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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

A história de um livro que marcou a História

Alexandre Guerra, 28.05.11

 

 

 

O livro “Mein Kampf – História de um livro”, editado recentemente pelas Publicações Europa-América e da autoria do jornalista e realizador de documentários, Antoine Vitkine, começa com uma informação que talvez poucos saibam: O líder nazi, Adolf Hitler, registava a sua profissão como “escritor” nos formulários dos impostos dirigidos à administração fiscal alemã.

 

Embora não se possa dizer que Hitler tenha sido um homem de literatura, ironicamente foi o autor de um dos livros mais conhecidos e vendidos de sempre.

 

A sua história (do “Mein Kampf”) começa em 1923 com a condenação de Hitler por tentativa de um golpe de Estado que o levou a passar alguns meses no forte de Landsberg.

 

O importante neste livro agora lançado pela Europa-América é proporcionar ao leitor toda a história de “Mein Kampf”, “repleta de zonas sombrias” e que são agora reveladas. Vitkine pretende também dar novas perspectivas sobre alguns aspectos do livro e que têm sido pouco referidos, tais como os contornos específicos em que foi escrito numa “cela modesta”, as suas implicações doutrinárias e políticas ou, por exemplo, a aceitação daquela obra no pós-45.

 

“Ainda antes da subida do seu autor ao poder, em 1933, ‘Mein Kampf’ foi adquirido por milhares de pessoas”, o que demonstra que o livro viveu por si próprio, não tendo o seu sucesso inicial se ficado a dever à notoriedade (inexistente) de Hitler.

 

Durante o III Reich foram impressos 12 milhões de exemplares do “Mein Kampf” e ainda hoje continua a ser um sucesso de vendas em muitos países. Segundo alguns dados disponibilizados no livro de Vitkine, só na versão inglesa são vendidos cerca de 20 mil exemplares por ano. Em França, apesar das restrições legais, a obra é igualmente distribuída por um editor, sempre no estrito cumprimento da lei. Na Turquia, por exemplo, o “Mein Kampf” chegou a vender 80 mil exemplares por ano, colocando-o no topo dos livros mais vendidos. Também em países como a Índia, a Rússia, o Egipto ou o Líbano se verifica uma procura substancial daquela obra.

 

Como refere Vitkine, “pode parecer inaceitável, mas é a mais pura das verdades: 80 anos após a sua escrita, passadas décadas da descoberta dos campos de concentração nazis, ‘Mein Kampf’ continua ainda a ter voz”.

 

Apenas uma curiosidade, o "Mein Kampf" chegou a ser impresso em braile.

 

Fica aqui mais uma sugestão do Diplomata, nesta nova rubrica de divulgação e de análise de livros lançados no mercado português que, de forma mais ou directa, possam estar relacionados com as temáticas abordadas neste espaço.

 

Um "cowboy africano" que dificilmente tranquilizará alguém no Sudão e arredores

Alexandre Guerra, 26.05.11

 

 

Salva Kiir, líder do Sudão do Sul

 

O Sul do Sudão está a poucas semanas de se tornar no mais recente Estado independente do mundo, quando em Julho proclamar formalmente, e sob a anuência da ONU, a sua secessão do restante território sudanês.

 

Sobre este assunto, o Diplomata já escreveu dois textos, nomeadamente, alertando para a possibilidade de, à boa e velha maneira africana, tudo isto resultar em mais um conflito opondo diferentes religiões e etnias.

 

Mas, para tranquilidade de todos (ou talvez não), Salva Kiir, uma personagem digna de um filme, mas que na verdade é o líder dos sudaneses do Sul, vem agora dizer que não vai entrar em guerra com o Norte por causa da região de Abyei. Um território rico em petróleo mas que desde Janeiro, altura em que se realizou o referendo da separação, está em disputa entre o Norte e o Sul porque não foi contemplado em que parte ficaria.

 

Tanto Kiir, antigo membro do círculo de poder próximo do defunto e carismático líder John Garang, como o Presidente do Sudão, Omar al-Bashir, reclamam aquela região, tendo este, inclusive, enviado tropas para o local, apesar da condenação da ONU.

 

Kiir acusa o regime de Cartum de ter exagerado, no entanto, rejeita a ideia de entrar em guerra com o Norte, depois do povo sudanês ter posto cobro em 2005 a uma guerra de 22 anos que ceifou um milhão e meio de vidas.

