Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Da nobreza da missão à irrelevância no terreno

Alexandre Guerra, 15.11.12

 

 

Uma sobrevivente de Srebrenica lamenta-se a um "capacete azul", em Tuzla, 1995

 

Os erros trágicos que foram posteriormente detectados nas intervenções humanitárias e militares sob a bandeira das Nações Unidas no Ruanda (UNAMIR, Outubro de 1993 a Março de 1996) e nos Balcãs (UNPROFOR, Fevereiro de 1992 a Março de 1995), nomeadamente na Bósnia Herzegovina (sendo Srebrenica o melhor exemplo), já deviam ter servido para alguma coisa.

 

Deviam ter servido para que as Nações Unidas tivessem uma capacidade de resposta imediata em Nova Iorque e em estruturas intermédias, sempre que fossem detectadas situações de perigo iminente no terreno, colocando em causa a vida de civis inocentes.

 

Estes mecanismos deviam permitir que as Nações Unidas tivessem autoridade política e agilidade burocrática para, em poucas horas, alterar o seu mandato de acordo com a deterioração no terreno, sem que para isso houvesse necessidade de recorrer ao Conselho de Segurança, criando-se, por vezes, situações de impasse insustentável ou mandatos que seguem a lógica do mínimo denominador comum.

 

Só com esta autoridade burocrática e de comando teria sido possível evitarem-se situações de passividade e, por vezes, ridículas em que muitos “capacetes azuis” se viram envolvidos (o filme No Man’s Land, 2001, capta com humor essa realidade).

 

A limitação das “rules of engagement” e a incapacidade da cadeia de comando sob o “badge” da UNPROFOR de alterar um mandato totalmente desajustado à evolução dos acontecimentos no terreno permitiu, de certa forma, o massacre de Srebrenica, em Julho de 1995, no qual em poucos dias morreram quase 8 mil bósnios muçulmanos às mãos do comandante sérvio Ratko Mladic. Relembre-se que Srebrenica seria supostamente uma “safe area” sob a guarda da ONU, mais concretamente dos “capacetes azuis” holandeses.

 

Tudo isto aconteceu sensivelmente um ano depois do genocídio do Ruanda, onde em três meses morreram à catanada mais 800 mil tutsis e hutus moderados. O mandato da UNAMIR era de tal maneiro vago que os “capacetes azuis” pouco ou nada fizeram perante tais atrocidades. Imagine-se que em Nova Iorque havia muitas dúvidas quanto à interpretação do Capítulo VI, que rege a resolução de conflitos, no que dizia respeito ao uso da violência para a defesa de civis.

 

Esta semana as Nações Unidas voltaram a ser confrontadas com as suas debilidades em matéria de protecção de civis em cenários de conflito.

 

Um relatório interno daquela organização revela que houve falhas graves a vários níveis da ONU, nomeadamente do Conselho de Segurança e do Conselho dos Direitos Humanos, nos últimos meses de conflito no Sri Lanka entre as forças governamentais e os Tigre Tamil.

 

Estima-se que só nos últimos cinco meses de conflito, que terminou em Maio de 2009, tenham morrido mais de 40 mil civis de etnia tamil. Um número impressionante provocado em parte pela retirada dos “capacetes azuis” do Sri Lanka, deixando os civis indefesos entre os forças governamentais e os guerrilheiros tamil.

 

O secretário-geral da ONU Ban Ki-moon já admitiu que este relatório vai ter “profundas implicações” na organização, sendo que uma das recomendações contidas no documento é a de que as Nações Unidas revejam os mandatos para as missões humanitárias e de protecção a civis.

  

...a aguardar pelos próximos episódios da mais recente "novela" americana

Alexandre Guerra, 13.11.12

 

 

Agora, a respectiva legenda:

 

1. Threatening emails: Early in the summer, Jill Kelley complains to an FBI friend about being sent harassing emails. The FBI later establishes they came from Paula Broadwell, who co-authored a biography of Gen David Petraeus.

2. Affair: The FBI investigation also reveals emails between Mrs Broadwell - a married former military officer - and Gen Petraeus that indicate they were having an extra-marital affair.

3. Family friends: Jill Kelley and her husband, Scott, are family friends of Gen Petraeus and his wife, Holly. Officials say Mrs Broadwell saw Mrs Kelley as a rival for Gen Petraeus's attentions. However, there is no suggestion Mrs Kelley and Gen Petraeus had an affair.

