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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Leituras

Alexandre Guerra, 31.08.11

 

Vinte anos depois do golpe de Estado falhado em Agosto de 1991 na então União Soviética, o Der Spiegel publicou um artigo com base no acesso a um conjunto de documentos oficiais nunca dantes divulgados do arquivo de Mikhail Gorbatchev, a partir dos quais se consegue perceber com mais nitidez os contornos de algumas das suas decisões e comportamentos. Secret Papers Reveal Truth Behind Soviet Collapse, de Christian Neef, já tinha saído há dias na revista do jornal Público, sendo que o Diplomata deixa agora aqui a versão original.

 

Momentos com história

Alexandre Guerra, 25.08.11

 

Paul Hacket/Reuters

 

Nesta fotografia vê-se um grupo de jornalistas "reféns" a descansar num dos corredores do hotel Rixos, em Trípoli, que até ontem ainda estava controlado e cercado pelas forças leais a Muammar Khadafi. De acordo com as últimas notícias, no interior do complexo encontravam-se jornalistas da BBC, da CNN, da Sky News, da FOX, da Reuters, da Associated Press e da televisão chinesa. O The Guardian revela alguns momentos vividos nas últimas horas no hotel Rixos.

 

Recordações de Verão

Alexandre Guerra, 21.08.11

 

Russos a celebrarem a tentativa de golpe de Estado, a 21 de Agosto de 1991, junto à Casa Branca (sede do parlamento) em Moscovo/Vladimir Filonov/The Moscow Times

 

Uma das recordações de Verão do Diplomata remonta há 20 anos, precisamente por estes dias no ano de 1991, quando estava a desfrutar férias num parque de campismo em São Pedro Moel com um grupo de amigos, todos ainda jovens adolescentes na casa dos 15.

 

Ainda sem uma percepção política apurada, mas com um gosto claro para os temas internacionais, o autor destas linhas associou para sempre esses dias de férias ao golpe de Estado fracassado na ainda União Soviética.

 

Na altura, entre praia, saídas nocturnas e outros interesses menos produtivos, as atenções não estavam naturalmente focadas para o que se passava em Moscovo, mas percebia-se, entre os noticiários das oito da noite ouvidos aos soluços através das televisões espalhadas pelas tendas, roulottes e auto-caravanas ao longo do parque, que algo de histórico estava a acontecer na Rússia.

 

Com mais calma, e já regressado de férias, foi possível ao autor destas linhas perceber os contornos das movimentações turbulentas em Moscovo, que acabaram por se revelar infrutíferas (naquele momento) e permitir o regresso do então Presidente Mikhail Gorbachev a Moscovo, no dia 22 de Agosto, depois de ter estado durante vários dias em prisão domiciliária na sua casa de férias na Crimeia.  

 

Esta Segunda-feira assinalam-se 20 anos sobre aquele regresso ao Kremlin, que, como se viria a constatar pouco tempo depois, seria de curta duração. A 25 de Dezembro de 1991 Gorbachev anunciava a demissão do cargo de Presidente da URSS e enterrava definitivamente o império soviético.

 

Forças armadas, o último reduto no garante da ordem de uma sociedade

Alexandre Guerra, 15.08.11

 

 

É uma verdade que até aos dias de hoje a História não contestou: as forças armadas são como uma espécie de último reduto no garante da ordem e da estabilidade de uma sociedade.

 

Quando tudo falha e quando o caos se instala, é a única entidade com capacidade de dar uma resposta pujante, rápida e eficaz. Não apenas em cenários de conflito, mas em todo o tipo de palcos catástrofe (cheias, terramotos, entre outras).

 

Muitas das vezes actuam num primeiro momento, porque só através da sua organização e disciplina é possível assegurar as condições necessárias para que outros actores possam intervir numa fase posterior.

 

A valorização do seu papel nas sociedades pós-Guerra Fria e a elevação do seu moral é, assim, um imperativo dos Governos, não apenas por causa das razões acima enunciadas, mas sobretudo devido a um princípio muito simples: nunca se sabe do dia da amanhã.

