Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A lição de um conservador

Alexandre Guerra, 29.06.12

 

John G. Roberts/Foto AP

 

John G. Roberts, o presidente do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, nomeado para aquele cargo pelo ex-Presidente George W. Bush, e tido como um homem conservador, deu uma lição muito importante de justiça e de equidade ao viabilizar constitucionalmente a polémica lei da saúde de Barack Obama. 

 

Num Supremo literalmente dividido entre correntes progressista e conservadora, muitos esperavam que Roberts fosse agir em consonância com o seu enquadramento ideológico.

 

No final de Março, o Diplomata escrevia o seguinte sobre esta questão: "Actualmente, o Supremo é composto por quatro juízes mais liberais, e que já deram a entender que apoiam a medida, e por outros tantos de pendor mais conservador, que já manifestaram o seu descontentamento por alguns aspectos constitucionais da lei. Perante este cenário de empate, é muito provável que seja o presidente do Supremo Tribunal, John G. Roberts, a decidir o futuro da importante lei de Obama.  Para já, as indicações dadas por Roberts não são animadoras para a Casa Branca." 

 

E, efectivamente, com a votação empatada a 4 votos para cada lado, acabou por ser Roberts a decidir o lado vitorioso. Aquele que, certamente, os conservadores não esperariam. A este propósito o site Politico escrevia o seguinte: "By voting to uphold President Barack Obama’s health care law, Roberts shocked conservatives who thought they could rely on him to help sink Obama’s signature legislative accomplishment."

 

Apesar da sua aprovação, Roberts não deixou de ter sentido crítico ao identificar algumas fragilidades da lei. Mas como o próprio disse: “As between two possible interpretations of a statute, by one of which it would be unconstitutional and by the other valid, our plain duty is to adopt that which will save the act.”

 

Roberts considerou a "Obamacare" uma lei "boa o suficiente". E às vezes é disso que as sociedades precisam. Não de leis perfeitas e de aplicação duvidosa, mas de leis que sejam boas o suficiente de forma a melhorarem a vida dos seus cidadãos. Roberts percebeu isso.

 

Texo publicado originalmente no Forte Apache.

 

Como estão errados aqueles que pensam que vivem tempos extraordinariamente singulares

Alexandre Guerra, 27.06.12

 

 

"There's something wrong with the world today." Uma frase que, certamente, qualquer contemporâneo, na crença de que vive tempos extraordinariamente maus, não se coibirá de dizer. Efectivamente, essa presunção de cada homem (nomeadamente os mais iluminados) sobre a singularidade dos seus tempos é um traço comum ao longo da História. Veja-se, por exemplo, todos aqueles que anunciaram o seu tempo como o “Fim da História” (Francis Fukuyama foi apenas o último de uma longa lista que, eventualmente, terá começado com Políbio).  

 

Também as chamadas “massas”, ou se o leitor preferir, o “povo”, identificam o seu tempo como o pior de todos os “tempos”. Fale-se com um velho que rapidamente lhe dirá que “no meu tempo é que eram elas”. Já um jovem dirá que as verdadeiras dificuldades são as de “hoje”, porque os pais e os avós conseguiram empregos para toda a vida.

 

O tempo contemporâneo de cada um é sempre o pior. E todos, seja em que tempo for e em que sociedade for, facilmente esquecem a perspectiva histórica. Tal como Cristo, sofrem nos dias de hoje como se caminhassem na Via Sacra para o Calvário.

 

E nos tempos que correm, seja neste burgo atlântico ou por essa Europa fora, o fim do mundo está aí, ao virar da esquina, acham muitos. Parece que por causa do uma crise da divida soberana, dizem. Enfim, parece que estes pensadores acreditam mesmo que estes são tempos extraordinariamente singulares da História.

 

Neste capítulo, Eric Hobsbawm teve a subtileza intelectual de falar em “tempos interessantes”. Mas, como serão muito poucos aqueles que estão dotados dessa clarividência, os contemporâneos insistirão na tragédia do seu tempo. Esquecem-se, no entanto, que outros já tiveram a mesma ideia.

