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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O fundo bilionário da BP está quase seco

Alexandre Guerra, 30.07.13

 

O gigantesco fundo financeiro de 20 mil milhões de dólares criado pela BP com o objectivo de indemnizar todas as pessoas das comunidades piscatórias ao longo do Golfo do México que foram afectadas pelo trágico acidente ambiental ocorrido na plataforma Deepwater Horizon, a 20 de Abril de 2010, e que provocou a morte de 11 trabalhadores e o derrame de 4 milhões de barris de crude, está a esgotar-se.

 

Daquele fundo apenas restam 300 milhões de euros e ainda falta quase um ano até terminar o prazo para as reclamações de eventuais lesados. A BP anunciou, entretanto, que disponibilizou mais 1,4 mil milhões de dólares para dar resposta a outras reclamações legais. E é muito provável que aquela petrolífera seja obrigada a delapidar os lucros futuros para cumprir com as suas obrigações legais.

 

O Diplomata disse no início de todo este processo que a BP, tal como se conhece, poderia estar condenada. Efectivamente, os custos totais em perdas previstos pela companhia estarão acima de uns astronómicos 42 mil milhões de dólares. Nem uma empresa como a BP poderá estar em condições de assegurar tão avultados encargos, sobretudo numa altura em que a empresa enfrenta outros desafios. Como escrevia o Daily Mail, a questão que se coloca é saber onde a BP vai buscar o dinheiro caso os custos continuem a aumentar. 

 

A decadência de Detroit vista por Eminem

Alexandre Guerra, 27.07.13

 

Há uns dias os Estados Unidos foram confrontados com o pedido da declaração de falência de Detroit, outrora uma cidade pujante ligada à indústria automóvel, mas que não resistiu à desindustrialização dos últimos 20 anos. Já foi a maior metrópole do país, mas hoje conta "apenas" com cerca de 700 mil habitantes, sendo que parte da cidade está condenada ao abandono e sem serviços básicos.

 

Um dos reflexos dessa desoladora realidade é a quantidade imensa de casas abandonadas e decrépitas, perto de 80 mil, que, em muitos casos, servem de abrigo a indigentes e drogados, podendo ser focos de potenciais problemas. Uma temática abordada no filme 8 Mile (2002), com Eminem, sempre com o cenário decadente de Detroit em pano de fundo e que o Diplomata aqui recupera.

 

Cena em que B-Rabbit (Eminem) se inspira com a paisagem decadente de Detroit.



Cena em que B-Rabbit e os amigos, desiludidos com a degradação da cidade, pegam fogo a uma das muitas casas abandonadas em Detroit.  

São Francisco de Assis iria gostar de ver o Papa num Fiat Idea

Alexandre Guerra, 22.07.13

 

"Tumulto na chegada do papa Francisco no Rio de Janeiro" (Legenda da revista Veja)/Foto: Néstor J. Beremblum/Brazil Photo Press/Folhapress

 

Quem teve a oportunidade de acompanhar em directo pela televisão os primeiros quilómetros percorridos pelo Papa Francisco nas avenidas do Rio de Janeiro viu algo absolutamento inédito na história moderna do chefe máximo da Igreja Católica.

 

O Sumo Pontífice sentado no banco de trás de um modesto Fiat Idea (por imposição do próprio), praticamente sem batedores de polícia, ficando a determinada altura literalmente bloqueado numa faixa estreita de rodagem, com camiões de um lado e gente do outro. Mais parecia que o Papa estava parado no trânsito em plena hora de ponta, com a particularidade de centenas de pessoas se atirarem sobre o seu carro na esperança de o ver ou tocar.  

 

No meio desta confusão toda, os agentes de segurança a pé e rigorosamente vestidos de fato faziam todos os esforços para afastar da viatura todos os devotos, numa missão quase impossível, e num cenário incompreensível para uma operação que as autoridades brasileiras tinham supostamente antecipado com todo o cuidado.

 

Falhas de segurança à parte, a devoção franciscana do Papa à simplicidade é meritória e inspiradora, e o Diplomata tem a certeza que São Francisco de Assis iria gostar de ver o Papa num Fiat Idea, de janela aberta a cumprimentar todos aqueles que iam ter consigo.