 

Há um mês a quem passaria pela cabeça que o primeiro-ministro do Reino Unido, a mais antiga democracia e um dos países mais desenvolvidos do mundo, iria ponderar a possibilidade de recorrer ao Exército para garantir a ordem e a estabilidade da sua sociedade, perante a possibilidade de todas as outras opções falharem.

 

Na governação de um País os seus líderes nunca devem descurar o prestígio e a dignidade das suas Forças Armadas. Com isto não se está, necessariamente, a falar de assuntos como as questões remuneratórias ou a progressão de carreiras. Por vezes, o mais importante está na homenagem e na simbologia dos actos.

 

Nesta matéria, Portugal, com os seus sucessivos Governos desde a Guerra do Ultramar, não tem sido particularmente feliz na demonstração de respeito e na dignificação das suas forças armadas.

 

Já países como os Estados Unidos ou Israel estão no campo oposto, onde as suas sociedades se prestam ao quase culto pela figura do soldado ao serviço da pátria.   

 

Tudo isto vem a propósito (não só) do que se tem lido e ouvido nos meios de comunicação social em Portugal nos últimos dias, no âmbito de algumas matérias como as progressões remuneratórias ou a contratação de pessoal.

 

Na opinião do Diplomata, é demasiado ruído em torno de uma entidade que se quer protegida e se deve proteger.

 

Parte desta missão cabe ao Governo, nomeadamente ao ministro da Defesa. Porém, a julgar pelos sinais dados ontem, por ocasião do Dia da Arma de Infantaria, o Diplomata tem muitas dúvidas quanto à possível mudança de paradigma na forma do Estado e da sociedade se relacionarem com as suas forças armadas.

 

A psicose de um Estado que constrói casas no território do inimigo, mas não investe no seu

Alexandre Guerra, 12.08.11

 

Palestinianos numa obra de novas casas de um colonato em Jerusalém Oriental, em 2010/Foto: Ahmad Gharabli/AFP/Getty Images

 

Caso não aconteça uma revolução a vários níveis no Médio Oriente, um dia Israel vai ser confrontado com uma guerra que nunca irá ganhar: a fatalidade da exiguidade geográfica e a pressão demográfica, quer hebraica, quer árabe (o Diplomata voltará a este assunto mais tarde).

 

De certa maneira, o problema já começou a ser sentido internamente, de forma ruidosa e massiva, como ficou demonstrado há dias com a manifestação de 300 mil pessoas que vieram para as ruas de Telavive exigir ao Governo liderado por Benjamin Netanyahu uma política de habitação que possibilite às pessoas adquirirem ou arrendarem casas a preços acessíveis. Este Sábado estão previstas manifestações em 12 cidades israelitas. 

 

Ao contrário do que acontece em Portugal, em Israel constrói-se pouco, já que a área disponível para tal é muito reduzida. O resultado é óbvio: poucas casas disponíveis no mercado. Ora, de acordo com a mais elementar lei da oferta e da procura, as consequências são mais que previsíveis.

 

Chamam-lhe o protesto das tendas, apartidário, indo da direita à esquerda, um pouco à semelhança dos vários movimentos que se têm verificado em vários países europeus.

 

Mas, tendo esta manifestação acontecido no Médio Oriente, naturalmente que os seus contornos são ainda mais complexos. Yoel Marcus escrevia no Haaretz que esta teria sido a única verdadeira manifestação na história de Israel sem qualquer interferência dos partidos políticos.

 

E embora sendo uma manifestação que, em última instância, procura decisões políticas, não deixa de ser curioso que aquela que terá sido a mais significativa expressão cívica em Israel não tenha estado relacionada, pelo menos directamente, com o conflito israelo-palestiniano, mas sim com questões mundanas da sociedade hebraica.  

 

Perante esta demonstração de força cívica, Benjamin Netanyahu foi obrigado a reagir, tendo já anunciado algumas medidas.