 

Na verdade, aquela é uma ideia recorrente, ou seja, é uma espécie de psicose colectiva em que há sempre "algo de errado no mundo" no tempo em que se vive.

 

Há sensivelmente vinte anos, mais concretamente em 1993, os Aerosmith lançavam o seu extraordinário Get a Grip, tendo como principal single a música Livin’ on the Edge. Um dos temas mais socialmente interventivos daquela banda e que surge na ressaca dos motins de Los Angeles, resultantes da absolvição dos quatro polícias que espancaram Rodney King, encontrado morto há dias.

 

Livin’ on the Edge começa precisamente com a frase "There's something wrong with the world today". Um “statement” sobre a deterioração da sociedade da altura, bem retratado na letra e reforçado no cinematográfico vídeoclip, no qual são abordados vários temas sociais, tais como vandalismo, comportamentos sexuais de risco entre jovens, desenquadramento social dos jovens, violências nas escolas, incompreensão por parte das gerações mais velhas em aceitar nova tendências urbanas, racismo, entre outros.

 

Perante isto, há uma ideia simples a reter: Se o leitor recuar outros 20 anos vai encontrar precisamente o registo de uma sociedade que achava que havia “algo de errado no mundo”. E voltará a encontrar a mesma convicção colectiva se recuar outros 20 anos e assim sucessivamente.

 

Hoje em dia, muitas receitas têm sido prescritas pelos sábios para resolver esta crise que assola o Velho Continente, a pior de sempre no projecto europeu, dizem. Mas, o melhor mesmo é que os iluminados desta e doutras praças europeias deixem de ter a presunção que vivem tempos extraordinários e se façam à vida, como se costuma dizer num português popular.

 

*Texto publicado originalmente no Forte Apache.


No reino saudita uma andorinha parece estar a fazer a verdadeira "Primavera árabe"

Alexandre Guerra, 24.06.12

 

Rei Abdullah

 

Sem qualquer "Primavera" exuberante, a Arábia Saudita vai muito lentamente, mas de forma mais tranquila, cedendo alguma abertura do regime. Ficou-se a saber este Domingo que Riade vai permitir que atletas femininas sauditas possam participar nos Jogos Olímpicos de Londres, caso tenham os mínimos para se qualificarem.

 

É a primeira vez na história do país que tal acontece, tendo sido anunciado em comunicado pela Embaixada saudita em Londres.

 

Diz a BBC News que este anúncio põe fim à especulação que girava em torno da delegação saudita, ameaçada de desqualificação pelo Comité Olímpico sob o argumento de discriminação de género.

 

Com esta questão arrumada, a Arábia Saudita vai contar, pelo menos, com uma atleta em Londres, a saltadora de obstáculos de cavalos, Dalma Rushdi Malhas.

 

A decisão do regime saudita é de extrema importância, não apenas pelo seu significado desportivo e social, mas pela sua dimensão política, já que implica um revés às pretensões da ala mais conservadora saudita.

 

Conservadores, esses, que deverão estar apreensivos com o rumo que o Rei Abdullah tem tomado no que diz respeito ao papel das mulheres na sociedade. Relembre-se que em Setembro do ano passado Abdullah concedeu o direito de voto às mulheres nas eleições municipais e a possibilidade de se candidatarem àquelas. Anunciou ainda que as mulheres podiam ser nomeadas para o Shura Council, o órgão consultivo do Rei. 

 

E no âmbito deste processo reformista (leia-se no contexto saudita), a BBC News revela que nas últimas seis semanas têm decorridos negociações "behind-the-scenes" lideradas pelo próprio Abdullah, das quais resultou um entendimento entre a casa de Saud e os clérigos mais conservadores para permitir que as atletas sauditas participassem nos Jogos Olímpicos.

 

Apesar do suposto "entendimento", certamente que neste processo "negocial" Abdullah impôs a sua vontade, uma vez que a oposição mais conservadora do regime saudita é totalmente contra as cedências que têm sido promovidas pelo monarca.  