 

Mais do que a raça, é um capuz na cabeça que transforma um inocente em suspeito

Alexandre Guerra, 17.07.13

 

 Foto AFP

 

A absolvição de George Zimmerman pela morte do jovem negro de 17 anos, Trayvon Martin, veio reacender um debate nos Estados Unidos que, em bom rigor, nunca desapareceu da sociedade, mas que há muito estava adormecido e que agora ressurge com outros contornos. E são esses novos contornos que este autor julga estarem a passar despercebidos na acesa discussão que, entretanto, se gerou. 

 

As manifestações e vigílias que se têm verificado nalgumas cidades americanas contra a decisão do tribunal de Sanford têm expressado a crença histórica inabalável de que os negros na América vivem numa sociedade racista. Um sentimento que voltou a estar à flor da pele perante uma decisão judicial que é toda ela toldado por preconceitos de raça (mas não só) há muito enraizados na sociedade americana.

 

Infelizmente, aqui, não há nada de novo. Se, por um lado, os Estados Unidos, desde a sua "Fundação", têm sido um farol dos direitos humanos, por outro, contêm na sua natureza uma noção muito estratificada de raça e de condição social.  

 

Não há volta a dar, a cor da pele foi determinante no desfecho do julgamento da morte de Trayvon Martin, sobretudo quando o sistema judicial americano coloca nas mãos dos jurados, simples cidadãos, a aplicação da Justiça.

 

Ora, neste caso em concreto, não houve qualquer Justiça e quanto à aplicação da Lei, muito haveria para dizer, como se pode ver por estas cinco questões que o USA Today suscita. Além de que esta decisão parece abrir um precedente grave, porque a partir deste momento qualquer negro de "hoodie" na cabeça pode ser abatido em "legítima defesa".

 

Seja com for, o júri considerou que Zimmerman agiu em legítima defesa, por acreditar que corria perigo de vida, apesar de Trayvon Martin ter feito o que de mais banal qualquer jovem urbano pode fazer: na noite de 26 de Fevereiro de 2012 dirigiu-se a uma loja de conveniência, tendo comprado "ice tea" e um pacote de Skittles.  

 

À saída da loja, Martin colocou na cabeça o capuz do seu "hoodie" e a partir desse momento Zimmerman, um segurança voluntário de um condomínio privado daquela zona, viu ali um indivíduo suspeito. Os acontecimentos precipitaram-se e Zimmerman acabou por alvejar mortalmente o jovem no peito.

 

É aqui que está o pecado original desta história e que reflecte aquilo que é uma conjugação de preconceitos históricos de raça com o que este autor chamaria de novos preconceitos urbanos.

 

Uma simples "sweat com capuz" que escondia o rosto do Martin foi o tónico que faltava para tornar um inocente num potencial criminoso. O Diplomata recorda que na altura gerou-se um debate interessante nalguns círculos sobre os novos preconceitos urbanos que vão muito além das discriminações de raça, de género ou de condição social. 

 

Obama, aliás, veio prontamente afirmar que ele próprio usava "hoodies", uma indumentária que muitos jovens (e adultos) vestem sem qualquer conotação criminosa. Neste sentido foi também o protesto original do congressista democrata Bobby Rush, que em plena Câmara dos Representantes se insurgiu na altura contra uma nova forma de preconceito.

 

São correctas as leituras de Obama e de Rush, só possíveis através de uma consciencialização das novas tendências e realidades urbanas, que não obedecem a qualquer condição racial, social ou de género. E é precisamente esta realidade que o autor destas linhas considera que está ausente do actual debate, muito centrado na importantíssima questão racial, mas que não esgota o problema.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache. 

 

Um caldeirão africano

Alexandre Guerra, 16.07.13

 

O Brigadeiro General, Sultani Makenga, comandante militar do M23 a dar instruções aos seus homens a 30 de Novembro de 2012, junto à cidade de Sake, Kivu Norte

 

Goma tem sido por estes dias (leia-se longos meses) o epicentro de um dos mais anárquicos cenários de conflito a nível mundial. É um palco onde todos lutam contra todos, não se sabendo bem por qual objectivo, apanhando pelo meio a população indefesa.