 

Apesar disso, como diz ainda Yoel Marcus, não bastará a Netanyahu largar um milhão aqui outro milhão ali. Será preciso adoptar uma política estratégica e coerente no que diz respeito à habitação.

 

Mas, se isto já é, por si só, um desafio hercúleo em sociedades ditas normais, como a portuguesa, no caso de Israel tudo se torna mais complicado, perante a existência de um paradigma bem delineado no que diz respeito à construção de habitação nos territórios ocupados da Cisjordânia com fins geopolíticos e geoestratégicos.

 

Se durante muitos anos a sociedade hebraica foi aceitando, ou pelo menos foi passiva, perante esta situação, agora parece começar a dar sinais de que não estará disponível para ver o seu Governo a manter uma política de habitação bem estruturada para os colonatos ao mesmo tempo que não dá respostas aos problemas diários dos cidadãos que vivem no território hebraico.

 

Ainda há uns dias, o ministro do Interior aprovou a construção de mais 1600 casas para colonos nos territórios ocupados de Jerusalém Oriental em Ramat Shlomo. É importante relembrar que esta medida tinha sido anunciada em Março do ano passado, gerando inclusive algum desconforto entre Washington e Telavive, já que a sua divulgação coincidira como a visita do vice-Presidente americano Joe Biden a Israel.

 

Além destas 1600, serão em breve aprovadas mais 2000 para o colonato de Givat Hamatos e outras 700 para o de Pisgat Zeev.

 

Face aos protestos dos últimos dias, o porta-voz do Ministério do Interior hebraico já veio dizer que esta medida é meramente “económica” e não “política”, dando a entender que poderá ser uma tentativa de resposta aos anseios da população hebraica.

 

Mas, o Diplomata tem grandes dúvidas que seja esse o caminho que o Governo hebraico deve seguir, sobretudo por duas razões: a primeira prende-se com o processo negocial israelo-palestiniano, havendo uma enorme pressão da Autoridade Palestiniana, de Washington e da comunidade internacional em geral para que Telavive ponha fim à sua política de expansão de colonatos; a segunda razão tem a ver com o perfil específico dos judeus ortodoxos mais radicais que procuram os colonatos, que, apesar de tudo, são uma minoria na sociedade israelita.

 

Como o autor destas linhas já escreveu em tempos, a maioria dos colonos são radicais no seu pensamento. Consideram-se uma espécie de linha avançada da causa sionista na Terra Santa.

 

Dentro da própria sociedade israelita são vistos como uma corrente radical, que canaliza muitos recursos financeiros ao Estado hebraico e que é responsável pelo fracasso crónico das negociações com os palestinianos.

 

Há uns anos, o autor destas linhas conversava em Telavive com um judeu ortodoxo da ala mais radical que tinha passado uma temporada num colonato, e apesar do seu discurso sustentando por uma aparente racionalidade histórica, rapidamente se percebeu que por detrás dos argumentos apresentados se esconde uma fé cega inabalável de “direito histórico” ao território da Cisjordânia, numa perspectiva de Grande Israel.

 

De acordo com os números disponíveis, cerca de 450 mil a 500 mil (não há um valor oficial) colonos vivem na Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental). Isto representa um custo enorme para os cofres do Estado hebraico, porque para manter um colonato em território palestiniano é necessário assegurar condições logísticas e infraestuturas bastante onerosas. Já para não falar no dispositivo de segurança que é preciso mobilizar.

 

Por exemplo, cada colonato funciona como uma autêntica cidade em território hostil, com todos os serviços (escolas, correios, centros de saúde, parques, equipamento desportivos, etc) que existem em Israel. Cada colonato tem ainda uma estrada própria (interdita a palestinianos) que faz a ligação ao Estado hebraico.

 

Quanto ao dispositivo de segurança, está-se a falar de autênticas fortificações, dotadas dos mais avançados equipamentos de vídeo vigilância e bélicos. A segurança activa é assegurada pelos militares das Forças de Segurança Israelitas (IDF).