Washington Post confirma que EUA e Israel criaram conjuntamente o vírus Flame

Alexandre Guerra, 20.06.12

 

Há uns dias, era escrito neste espaço que "uma das características do Flame é o seu grau de sofisticação, o que não faz dele um mero acto criminoso, mas sim uma acção deliberada de espionagem só ao alcance de entidades estatais". Apesar de se desconhecer a sua origem "todos os caminhos apontam para Washington ou não fossem os Estados mais afectados pelo Flame fontes de preocupação para a administração americana. Mas para já, está-se apenas no campo da especulação, sem confirmação oficial de qualquer parte". 

 

Hoje, o Washington Post confirma que o Flame (e também o Stuxnet) foi desenvolvido conjuntamente pelos Estados Unidos e por Israel, citando anonimanente fontes oficiais próximas do projecto.

 

Leituras

Alexandre Guerra, 19.06.12

 

"Quando é que os estados devem intervir militarmente para impedirem atrocidades nos outros países?" É a esta questão que Jospeh Nye, antigo subsecretário de Defesa dos Estados Unidos e actualmente professor em Harvard, tenta responder no artigo de opinião no jornal Público, O dilema da intervenção.

 

"1999", o protesto de Prince contra a política nuclear de Ronald Reagan

Alexandre Guerra, 17.06.12

 

Música "1999" do álbum homónimo de Outubro de 1982

 

Quando em Outubro de 1982 Prince lançou o seu quinto álbum, “1999”, o então Presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que ainda nem sequer tinha chegado a metade do seu primeiro mandato, já tinha marcado bem o seu estilo de governação, elegendo a América como o farol da moralidade e da virtude no mundo ao mesmo tempo que via na União Soviética a concretização de um sistema perverso e maléfico.

 

Faltavam ainda quatro anos para a célebre cimeira de Reiquiavique, realizada a 11 e 12 de Outubro de 1986 entre Reagan e Mikhail Gorbachev, então Secretário Geral do Partido Comunista. Este seria o primeiro passo dado por aqueles dois dirigentes para abordarem a problemática do “controlo de armamentos”, nomeadamente, a questão dos arsenais nucleares das duas super potências.

 

O fantasma de um conflito nuclear mundial pairava nas sociedades ocidentais com particular insistência no início dos anos 80, sobretudo com a Guerra Fria a “aquecer” durante este período, para depois voltar a “desanuviar” a partir da segunda metade da década de 80.

 

Foi aliás para fazer face a esta ameaça que Reagan anuncia a intenção de lançar um projecto defensivo contra mísseis balísticos soviéticos chamado Iniciativa de Defesa Estratégica (IDE), mas que ficou vulgarmente conhecido como “Guerra das Estrelas”.

 

A opinião pública pressionava os governos da Europa e de Washington para que tomassem medidas concretas de modo a afastar o espectro de um conflito nuclear à escala global.

 

E é com este espírito de protesto, mas também de receio por uma guerra nuclear, que Prince compôs a música “1999” do álbum homónimo. Esta música foi o primeiro single a ser lançado. Em 1998 a música seria regravada, desta vez, com a banda The New Power Generation.

 

Quanto ao álbum, o primeiro que Prince fez com a banda Revolution, tornou-se no quinto mais vendido nos Estados Unidos em 1983, sendo um trabalho inspirador na forma como são utilizados os sintetizadores na mistura de estilos musicais como o R&B, o Funk, o Soul e até mesmo o Pop.

 

“1999” foi merecedor de inúmeras menções, tendo a revista Rolling Stone colocando-o na posição 163 dos 500 melhores álbuns de todos os tempos.

 

Um luxo insuportável para o Pentágono

Alexandre Guerra, 15.06.12

 

F-22 Raptor a ser reabastecido no ar durante um voo de treino/Foto: USAF 

 

Há quase dois anos, o Diplomata escrevia que “nas últimas duas décadas, os Estados Unidos envolveram-se num projecto para construir aquele que seria o mais extraordinário caça até à data.