 

Goma é a capital da província de Kivu Norte, no nordeste da República Democrática do Congo (RDC), fazendo fronteira com o Uganda e Ruanda, e desde há uns tempos a esta parte que concentra na sua região várias forças militares, suportadas por diferentes etnias e países vizinhos. Hutus, tutsis, ugandeses, ruandeses, capacetes azuis, forças congolesas, milícias de criminosos, todos estão metidos ao barulho.

 

Cada grupo ou organização luta pelos seus interesses. Por exemplo, os capacetes azuis da ONU, com a ajuda de soldados congoleses, tentam pacificar a região de Kivu Norte, sobretudo perante o avanço dos rebeldes do M23, maioritariamente tutsis, alegadamente apoiados pelo Ruanda. Por sua vez, o Governo de Kigali conta com a oposição da Frente Democrática para a Libertação do Ruanda (FDLR), movimento composto por hutus e baseado no Kivu Norte.

 

Agora, repare-se, além do M23 lutar contra os soldados congoleses e capacetes azuis, enfrenta ainda em território congolês os hutus da FDLR, que por sua vez estão ocupados a fazer incursões no Ruanda.

 

Ao mesmo tempo, no Kivu Norte juntam-se ainda as Forças Democráticas Aliadas, cujo inimigo é o Governo do Uganda. Diz a BBC News que "aquele grupo não faz parte da discussão". Seja como for, sempre são mais umas metralhadoras a afugentar as populações.

 

Populações essas que têm ainda pela frente várias milícias Mai Mai que, basicamente, têm uma agenda criminosa.

 

É caso para dizer que o Kivu Norte é um autêntico caldeirão, onde tudo vai lá para dentro.

 

Publicado originalmente no Forte Apache.


Em Espanha só dá "caso Bárcenas"

Alexandre Guerra, 11.07.13

 

De um momento para o outro, a Espanha parece ter "mandado às urtigas" a crise económica, as agências de rating, os mercados, o FMI, a Comissão Europeia... Para os "nuestros hermanos", agora só está a dar o "caso Bárcenas". E o mais irónico desta história toda, é que depois de Mariano Rajoy ter resistido a um desemprego de mais de 26 por cento, evitado um resgate internacional, acalmado os ímpetos secessionistas da Catalunha, o presidente do Governo espanhol arrisca-se a cair por causa de algo que aconteceu há alguns anos. 

 

O realismo de Paulo Portas no "caso Snowden"

Alexandre Guerra, 10.07.13

 

Paulo Portas, ainda como chefe da diplomacia portuguesa, esteve ontem na Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros para explicar a polémica em torno da suposta recusa do Governo português ao sobrevoo do avião em que seguia o Presidente boliviano, Evo Morales, sobre território nacional.

 

Portas veio desmentir essa tese, sublinhando que o Governo português deu autorização "atempadamente" para que o Falcon de Morales pudesse passar no espaço aéreo nacional. Aquilo que Portas agora revela é o facto das autoridades portuguesas não terem autorizado a realização de uma escala técnica em Portugal, já que existiam suspeitas de que a bordo do Falcon viesse Edward Snowden. 

 

Portas, numa lógica realista e cínica (virtudes das relações internacionais), acabou por assumir que não pretendia "importar" um problema diplomático para Portugal, o que de certa forma se compreende.

 

Suponha-se que Snowden iria de facto naquele avião, e que este aterrava em Lisboa para uma escala técnica, era bem provável que Washington instasse as autoridades portuguesas a deterem o antigo consultor da CIA e da NSA. Lisboa ficaria com pouco espaço de manobra para recusar qualquer pedido americano nestas circunstâncias. Ao mesmo tempo afrontava o Presidente da Bolívia, levantando questões de soberania sensíveis, podendo criar um grave incidente diplomático com aquele país da América Latina, que se poderia alastrar a outros Estados da região.

 

Ora, se há pessoa que é sensível aos interesses de Portugal naquela região, é Paulo Portas, que ainda recentemente esteve na Venezuela para estreitar relações entre os dois países. Aliás, Portas fez questão de sublinhar que a Bolívia é um "país amigo" de Portugal.

 

O cerco aperta para Mariano Rajoy

Alexandre Guerra, 09.07.13

 

 

O cerco aperta para Mariano Rajoy, que viu o jornal El Mundo divulgar hoje documentos originais do antigo tesoureiro do PP, Luis Bárcenas, que mostram, alegadamente, pagamentos ilícitos ao chefe do Governo espanhol, em 1997, 1998 e 1998, na altura ministro de José Maria Aznar.