 

Ora, tudo isto faz com que cada fogo de habitação num colonato se torne muito dispendioso em comparação com o valor da construção de uma casa em condições normais.

 

Mas com se sabe, falar em normalidade no Médio Oriente é pura ficção, sobretudo num Estado que na sua zona mais estreita tem sensivelmente 15 quilómetros de profundidade estratégica (distância entre a praia banhada pelo Mar Mediterrâneo e a fronteira com a Cisjordânia).   

 

Ao longo dos anos a expansão dos colonatos assentou claramente em motivações políticas e estratégicas, numa lógica quase psicótica de que Israel estava rodeado de inimigos que o queriam “empurrar” para mar.

 

Os colonatos não são mais do que postos avançados em território inimigo que há que manter a todo custo, independentemente dos assuntos internos israelitas. Para os vários governos hebraicos, a política de expansão de colonatos foi sempre vista numa lógica de sobrevivência do próprio Estado judaico.

 

Existem actualmente 149 colonatos, sendo que alguns dos mais significativos estão situados nos territórios contíguos a Jerusalém Oriental, para lá da “Green Line”. Mas também cidades palestinianas como Nablus, Jericó, Belém ou Ramallah convivem com colonatos nas imediações geográficas.

 

Algo que não incomoda particularmente os colonos, já que estes consideram estar ao serviço da causa judaica, ao ocuparem território aos palestinianos, inimigos por definição histórica e bíblica.

 

É com esta convicção que milhares de colonos vivem tranquilamente o seu quotidiano, apesar de rodeados de arame farpado, escoltados pelas Forças de Segurança Israelitas (IDF), e sempre sob o perigo iminente proveniente, sobretudo, dos movimentos terroristas do Hamas e das milícias da Fatah.

 

Uma estranha e obsessiva forma de estar na vida, dirá o leitor deste texto, mas a insanidade mental reinante no Médio Oriente altera por completo a perspectiva do problema.

 

Perante tudo isto, é notório que existe uma parte da população em Israel no seu dia-a-dia que enfrenta cada vez mais dificuldades, ao mesmo tempo que vê o Estado hebraico a continuar a investir massivamente na política de colonatos, quando no seu próprio país não consegue comprar ou arrendar uma casa, ou porque os preços são exorbitantes ou porque simplesmente não existem.

 

De New Jersey para a “city”

Alexandre Guerra, 09.08.11

 

Uma das cenas mais intimistas do filme "Cop Land", ao som da melancólica canção "Stolen Car", de Bruce Springsteen, um "filho" de New Jersey

 

Ainda não aconteceu, mas um dia destes em que o Diplomata aterrar em Nova Iorque, uma das primeiras coisas que fará é, estranhamente, ir para os subúrbios. Atravessará o Rio Hudson e alcançará o subestimado estado de New Jersey.

 

Dali, olhará para a “city” numa outra perspectiva. Porém, mais do que o desfrutar da visão panorâmica, o interessante é tentar perceber de que forma aquele estado, com as suas gentes e comunidades, tem contribuído para a dinâmica do quotidiano e para a construção da identidade de Nova Iorque.

 

Daquilo que o Diplomata pouco conhece, New Jersey é mais do que um “anexo” ou que um mero “dormitório” de Nova Iorque.  

 

A sua tradição histórica vem de longe. Afinal, New Jersey foi, por exemplo, o primeiro estado a assinar a Bill of Rights e o terceiro a ratificar a Constituição dos Estados Unidos. New Jersey tem a segunda Câmara dos Representantes estadual mais antiga do país. Além disso, foi uma das 13 “colónias” que declarou a independência dos Estados Unidos, tendo sido palco de mais de 100 batalhas durante a “Revolution War”.

 

Já agora, a título de curiosidade, foi também em New Jersey onde se organizou o primeiro jogo de basebol, em 1846, e onde se realizou o primeiro jogo profissional de basquetebol, em 1896.

 

New Jersey é ainda o estado norte-americano com mais cavalos por quilómetro quadrado e ainda um dos dois em que é proibido o serviço de self-service nos postos de abastecimento.