 

Seja como for, analistas e observadores internacionais, assim como o Diplomata, receiam que Abyei possa ser o rastilho para um conflito civil que oponha a vasta população maioritariamente cristã animista do Sul contra os sudaneses muçulmanos a Norte liderados pelo Presidente al-Bashir.

 

Neste momento, já surgem várias notícias que dão conta de populações deslocadas, da fuga de trabalhadores humanitários e de eventuais “crimes de guerra” em Abyei.

 

É ainda difícil confirmar com exactidão o que se está a passar naquele território, mas uma coisa é certa, existem razões para preocupações, devendo a ONU e a União Africana (UA) estarem particularmente atentas nestas semanas que antecedem a proclamação formal da independência do Sul do Sudão.

 

A ingenuidade de Obama

Alexandre Guerra, 22.05.11

 

Eran Wolkowski/Haaretz

 

O Presidente Barack Obama foi ingénuo e mal aconselhado quando, no discurso sobre o Médio Oriente proferido na passada Quinta-feira, veio defender a solução de “dois Estados” na Palestina delimitados pelas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias ("pre-1967 borders"). Um erro de tal forma evidente e inédito nas presidências americanas, que foi confrangedor ver Obama ouvir do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em plena Sala Oval, que tal solução nunca seria aceite por Israel, porque a mesma colocaria em causa a segurança da própria existência do Estado hebraico.

 

O problema das palavras de Obama não está na criação do Estado palestiniano, porque neste ponto todos estão de acordo, incluindo os israelitas, mas sim no facto de sugerir que a sua fronteira com Israel tivesse em conta as linhas impostas em 1949.

 

É preciso relembrar que até 1967, ano em que Israel expandiu substancialmente as suas fronteiras com a Guerra dos Seis Dias, um dos grandes dramas daquele Estado era o problema da “profundidade estratégica”. Note-se que durante aquelas quase duas décadas a zona mais estreita de Israel tinha apenas 15 Km de largura, ou seja, de terra a separar o Mar Mediterrâneo e os territórios palestinianos da Cisjordânia.

 

Para um povo que vive rodeado de inimigos e com a “psicose” de que os palestinianos “querem atirar os judeus para o mar”, as fronteiras israelitas pré-1967 eram claramente uma ameaça à segurança de Israel.

 

 

A “green line” delineada na sequência da Guerra dos Seis Dias acabou por aumentar a “profundidade estratégica” de Israel. E desde então que passaram a ser estas as linhas divisórias “reconhecidas” informalmente no âmbito do processo negocial israelo-palestiniano.

 

Daí a estranheza das declarações de Obama, que aliás, o próprio deve ter reconhecido imediatamente após ter terminado o seu discurso, já que praticamente não reagiu às palavras duras de Netanyahu quando este disse que as linhas de 1967 eram “indefensáveis”. Palavras essas que estão a provocar algum mal-estar no seio da administração americana, com algumas correntes a terem menos paciência para o descontrolo político do seu aliado, comportando-se cada vez mais como um “loose cannon”.

 

Quem não gostou mesmo nada das declarações de Obama foi o poderosíssimo lobby judaico nos Estados Unidos. Assim, e perante as muitas críticas, o Presidente veio reiterar e esclarecer este Domingo no American Israel Public Affairs Committee (Aipac), o principal grupo de lobby judaico norte americano, aquilo que tinha dito: “Let me repeat what I actually said on Thursday (…) I said that the United States believes that negotiations should result in two states, with permanent Palestinian borders with Israel, Jordan, and Egypt, and permanent Israeli borders with Palestine. The borders of Israel and Palestine should be based on the 1967 lines with mutually agreed swaps, so that secure and recognized borders are established
for both states.”

 

Obama tem tido a preocupação de enfatizar este último ponto, que diz respeito à troca de territórios por mútuo acordo, porque segundo a Casa Branca, as principais críticas de Netanyahu não têm tido em consideração esta questão fulcral para o Presidente americano: “Since my position has been misrepresented several times, let me reaffirm what ‘1967 lines with mutually agreed swaps’. By definition, it means that the parties themselves — Israelis and Palestinians — will negotiate a border that is different than the one that existed on June 4, 1967. It is a well known formula to all who have worked on this issue for a generation. It allows the parties themselves to account for the changes that have taken place over the last 44 years.”

 

Também George Mitchel, enviado americano para o Médio Oriente, saiu em defesa de Obama, para dizer que este não tinha dito que Israel teria que voltar às fronteiras pré-1967. O que o Presidente teria proposto eram as tais trocas de territórios por mútuo acordo.