 

Já não se trata apenas de uma campanha do El País, jornal que espoletou este caso em Fevereiro. O caso assume-se cada vez mais problemático para Rajoy, numa altura em que a número dois do PSOE, Elena Valenciano, é taxativa: "Se se demonstrar que Rajoy recebeu enquanto ministro e mentido enquanto presidente [do Governo], não poderá continuar à frente do Governo de Espanha."

 

A "Primavera" que nunca chegou ao Egipto

Alexandre Guerra, 08.07.13

 

Não é com surpresa que o Diplomata olha para os recentes e violentos acontecimentos no Egipto. Aliás, para quem siga com alguma atenção este blogue, já pôde constatar por diversas ocasiões a desconfiança manifestada por este autor em relação àquilo que ficou conhecido como "Primavera Árabe".

 

Um movimento idealista, apoiado pelas principais chancelarias ocidentais, mas totalmente desprovido de realismo e de cinismo, factores tão importantes e relevantes nas relações internacionais. Num primeiro momento, criou-se a ideia que uma vaga eufórica de democratização estava a chegar aos países do Médio Oriente. A 10 de Junho de 2011, o Diplomata escrevia que esta era uma "ideia em que a imprensa internacional e a opinião pública embarcaram, a de uma 'Primavera' revolucionária pacífica e ordeira, fruto da vontade comum e do interesse geral", nomeadamente na Túnisia e no Egipto. 

 

Porém,  esta era uma leitura que o autor destas linhas considerava "enublada". Porque, explicava então, "aos olhos do mundo, nas revoluções destes dois países só há a lamentar a violação da repórter norte-americana da CBS, Lara Logan (uma lamentável situação que, na verdade, resulta da lógica de multidão em fúria que poderia acontecer em qualquer parte do mundo). Não fosse este episódio de drama, a Tunísia e o Egipto teriam vivido revoluções 'limpas' 'arrumadinhas', como a opinião pública internacional gosta hoje de olhar para este tipo de movimentos, esquecendo-se que, normalmente, estes fenómenos contam sempre com dinâmicas reaccionárias".

 

Diplomata, mais perverso na sua análise, lembrou em Junho de 2011 "que as revoluções implicam quase sempre rupturas, choques, e com isso a violência, o derrame de sangue e os mortos. O que se passou na Tunísia e no Egipto não fugiu a esta lógica, apesar do deslumbramento primaveril com que líderes políticos e comunidade internacional olharam para aquelas revoluções".


E já na altura relembrava que de acordo com um relatório das Nações Unidas, a revolução da Tunísia provocara até então 219 mortos e 510 feridos. Números pouco lembrados pela imprensa internacional e praticamente desconhecidos pela opinião pública. Também no Egipto, poucos citaram o relatório divulgado em Abril de 2011 por uma comissão daquele país, no qual se falaram em quase 900 mortos e cerca de 6500 feridos durante a 'Primavera' egípcia".

 

Perante isto, o Diplomata tinha percebido há mais de dois anos que "o entusiasmo da opinião pública internacional e a ingenuidade dos líderes políticos ao acolherem imprudentemente as revoluções na Tunísia e no Egipto, sem pensarem realisticamente nas suas consequências internas e no sistema internacional, passou rapidamente ao embaraço quando as coisas começaram a correr mal na Líbia, no Iémen e na Síria".

 

E tinha sublinhado ainda que "os líderes ocidentais, numa euforia cega e desmedida, abraçaram aquilo que consideravam ser uma espécie de 'Primavera' árabe, esquecendo-se do realismo político e ignorando todos os ensinamentos da História dos povos. De uma forma ingénua, a opinião pública na Europa e nos Estados Unidos foi atrás e pensou que as pessoas viriam pacificamente para a rua a exigir a queda dos seus 'ditadores', e a clamarem, entusiasticamente, por democracia ao som de cânticos e de 'vivas' ao Exército". 

 

Como dizia o Diplomata na altura, "uma história bonita, mas longe da dura realidade do Médio Oriente e do Magrebe. A verdade é que no Egipto já tinham surgido alguns sinais preocupantes de que esta "febre" revolucionária repentina podia acabar mal para alguém".

 

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