 

Há muito que o autor destas linhas tem algum interesse por aquele estado. Não que tal se deva a qualquer razão específica, e muito menos aos exemplos acima mencionados.

 

Talvez a sua relação íntima com Nova Iorque e o facto daquele estado ter uma dinâmica própria (da qual resultaram fenómenos como Bruce Springsteen ou os Bon Jovi) fizeram despertaram há muito a curiosidade por New Jersey.

 

Ainda há dias, ao rever o "Cop Land", um intenso filme de James Mangold, com Sylvester Stallone, Robert De Niro, Harvey Keitel, Ray Liotta, entre outros, o Diplomata redescobria aquele mundo interessante de New Jersey.  

 

Neste caso concreto, através de um filme de 1997, bem acolhido pela crítica e em festivais internacionais como o de Estocolmo ou o de Veneza, que apesar de ficção quanto ao enredo, não deixa de espelhar uma certa realidade local.   

 

O filme retrata uma comunidade numa pequena cidade de New Jersey, composta maioritariamente por polícias (e suas famílias), que diariamente se deslocam para Nova Iorque com o objectivo de “proteger e servir” aquela cidade, apesar de a desprezarem pela sua decadência em termos de valores da sociedade e de costumes.

 

Esta comunidade policial, enraizada na sua pequena cidade de New Jersey, olhava para Nova Iorque como um mundo distante (apesar de estar ao alcance de uma travessia de ponte), corrupto e indigno de acolher estes políticas e as suas famílias.

 

O problema é que como qualquer dinâmica de grupo demasiado hermético, este tende a fechar-se nos seus rituais, distanciando-se da realidade à sua volta. Aquela pequena cidade de New Jersey passou a ser o mundo destes polícias do New York Police Department (NYPD), onde impunham as suas próprias regras, levando a que a fronteira entre a legalidade e o crime se esbatesse e  que o certo e o errado deixassem de ser conceitos devidamente estanques.

 

Este é um exemplo ficcionado, pela negativa, de como é possível criarem-se realidades totalmente distintas, com as suas próprias dinâmicas, entre dois espaços geograficamente próximos, em que, aparentemente, um (New Jersey) deveria a razão da sua existência em função do outro (Nova Iorque).

 

A verdade é que a dinâmica das grandes cidades e urbes é algo bastante complexo, sobretudo numa altura em que pelo menos 50 por cento da população mundial vive nestes espaços.

 

Por vezes, no seio das grandes cidades e urbes desenvolvem-se outras realidades, onde existem comunidades próprias (e não se está a falar de guetos), com os seus rituais e códigos, que desconfiam e até desprezam o paradigma dominante.  

 

Curiosamente, e de acordo com o que se lê na Wikipedia, o realizador James Mangold ter-se-á inspirado para este filme na sua cidade natal de Washingtonville, estado de Nova Iorque, já que crescera num bairro composto maioritariamente por uma comunidade de agentes da NYPD.

 

Já agora, mais alguma informação sobre New Jersey: tem uma população de quase 9 milhões (censos 2010),  24 sítios históricos, 11florestas estatais, 42 áreas naturais e 36 parques estatais.

 

SIS, uma história secreta nunca revelada e agora contada pelo Diplomata

Alexandre Guerra, 03.08.11

 

 

 

Por motivos diferentes, é recorrente, de tempos a tempos, surgir na agenda mediática e no debate político português alguma história (ou talvez estória) relacionada com os serviços secretos. Seja os Serviços de Informação de Segurança (SIS) ou os Serviços de Informação Estratégicas de Defesa (SIED), trata-se sempre de um tema aliciante, embora na maior parte das vezes o assunto surja devido às suas ramificações políticas e não necessariamente a temas relacionados com a actividade, propriamente dita, daquelas entidades.

 

O Diplomata confessa que pouco ou nada sabe sobre a actividade e os métodos do SIS ou do SIED. O que não será propriamente anormal, tendo em conta a natureza secreta daquelas organizações.