 

Seja como for, e apesar das suas boas intenções, o Presidente Obama abordou este assunto da pior maneira possível, já que a questão das fronteiras, juntamente com o problema dos refugiados e do estatuto de Jerusalém, é um assunto de enorme sensibilidade para israelitas. E até mesmo os dirigentes palestinianos sabem que, realisticamente, nunca será possível ter um Estado Palestiniano com as fronteiras pré-1967, tal como sabem que nunca será possível o regresso de todos os palestinianos refugiados espalhados pela Jordânia, Líbia e Síria. O estranho é Obama não saber disto ou, pelo menos, não ter a sensibilidade necessária para gerir o tema das fronteiras no Médio Oriente.

 

Já menos estranha foi a dura resposta de Netanyahu que, na senda do que vem sendo hábito desde que assumiu a liderança do Governo, vem adensar ainda mais a tensão nas relações entre Washington e Telavive, colocando em causa os interesses de Israel a médio e a longo prazo. Ainda este Domingo, o Haaretz, em editorial, mostrava-se bastante crítico ao seu primeiro-ministro.

 

Mais um factor de tensão no seio da coligação governamental inglesa

Alexandre Guerra, 19.05.11

 

David Cameron e Nick Clegg

 

Há uns dias, por ocasião do primeiro ano de coligação governamental em Inglaterra, o líder dos liberais democratas, Nick Clegg, enfatizou o papel político do seu partido no Executivo, dando como exemplo a suspensão do programa de modernização da frota de submarinos nucleares Trident.

 

Mas, esta Quarta-feira, o secretário de Defesa, Liam Fox, informou que o Governo liderado pelos conservadores do primeiro-ministro David Cameron vai avançar de imediato com o programa de renovação dos Trident.

 

Nesta primeira fase, que está orçamentada em 3 mil milhões de libras, será iniciado o projecto de design para a construção dos submarinos e dos novos reactores nucleares.

 

Esta decisão vai aumentar ainda mais a tensão entre os dois parceiros de coligação. Os liberais democratas preferiam adiar este programa, no entanto, os “tories” opuseram-se, por considerarem que poderia colocar em risco a capacidade dissuasora nuclear inglesa.

 

Mulheres, a irresistível tentação de Dominique Strauss-Khan e de Paul Wolfowitz

Alexandre Guerra, 18.05.11

 

 

 

Talvez poucos tenham pensado nisso, mas as piores crises que assolaram duas das principais organizações internacionais erigidas sobre os escombros da II Guerra Mundial, tiveram na sua origem escândalos que envolveram os seus líderes máximos com mulheres.

 

No passado Sábado, o director geral do FMI, Dominique Strauss-Khan, foi detido em Nova Iorque sob a acusação de agressão sexual contra uma empregada de hotel, uma notícia que caiu que nem uma bomba em todo o mundo, com repercussões particularmente avassaladoras em França. Mas, sobre este assunto não vale a pena o Diplomata acrescentar uma única palavra, tal é a enxurrada de notícias sobre o tema.

 

O que já está esquecido e que tem sido pouco mencionado, com algumas excepções na imprensa internacional, foi o escândalo que assolou o Banco Mundial em 2007, quando o seu director Paul Wolfowtiz, um dos grandes “falcões” da administração do Presidente George W. Bush e um dos principais rostos “neoconservadores”, foi obrigado a demitir-se sob a acusação de ter favorecido ilicitamente a sua namorada, Shaha Riza, também ela funcionária daquela instituição.

 

Wolfowitz, que assumira a presidência do Banco Mundial em 2005, promoveu e aumentou o ordenado de Riza muito acima do que seria normal para os padrões da organização, naquilo que foi visto como uma clara violação das suas normas éticas.

 

Este escândalo, ao qual se juntaram outros casos polémicos na gestão de Wolfowtiz à frente do Banco Mundial, foi suficiente para derrubar um dos principais obreiros da intervenção americana no Iraque.

 

Nos Montes Golã fez-se história, mas o mundo estava distraído

Alexandre Guerra, 17.05.11

 

 

Talvez distraído pelos devaneios sexuais de Dominique Strauss-Khan em Nova Iorque, o Diplomata não deu grande importância aos confrontos que ocorreram no Domingo no Médio Oriente, que provocaram 12 mortos palestinianos. Julgou tratar-se de um “Nakba” ligeiramente mais mortífero que em anos anteriores, provavelmente, inspirado pelas revoltas de rua nalguns países muçulmanos daquela região e do Magrebe.