4. "Inappropriate emails" investigated: The top US commander in Afghanistan, Gen John Allen, is now being investigated for allegedly sending "inappropriate emails" to Jill Kelley. The FBI has referred the matter to the Pentagon. A senior official says up to 30,000 pages of emails and other documents are under review.

 

Com a cortesia da BBC News


Os chanceleres, a chanceler e os papas

Alexandre Guerra, 12.11.12

 

Agora, que a chanceler alemã já está de regresso a casa e que os ânimos serenaram neste burgo, talvez possam ser feitas algumas considerações político-diplomáticas à visita de Angela Merkel a Portugal.

 

O Diplomata não vai (nem quer) entrar no insuportável debate das leituras político-partidárias que norteiam os políticos, jornalistas, comentadores e “analistas” de serviço. E muito menos retirar qualquer ilação ao número de horas que Merkel passou em Portugal. Para isso, há por aí gente mais do que “qualificada” nesta coisa da interpretação dos “sinais”.

 

O que motivou o autor destas linhas para este assunto acabou por ser na verdade uma coincidência, já que ao fazer umas pesquisas apercebeu-se do distanciamento físico que, por vezes, existe entre um determinado líder europeu e um povo que não o seu. Por exemplo, entre uma chanceler alemã e os portugueses.

 

Não obstante a proximidade política entre líderes europeus (que se reúnem várias vezes por ano) e a proximidade mediática entre líderes e povos europeus (já que diariamente lhes entram pela casa a dentro), a verdade é que os estadistas parecem ter pouca disposição para se deslocarem a outros países dos Vinte e Sete, mesmo quando existem relações políticas, económicas e sociais fortes.

 

Veja-se o caso de Portugal e a Alemanha, países que, queira-se ou não, partilham interesses (assimétricos, é certo) consideráveis e que os seus povos estão longe de serem estranhos um ao outro. Além disso, fala-se de dois países que integram o mesmo espaço europeu, o mesmo projecto comunitário, e são ainda aliados de longa data no seio da NATO.

 

Aliás, esta proximidade ficou bem evidente no periclitante período pós-25 de Abril, nomeadamente, no “Verão Quente” de 1975, quando os chanceleres Willy Brandt e depois Helmut Schmidt foram os principais líderes europeus a acreditarem e a apoiarem política e financeiramente as forças democráticas, com Mário Soares à cabeça.

 

Na verdade, a RFA foi o único país a disponibilizar dinheiro a Portugal. A CEE em Julho de 1975 continuava a hesitar em providenciar financiamento “por razões políticas”, tendo mesmo Paris vetado esse apoio. E em Washington o “desinteresse” de Henry Kissinger pela transição revolucionária em Portugal tinha-se alastrado ao Departamento de Estado e à Casa Branca.

 

Houve, assim, um esforço e um compromisso efectivos de Brandt e de Schmidt com a causa portuguesa, assente também numa ideia de unidade europeia que ia, naturalmente, de encontro à Ostopolitik.

 

E foi graças a este empenho (e também à chegada de Frank Carlucci a Portugal no início de 75) que Washington começa a inflectir a sua posição e a acreditar que, afinal, era possível Portugal seguir a via da democracia. Para tal, foi muito importante uma conversa de Schmidt com o então Presidente americano Gerald Ford, em Julho de 75.

 

A RFA estava de tal maneira empenhada em que Portugal seguisse o rumo da democracia que não se poupou a esforços para convencer o Presidente Costa Gomes para afastar os comunistas dos vários governos provisórios, visando especialmente Vasco Gonçalves.

 

É o próprio Costa Gomes que mais tarde viria a admitir que Schmidt o teria pressionado durante os trabalhos da assinatura da Acta Final de Helsínquia, a 1 de Agosto de 1975.

 

Uma estratégia que viria a dar resultados, já que no final de Agosto, com o PCP muito manietado no seu espaço, Costa Gomes, num gesto bizantino, demite Vasco Gonçalves da liderança do Governo para o nomear Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. Também é nesta altura que a posição do Departamento de Estado norte-americano começa a mudar e os apoios dos países europeus começam a chegar.

 

Este episódio, contado de forma muito resumida, serve apenas para recordar um pouco da História e lembrar que as relações entre os Estados prolongam-se no tempo e devem ser alimentadas habilmente.

