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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Mais do que o "fim da História", valerá a pena ouvir Fukuyama sobre o "último homem"

Alexandre Guerra, 29.04.11

 

 

Das várias personalidades que vão estar nas Conferências do Estoril na próxima semana, e muitas delas de excepcional calibre político e intelectual, o autor destas linhas revela o seu primeiro “cable” ao admitir o seu particular interesse por Francis Fukuyama, aguardando com muita expectativa a apresentação deste filósofo político.

 

Ao contrário do que o leitor possa estar a imaginar, esta preferência não se deve à obra que o tornou célebre, O Fim da História e o Último Homem, mas antes ao trabalho que desenvolveu no ambito do estudo da problemática das novas biotecnologias nas sociedades pós-modernas.

 

É certo que Francis Fukuyama se celebrizou pela sua teoria determinista pós-Guerra Fria, no entanto, para quem conhece a obra de Kojève, Marx, Hegel ou, recuando ainda mais, de Políbio, percebe que nada de novo existia naquele paradigma e convicção de que o autor estava a viver um momento único de ruptura sistémica. A verdade é que já muitos outros tinham escrito sobre o “fim da história”, precisamente por acreditarem que também eles viviam naquele determinado momento da História uma época única de mudança de paradigma.

 

Seja como for, a parte mais interessante desse famoso livro de Fukuyama, e que muitos ignoraram ou nem se aperceberam, é aquela a que se refere ao “último homem”. Porque, é precisamente a partir deste pressuposto que aquele filósofo político parte para o seu estudo sobre o “mundo pós humano”, que resulta no fascinante livro, este sim, O Nosso Futuro Pós-Humano.

 

É importante relembrar que quando Francis Fukuyama falou no “fim da história”, apropriando-se de uma concepção determinista, admitiu mais tarde que a génese da destruição da sua tese se encontrava precisamente nas novas biotecnologias. A possibilidade de um “outro eu”, produto do Homem e não do livre arbítrio, faria emergir um mundo pós-humano, dando-se, assim, início a uma nova História.

 

Pela primeira vez, Deus deixara de ter a exclusividade para aniquilar a sua própria criação. O Homem passava a ter essa possibilidade, o governante passava a deter o poder para destruir a Humanidade.

 

O livro O Nosso Futuro Pós-Humano, publicado em 2002, veio reflectir precisamente sobre a problemática das novas biotecnologias, nomeadamente, ao nível do seu impacto nas sociedades pós-modernas, algo com que os decisores políticos até então jamais tinham sido confrontados.

 

Este é um debate que era apenas o produto da imaginação de alguns homens, como por exemplo Aldous Huxley, que no seu Admirável Mundo Novo recorre ao primado da ciência e tecnologia para “acabar” com a Humanidade, tal como a sempre se conhece, para mergulhar num mundo pós-Humano.

 

Aquela obra foi escrita há, sensivelmente, 70 anos. Hoje, o mundo pós-humano de Francis Fukuyama não é fruto da sua imaginação, mas sim resultado de uma análise e investigação da realidade pós-moderna.

 

Com os instrumentos que começam a ficar ao dispor dos cientistas capazes de desafiar a ordem instituída, Fukuyama enfatiza as diferenças entre uma sociedade criada a partir do livre arbítrio, ou daquilo que chama de “lotaria genética”, e uma sociedade erigida com base em modelos pré-definidos, onde nada é deixado ao acaso. “Livre arbítrio vs determinismo (genético)” poderá vir a tornar-se uma das equações mais fracturantes e polémicas no debate politico e sociológico dos próximos anos. E Fukuyama ajuda a explicar porquê.

 

Texto publicado originalmente em Cables from Estoril.

 

 

Cables from Estoril

Alexandre Guerra, 28.04.11

 

 

Como escreveu o Nuno Gouveia, "as Conferências do Estoril 2011 apresentam-se como uma verdadeira janela para a discussão dos problemas e desafios mais prementes que o mundo enfrenta actualmente". 

 

A edição deste ano, à semelhança do que aconteceu na primeira,em 2009, apresenta um conjunto de oradores de várias áreas de interesse e de elevado prestígio internacional, e que vão, certamente, contribuir com novas perspectivas sobre as temáticas em análise e promover respostas para fazer face aos desafios globais.