 

De facto, as notícias falavam em agitações nalgumas zonas da fronteira israelita com o Líbano, com a Síria e com a Jordânia, países com grandes comunidades de palestinianos.

 

Numa sucinta explicação para o leitor menos atento ao que se vai passando naquela região, daqueles três países, tem sido o Líbano o que mais problemas tem suscitado a Israel no que concerne à questão dos refugiados palestinianos, sobretudo os que residem nos campos de refugiados no sul libanês.

 

Esta zona é potencialmente explosiva e o historial de violência de há muitos anos tem sido prova disso. Mesmo em períodos de maior acalmia basta ir à fronteira, do lado israelita (foi aquela que o Diplomata conheceu), para se sentir a tensão no ar, ao olhar para o outro lado da vedação, e a poucos metros já se verem as bandeiras do Hezbollah, numa clara demarcação de território. A troca de tiros e de morteiros é recorrente.

 

Do lado jordano, a questão é bem menos problemática, sendo que o único ponto de fricção é a passagem fronteiriça para a Cisjordânia através da famosa “Allenby Bridge”.

 

 

A ponte atravessa o Rio Jordão e é a principal porta de entrada dos palestinianos jordanos para a Cisjordânia, já que a alternativa seria descerem para sul através do deserto da Jordânia, entrarem por Israel na fronteira de Aqaba/Eilat, e subirem novamente para a Cisjordânia já por território hebraico (o que está completamente fora de causa).  

 

Nos anos mais “quentes” da intifada de al Aqsa, “Allenby Bridge” viveu momentos bastante tensos, sendo muitas vezes encerrada pelas forças de segurança israelitas (IDF), uma situação que em determinadas alturas se prolongava durante dias, provocando situações de grande drama naquela fronteira. De qualquer forma, Israel teve sempre o controlo da situação e já há algum tempo que não se ouvem notícias daqueles lados.

 

Ainda mais calma, pelo menos até este Domingo, era a fronteira de Israel com a Síria, demarcada em pleno coração dos Montes Golã, anexados pelo Exército hebraico na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

 

A última vez que se registou grande agitação naquela zona foi em 1973, aquando da investida dos soldados sírios na Guerra de Yom Kippur para recuperar os Montes Golã e que permitiu, durante algumas horas, vários sírios celebrarem a sua “libertação”. No entanto, foi uma alegria momentânea, já que a resposta hebraica foi quase imediata, tendo reconquistado o território e reforçado ali a sua presença.

 

Desde então que os habitantes dos Monte Golã, sírios, drusos e também colonos israelitas, têm vivido em tranquilidade, numa região de grande beleza, mas igualmente fortemente vigiada e separada por uma “no man´s land”, vedada em ambos os lados e com torres de vigia dos dois lados da fronteira.

 

 

Ousar atravessar aquela fronteira, eventualmente algum palestiniano sírio que queira chegar até á Cisjordânia, é arriscar a própria vida. Na verdade, o autor destas linhas não tinha conhecimento, até este Domingo, de grandes “aventuras” por aqueles lados.

 

Por exemplo, e para o leitor ter uma ideia de como se vive naquelas bandas, sempre que palestinianos no lado israelita querem comunicar com familiares ou amigos no lado sírio, ou vice-versa, existem vários pontos geograficamente mais próximos, onde é possível falar (gritar, melhor dizendo) através de megafone para o outro lado da fronteira.

 

A linha de fronteira dos Montes Golã, embora altamente militarizada e vigiada, é, nalguns pontos, envolvida num ambiente inóspito, montanhoso e sem vivalma. O visitante, que por ali anda, tal com o autor destas linhas já lá andou, encosta-se a uma das devações que limita uma velha estrada de alcatrão, "terra de ninguém", vendo-se apenas uma velha tableta afixada a proibir a passagem. Um cenário em que o “status quo” tem sido respeitado religiosamente.

 

É por isso que as imagens agora divulgadas, e aqui colocadas, são verdadeiramente surpreendentes e históricas, uma vez que as pessoas vindas da Síria (o Diplomata confirma) conseguem atravessar a “No Man’s Land” e entrar em Israel sem que alguém das IDF se oponha. De acordo com as autoridades israelitas, terão entrado cerca de 150 palestinianos que, entretanto, foram reconduzidos para a Síria ou detidos. 

 

Perante este cenário não é de estranhar os alarmes tenham soado em Israel.

 

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