 

Ao contrário do que se passa com outras agências do género noutros países, tais como a CIA, a Mossad, a ISI, o FSB, o MI5 ou o MI6, no caso do SIS ou do SIED a literatura existente é escassa, as informações rareiam e as duas organizações são bastante fechadas, não permitindo olhares indiscretos sobre as suas estruturas, orgânicas e acção.

 

É também por isso que o Diplomata estranha aquilo que algumas vozes opinativas, que andam pelos jornais e televisões, têm dito sobre a importância e actividade dos serviços secretos, a propósito da mais recente polémica em torno dos e-mails enviados pelo ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho, para a Ongoing, empresa para a qual passou a trabalhar poucas semanas depois de ter deixado as secretas.

 

Brasão comemorativo dos 25 anos do SIS (1985-2010)

 

Num dos textos que o Diplomata leu, o seu autor, director de um jornal, portanto alguém com responsabilidades acrescidas e dever de objectividade, tecia uma série de considerações que ridicularizava o papel das secretas em Portugal, relegando-as para uma brincadeira de alguns senhores. O tom chegava a ser ofensivo.

 

Ora, este não é um discurso isolado e há quem tenha esta opinião em Portugal sobre os seus serviços secretos.

 

A questão principal, e sobre a qual todos deveriam reflectir, deveria passar por tentar perceber-se o papel das secretas nas sociedades modernas. E aqui as pessoas devem abstrair-se daquilo que sabem e ponderar sobre aquilo que não sabem. Devem ter em consideração não os atentados que vão ocorrendo por esse mundo fora, mas aqueles que já foram evitados devido à acção dos serviços secretos.

 

Mas ainda em relação ao trabalho dos serviços secretos portugueses, o autor destas linhas talvez até saiba um pouco mais do que aqueles que sem hesitação desvalorizam a actividade das agências de “intelligence” nacionais.

 

A história nunca foi contada publicamente, mas vários anos volvidos, poderá ser um contributo elucidativo para que os leitores deste espaço tenham um vislumbre sobre a actividade das agências nacionais.

 

Alguns dias depois do 11 de Setembro, o estado de alerta e de pânico era global. Agências de “intelligence”, forças armadas, polícias, e outras entidades em todo o mundo estavam empenhadas em procurar pistas, rastos e informação sobre a al Qaeda e eventuais novos ataques.

 

Na altura, o autor destas linhas vivia ainda os seus tempos de jornalista no Semanário, estando precisamente a trabalhar sobre este assunto, desde o primeiro embate do avião numa das torres do World Trade Center.

 

Algunas dias depois a seguir aos atentados, o autor destas linhas, que estava na redacção a “fechar” o jornal para sair na Sexta, recebeu uma “dica”, já ao final da tarde de Quinta, informando que Osama bin Laden teria estado ou passado em Portugal. A “fonte” era credível, já que a informação vinha de alguém ligado à Embaixada americana.

 

Com o tempo a escassear, uma vez que o jornal estava praticamente fechado, o autor destas linhas tentou por todos os meios confirmar a veracidade desta informação, numa altura em que a confusão era bastante no que diz respeito à clarificação de inúmeros dados que iam chegando de todos os lados.

 

Com poucas opções para confirmar a veracidade aquela “dica”, e estando excluída a via da embaixada americana, porque este autor não tinha acesso directo à “fonte”, foi tentada uma última possibilidade. Bater directamente à porta do SIS.

 

O autor destas linhas não tinha qualquer contacto próximo no SIS, mas não deixou de tentar a sua sorte. E surpreendentemente, depois de devidamente identificado, lá foi possível chegar à fala com alguém daquela agência que se apresentou apenas pelo primeiro nome.

 

O autor destas linhas recorda que ainda tentou conseguir um segundo nome, mas o interlocutor limitou-se a reiterar apenas o primeiro nome, sempre num tom educado e muito prestável.

 

De forma aberta e frontal, foi colocada ao “homem” do SIS a questão. Este, num registo cordato, mas claramente conhecedor da situação, respondeu algo que o autor destas linhas nunca mais esqueceu.