 

E perante isto, o autor destas linhas não tem dúvidas que ao longo dos últimos anos algo se perdeu nas relações entre Portugal e a Alemanha. Provavelmente, perdeu-se a política e a arte da diplomacia. Isto também tem muito a ver com a personalidade dos líderes.

 

Como é que é possível que Angela Merkel só agora, no dia 12 de Novembro de 2012, tenha feito a sua primeira vista oficial a Portugal, desde que foi eleita em 2005 (excepto cimeiras da UE e da NATO)? Ou como é que foi possível que o antigo chanceler Gerhard Schroeder tenha feito a sua primeira visita a Portugal em Outubro de 2004, seis anos depois de ter sido eleito?

 

Para se ter uma ideia, no mesmo período (1998 e 2012) Portugal recebeu as mesmas duas visitas “oficiais” dos papas: João Paulo II, em 2000, e  Bento XVI, em 2010. 

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Registos

Alexandre Guerra, 12.11.12

 

O psicólogo e cientista cognitivo, Steven Pinker, da Universidade de Harvard, explica à BBC News por que razão o conflito entre Estados tem diminuído desde 1945 e estabelece uma relação entre a violência que se manifesta no seio dos povos e os ímpetos cerebrais em cada um de nós.

 

Sinais dos tempos de mudança

Alexandre Guerra, 09.11.12

 

O Reino Unido vai deixar de providenciar ajuda financeira à Índia a partir de 2015, anunciou esta Sexta-feira a secretária do Desenvolvimento Internacional, Justine Greening. A partir dessa data, Londres passará a dar apenas apoio técnico àquele Estado asiático. 

 

Nos próximos dois anos está ainda prevista a doação de 319 milhões de dólares, mas depois disso Londres considera que já não faz sentido continuar com este tipo de política, tendo em conta o crescimento económico e de estatuto da Índia.

 

Uma posição certamente partilhada pelo Governo indiano que, orgulhosamente, vê o seu país assumir um papel cada vez mais preponderante no sistema internacional. Aliás, o correspondente da BBC News em Nova Deli referia que esta decisão não tinha causado qualquer surpresa às autoridades indianas.

 

Além da Casa Branca e do Congresso...

Alexandre Guerra, 07.11.12

 

Além das eleições para a Casa Branca e para o Congresso, os eleitores de alguns estados foram às urnas para decidir sobre inúmeros outros temas importantes para o seu quotidiano.

 

Por exemplo, no Maine, em Maryland e em Washington referendou-se o casamento entre pessoas do mesmo sexo, tendo os eleitores aprovado esta medida. Também no estado de Washington, assim como no Colorado, os eleitores votaram no sentido de se legalizar o uso recreativo da marijuana.

 

Já na Califórnia os eleitores rejeitaram a proposta para a abolição da pena de morte. E em Porto Rico foi a referendo uma proposta para se manter o estatuto de "estado livre associado" dos Estados Unidos. De acordo com os resultados preliminares conhecidos, a maioria dos porto-riquenhos disse "não", abrindo caminho para que aquele estado se torne no 51º dos Estados Unidos, caso o Congresso aprove a iniciativa.

 

Armamento, um negócio que resiste a qualquer crise

Alexandre Guerra, 06.11.12

 

Se há negócio que continua a florescer apesar dos ventos desfavoráveis é o do armamento e sistemas de defesa. Uma notícia desta Terça-feira da Reuters informava que a Defense Security Cooperation Agency (DSCA), entidade federal dos Estados Unidos que supervisiona as vendas de material bélico nacional a países terceiros, acabou de dar “luz verde” a um negócio de 7,6 mil milhões de dólares.

 

Ou seja, quase 6 mil milhões de euros, bem acima dos famigerados 4 mil milhões que se querem cortar em Portugal.

 

A aprovação da DSCA pode, teoricamente, ser bloqueada no Congresso, mas por todas as razões e mais alguma é algo impensável. Ou não fossem por momentos destes que o complexo militar-industrial norte-americano tanto espera.

 

O negócio em causa implica a venda de sistemas de defesa antimíssil da Lockheed Martin ao Qatar e aos Emirados Árabes Unidos (EAU). Sistemas esses que pretendem, por um lado, atenuar a dependência destes Estados nos aliados americanos e, por outro, garantir um “escudo” na região contra mísseis inimigos (leia-se, Irão) de curto e médio alcance.