 

O F-22 Raptor, introduzido em 2005, foi desenvolvido pela Lockeed Martin e pela Boeing, e acabou por revelar-se um sorvedouro de dinheiro, gerando muitas críticas, tendo sido decidido pela administração americana que a sua produção iria terminar no final de 2011, com 187 caças.

 

O seu elevado custo de venda, na ordem dos 160 milhões de dólares por unidade, a proibição de exportação daquele avião por uma questão de segurança nacional e a ausência de missões reais de combate ar-ar, fizeram do F-22 um luxo insustentável para o Departamento de Defesa americano”.

 

Ora, hoje, além do seu preço de produção ter ficado em 377 milhões de dólares por unidade, parece que aquele aparelho acarreta riscos acrescidos para os seus pilotos.

 

De acordo com o blogue Danger Room da Wired, o ambiente do cockpit do F-22 apresenta índices de toxidade e de asfixia (falta de oxigênio) nove vezes superior às dos outros caças, uma conclusão avançada por dois congressistas e que está a gerar alguma polémica.

 

Para já, o Pentágono diz que o aparelho está a operar normalmente, no entanto, já há algum tempo que existem relatos de pilotos a manifestar sintomas estranhos a bordo, levando a que a Força Aérea mantivesse em terra os F-22 durante quatro meses para inspecções aos seus sistemas.

 

Na altura, a Força Aérea não chegou a conclusões dramáticas, optando por instalar uns filtros nos caças e pouco mais. A verdade é que para o Pentágono era prioritário que os Raptor voltassem a voar quanto antes, tendo em conta o investimento feito para desenvolver aqueles aparelhos.

 

Mais tarde, acabariam por ser dois pilotos dos Raptor a dizer no programa 60 Minutes que existia uma “vasta maioria silenciosa” que achava aqueles caças inseguros para voar.

 

Perante isto, o secretário de Defesa, Leon Panetta, ordenou que as investigações fossem aprofundadas e que os F-22 voassem a baixas altitudes e em distâncias mais próximas das suas bases. Entretanto, a Força Aérea procedeu a alterações nos fatos dos pilotos.

 

Perante tudo isto, o tempo parece estar a dar razão ao Diplomata quando escreveu que os Raptor eram “um luxo insustentável para o Departamento de Defesa americano”.

 

Really?

Alexandre Guerra, 14.06.12
 

 

A poucas horas das eleições presidenciais no Egipto eis que surge uma verdadeira pérola de propaganda política, com o mais recente anúncio que está a ser divulgado por um canal satélite do Governo egípcio. Mohamed El Dahshan, no blogue Transitions do site da Wired, descreve o enredo.

 

Um jovem entra num café, com um ambiente descontraido e que ostenta nas suas paredes vários cartazes com slogans revolucionários, e senta-se à mesa com outros três jovens, que personificam um qualquer estudante egípcio e até um palestiniano, por causa do lenço que uma rapariga traz ao pescoço.

 

A conversa gira à volta de temas quotidianos, tais como política, inflação, problemas de transportes, desemprego, enfim, assuntos que diariamente enchem as páginas dos jornais.

 

Mas, o jovem que se sentara à mesa vai escutando atentamento o que vai sendo dito, numa clara missão de "intelligence". E perante o que ouve chega a dizer: "Really?" De imediato, envia um sms com a informação recolhida que julga ser muito valiosa . Momentos depois uma voz off diz: "Toda a palavra tem um preço; uma palavra pode salvar uma nação."

 

Com este anúncio, pretende-se criar um sentimento de medo entre a população, incutindo a ideia de que existem ameaças externas para desestabilizar o Egipto. Através desta mensagem tem-se como objectivo "silenciar" as vozes mais activas e revolucionárias, que se fazem ouvir sobretudo nas camadas mais jovens quando estão em contacto com turistas.

 

O mais irónico de toda esta história é que o anúncio já começou a ser alvo de gozo, sendo muito dificilmente levado a sério.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Pág. 1/3