 

À pergunta se Osama bin Laden teria estado ou passado por Portugal, o agente limitou-se a dizer num tom clarificador e de sincera ajuda o seguinte: “Olhe que a família de bin Laden é muito grande.” E mais não disse. Porém, a verdade é que já tinha dito muito. O autor destas linhas iria confirmar isso mesmo mais tarde.

 

Com esta resposta, percebeu-se de imediato que o SIS não teria provas ou indícios de que Osama bin Laden tivesse passado ou estado em Portugal. No entanto, a resposta do “homem” do SIS pressuponha que haveria algo a investigar e com interesse jornalístico.

 

A informação era boa, mas faltava a sustentação factual e com o jornal a fechar optou-se por não avançar com a matéria.

 

Dias depois, a Rádio Renascença avançava com a notícia de que familiares de bin Laden tinham uma fábrica de conservas no Algarve. Um investimento inofensivo, mas deveras interessante à luz daquilo que dias antes o autor destas linhas ouvira do SIS.

 

Perante isto, ficou claro que o SIS não “andava a dormir” e poucos dias depois do 11 de Setembro já tinha um rasto concreto de pessoas com ligações ao líder da al Qaeda.

 

Na Turquia moderna é a primeira vez que um Governo civil escolhe chefes militares

Alexandre Guerra, 01.08.11

 

Erdogan e o general Ozel, esta Segunda, no Supremo Conselho Militar (YAS)

 

Sinais interessantes, embora potencialmente preocupantes, aqueles que chegam da Turquia, onde pela primeira vez um Governo civil vai nomear os chefes militares.

 

Alguns analistas estão a ver neste gesto uma vitória do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que nos últimos tempos se vinha envolvendo num clima de conflito permanente com a instituição militar, por várias vezes acusada de querer interferir e até mesmo derrubar o actual poder político.

 

Na semana passada, os líderes dos três ramos das forças armadas não aceitaram que alguns oficiais fossem detidos sob a acusação de conspiração contra o Governo e, furiosos, pediram a sua demissão, abrindo, assim, caminho para Erdogan nomear novos chefes militares.

 

Também o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, o general Isik Kosaner, juntamente com alguns dos seus comandantes, pediu a sua demissão, apenas poucas horas depois de um tribunal ter acusado 22 generais e outros oficiais de terem encetado uma campanha subversiva na Internet para fragilizar o Governo.

 

Há já algum tempo que o Executivo tem acusado os militares de tentarem interferir no poder político, tendo a relação se deteriorado substancialmente, chegando ao actual momento, em que tudo indica que Erdogan terá conseguido criar as condições para colocar novos líderes militares mais "próximos".

 

Para já, o general Necdet Ozel foi escolhido como o novo Chefe do Estado Maior, devendo ser empossado pelo Presidente Abdullah Gul na Quinta-feira.

 

Entretanto, desde hoje e durante os próximos três dias, Erdogan, juntamente com Ozel, estará a presidir ao encontro anual do Supremo Conselho Militar (YAS), estando em agenda, precisamente, a reformulação da cúpula das forças armadas.

 

A instituição militar tem rejeitado veementemente quaisquer interferências na esfera do poder político, como aliás tem sido a sua tradição desde a fundação do Estado da Turquia.

 

Na verdade, as forças militares têm sido vistas com um garante de estabilidade e de equilíbrio entre a necessidade de progresso e de democratização e a tradição assente sobretudo no islão.

 

Apesar desta evidência, vários têm sido os momentos de conflito, com muitas detenções de militares e vários processos em tribunal. Tem sido assim nos últimos dois anos, provocando um desgaste entre militares e Governo sem paralelo na Turquia moderna.

 

Aliás, são tantos os detidos entre os oficiais de alta patente que se reflecte nas inúmeras ausências no YAS, um encontro que pela primeira vez na sua história não conta com a presença dos chefes dos vários ramos das forças armadas.