 

A Lockheed já tinha anunciado em Agosto que alguns países da região tinham manifestado interesse no seu sistema THAAD (Terminal High-Altitude Area Defense), tendo o Qatar e os Emirados Árabes Unidos avançado com a intenção de adquiri-lo.

 

O Qatar vai despender 6,5 mil milhões enquanto os EAU pretendem gastar um pouco acima de 1,1 mil milhões.

 

A asfixiante "tunnel economy" entre a Faixa de Gaza e o Egipto*

Alexandre Guerra, 04.11.12

 

Um jovem palestiniano descansa dos trabalhos de escavação de mais um túnel/Foto: Eyad Baba/AP

 

Um das questões que se pode colocar perante a existência de “novos milionários” na Faixa de Gaza – actualmente, segundo se sabe, entre 100 a 200, e capazes de fazer dois milhões de dólares de dois em dois meses, como foi referido no segundo de três textos sobre a realidade do enclave palestiniano –, é saber como é possível que isso acontece num território literalmente isolado pelas forças de segurança israelitas (IDF)?

 

A mesma pergunta se pode fazer sobre o facto da economia em Gaza, embora débil, permanecer minimamente activa, quando as IDF apenas permitem a entrada de alguns bens de consumo, estando impedida, por exemplo, a importação de materiais para indústria pesada.  

 

Ou visto que a circulação de pessoas está muito limitada entre a Faixa de Gaza e o exterior, como é que os palestinianos naquele enclave conseguem ir ao Egipto para consultas médicas ou para outro tipo de serviço?

 

Trabalhador a retirar terra durante a escavação de um túnel algures entre a Faixa de Gaza e o Egipto/Foto AP

 

Um das centenas de túneis que saem de Rafah em direcção ao Egipto/Foto Time - Richard Moesse

 

A maior parte destas questões encontra resposta nas centenas de túneis construídos ilegalmente entre a Faixa de Gaza e o Egipto. Embora não haja dados exactos sobre esta “tunnel economy” (como lhe chama as Nações Unidas), estima-se que esta realidade tenha um impacto considerável na economia e na vida dos palestinianos da Faixa de Gaza. E traz sobretudo benefícios “de facto” às autoridades de Gaza e a uma certa elite próxima do Hamas. Quem o diz é a próprio International Labour Organization (ILO).

 

De acordo com um relatório deste ano da ILO, o volume do comércio ilegal feito nos túneis é quatro vezes superior àquele que é registado oficialmente. Já o Peres Center for Peace referia no ano passado que o valor dos bens contrabandeados todos os meses situava-se entre os 50 a 70 milhões de dólares, o que representava cerca de 80 por cento do total de bens importados para a Faixa de Gaza. Uma dimensão apenas possível pela existência de mais de 1000 túneis em 2010, segundo aquela entidade.    

 

Tudo se contrabandeia nos túneis, incluindo animais vivos/Foto: Eyad Baba

 

Também o Peace Research Institute Oslo, num relatório de 2010, referia que cerca de 15 mil trabalhadores (escavadores, etc) e 25 mil negociantes (leia-se contrabandistas) estariam envolvidos na “tunnel economy”. Números que seriam atenuados com o aligeiramento do cerco por parte de Israel no Verão de 2010.

 

A escavação de túneis começou depois do início da intifada de al Aqsa, em Setembro de 2000, na sequência do bloqueio cerrado imposto por Israel à Faixa de Gaza, por mar, terra e ar.

 

Quase todos estes túneis partem de Rafah, cidade no sul da Faixa de Gaza junto à fronteira egípcia, e tudo é contrabandeado por estes canais subterrâneos, como produtos alimentares, artefactos para a casa, electrodomésticos, material de construção e animais vivos, como ovelhas, vacas e burros. Tudo feito sob o comando do Hamas.

 

*Este é o último de uma série de três textos sobre a Faixa de Gaza

Leituras

Alexandre Guerra, 04.11.12

 

No artigo de opinião Mata e deixa morrer no jornal Público, a activista política Naomi Wolf inspira-se na "licença para matar" de James Bond para analisar a aparente banalização da estratégia de assassinatos selectivos contra os "maus" levada a cabo pela administração norte-americana e aceite, cada vez mais, com passividade pela sociedade.