequências do atentado de Sexta-feira em Beirute/Foto AP

 

Com os olhos todos postos no Egipto, passou quase despercebido o ataque bombista de Sexta-feira a sul de Beirute, em pleno bastião xiita do Hezbollah. Morreram 27 pessoas, naquele que foi um dos ataques mais mortíferos desde o início da guerra civil de 1975-1990.

 

Embora o atentado ainda não tenha sido reivindicado, tudo aponta para grupos extremistas sunitas, que vingam a intervenção do Hezbollah na Síria contra os rebeldes sunitas. Adensa-se e alastra-se a toda a região do Médio Oriente o conflito crónico entre sunitas e xiitas.

 

Do desgoverno egípcio à matança síria, passando pelo cocktail explosivo libanês, estando ainda pelo meio o micro e interminável conflito israelo-palestiniano, já há muitos anos que o Médio Oriente não estava tão "entretido" com os seus assuntos.

 

O problema é que desta vez, e ao contrário do que acontecia nos saudosos tempos da Guerra Fria, nenhuma potência externa parece ter mão no que para ali vai.

 

Se o Diplomata fosse dado a teorias da conspiração...

Alexandre Guerra, 16.08.13

 

Avião U-2 na pista de aterragem na Área 51. (Photo credit: CIA)


 

O mundo ficou agora a saber que a misteriosa Área 51 foi um local adquirido pelo Governo americano em 1955 para se desenvolver o ultra-secreto projecto do avião de espionagem U-2. O documento da CIA de 355 páginas agora desclassificado e divulgado pelo National Security Archive vem reconhecer concretamente a existência daquele espaço, embora desde há vários anos que o Governo admitia vagamente efectuar testes no "deserto do Nevada".

 

Para alguns especialistas que há anos se dedicam a este assunto, a informação agora revelada não os apanhou de surpresa, porque já em 1992 este estudo circulava em canais secretos, sendo em 1998 publicada uma versão muito editada e resumida. 

 

Finalmente, a versão total do documento foi desclassificado esta Quinta-feira e é muito interessante por contar toda a história de como os responsáveis do U-2 descobriram aquele local, considerando-o ideal para desenvolver um projecto que devia estar longe dos olhares do público e de eventuais espiões soviéticos. Foi logo no ano de 1955 que se iniciaram os primeiros voos de teste do U-2, coincidindo, naturalmente, com os primeiros "avistamentos" de OVNI's. A parti daí começou a construir-se aquilo que a Foreign Policy considera um dos "grandes mistérios" da América.

 

Estando o mistério aparentemente dissipado, o Diplomata, em jeito de teoria da conspiração, não pode deixar de se questionar sobre o timing da divulgação deste relatório. É certo que o mesmo foi divulgado ao abrigo do Freedom of Information Act, em resposta a um pedido feito em 2005, mas porquê só agora? Mais de vinte anos após o fim da Guerra Fria e dos "segredos" em torno do U-2.


Por que razão esperou o Governo americano tanto tempo para desmistificar, de uma vez por todas, as teorias da conspiração em redor da Área 51, quando há muito já podia ter esclarecido a opinião pública americana sobre este assunto? Sobretudo, se se tiver em consideração que se está a falar de um desenvolvimento de um avião que, embora importante na conjuntura de Guerra Fria (tal como outros projectos), não justifica o secretismo prolongado na história americana. 

 

Se o Diplomata fosse dado a teorias da conspiração, diria que o Governo americano divulgou agora este relatório completo para criar uma cortina de fumo de modo a saciar a curiosidade sobre a Área 51. Talvez, quem sabe, para travar alguns espíritos mais curiosos que tenham persistido em fazer perguntas sobre OVNI's e "homenzinhos verdes".

 

Dilema

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

No Egipto receia-se que a violência que alastra nas ruas se transforme num conflito prolongado de guerrilha urbana entre o Exército e a Irmandade Muçulmana -- esta com capacidade de financiamento e de armamento. Por isso, os opositores ao Presidente deposto, Mohammed Morsi -- desde os mais liberais aos mais conservadores -- precisam que as forças de segurança contenham os homens da Irmandade.

 

Por outro lado, também não querem que o Exército ganhe um controlo absoluto da situação, fazendo do Egipto uma espécie de regime militar autoritário.

 

Entre o radicalismo da Irmandade e o poder absoluto do Exército, as correntes mais liberais e democráticas estão perante um dilema de difícil resolução.

 

Um tsunami muito previsível

Alexandre Guerra, 14.08.13

 

A anarquia reina nas ruas do Cairo/Foto: K. Desouki (AFP)


Sem grande surpresa, o Egipto está a ferro e fogo e ninguém parece ter mão na "rua". "Rua", essa, onde o poder caiu. Não agora, mas a partir do momento em que a eufórica Primavera Árabe se propunha, ingenuamente, levar a democracia aos povos. As chancelarias ocidentais embarcaram nesta aventura politicamente correcta, desprezando as lições da história e o realismo da Política.

 

Desde entao, ou seja, há mais de dois anos, que a Primavera se transformou num Inverno sangrento para muitos paises muçulmanos do Norte de África e do Médio Oriente. A Síria é o exemplo mais trágico. Foi uma espécie de tsunami que, ao contrário dos de origem natural, era bastante previsível. Aliás, o Diplomata, um simples observador das relações internacionais, já tinha alertado, mais que uma vez, para o potencial perigo desta caminhada para o "fim da História", em versão muçulmana. 

 

O resultado está à vista, certamente com Washington, Londres e Bruxelas comprometidas com o seu próprio fracasso, ao olharem para o Egipto numa situação de descontrolo inédito nas décadas mais recentes da história daquele País. 

 

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