 

Perante o desafio lançado e a possibilidade de trazer estes debates para a  blogosfera, o Nuno Gouveia, o Jorge Nascimento Rodrigues e o autor destas linhas juntaram-se no Cables from Estoril, um blogue criado especificamente para estas conferências e que estará no Centro de Congressos do Estoril para acompanhar as várias conferências e iniciativas que decorrerão entre os próximos dias 4 e 6 de Maio.  

  

Momentos com história

Alexandre Guerra, 28.04.11

 

 

Perante os rumores insistentes, cada vez mais ruidosos à medida que a corrida eleitoral para as presidenciais nos Estados Unidos do próximo ano começa a mexer, a Casa Branca decidiu, de uma vez por todas, acabar com a especulação em torno do local de nascimento do Presidente Barack Obama. Os seus opositores, sobretudo os mais acérrimos, sempre disseram que Obama teria nascido no Quénia, mas o Presidente tem reiterado o Havai como a sua terra Natal. Esta Quarta-feira revelou ao mundo o seu certificado de nascimento. Mais um exemplo de como na política americana não se brinca em serviço.

 

O Diplomata bem avisou que o Goodluck Jonathan ia arranjar problemas na Nigéria

Alexandre Guerra, 24.04.11

 

A propósito do que se passa na Nigéria e dessa figura da política africana, chamada Goodluck Jonathan, que acabou de vencer as eleições presidenciais daquele país, o Diplomata escrevia isto em Março do ano passado e dois meses depois escrevia isto.

 

Era previsível que Goodluck Jonathan, um cristão do Sul, se iria tornar num foco de conflito, num país abraços com profundas divisões religiosas e étnicas (mais de 250 grupos). E de acordo com aquilo que o Diplomata já tinha escrito, também não é de estranhar que os muçulmanos do Norte, supostamente liderados pelo candidato derrotado, o general Muhammadu Buhari, estejam a pegar em armas e se mostrem pouco disponíveis para aceitar os resultados eleitorais.

 

A organização nigeriana de direitos humanos, Civil Rights Congress (CRC), fala em mais de 500 mortos e em cerca de 40 mil deslocados.

 

 

The Bang Bang Club

Alexandre Guerra, 23.04.11

 

 

Acabou de estrear no Tribeca Film Festival o filme The Bang Bang Club, um nome ouvido pelo autor destas linhas pela primeira vez há alguns anos e que simboliza o espírito de missão e de sacrifício dos verdadeiros repórteres de guerra.

 

Na altura, o Diplomata recorda que tinha um recorte de jornal colado na parede do quarto com uma fotografia que valia certamente por mil palavras e que abria uma janela para realidades dramáticas, nas quais os jornalistas de guerra podem às vezes ser eles as próprias vítimas. 

 

Na tal fotografia via-se o fotojornalista João Silva a carregar em ombros e com esforço o corpo do seu colega Ken Oosterbroek, morto num fogo cruzado entre elementos da força de manutenção de paz e apoiantes do ANC na cidade sul-africana de Tokoza, a 18 de Abril de 1994.

 

Morria assim um dos quatro elementos do The Bang Bang Club que, além de Silva e de Oosterbroek, contava ainda com Kevin Carter e Greg Marinovich. Autênticos companheiros, destemidos repórteres de guerra que durante anos trouxeram ao mundo os horrores dos conflitos através das suas lentes.

 

Os quatros fotojornalistas cobriram a violência na África do Sul durante vários anos até 1994, ano das eleições que deram a vitória a Nelson Mandela e que puseram fim ao regime de Apartheid.

 

A violência e a pressão psicológica a que estiveram expostos, ao longo de quase toda uma vida profissional, e os acontecimentos dramáticos de Tokoza, acabaram por levar ao suicídio de Carter, logo em Julho de 1994.

 

Mais tarde, em 2000, Silva e Marinovich lançaram o livro The Bang Bang Club: Snapshots from a Hidden War, no qual os dois fotojornalistas espelharam as suas experiências, angústias e medos. 

 

Mas, o sofrimento no seio do "clube" continuou, tendo João Silva, reputado fotojornalista no New York Times, sofrido um grave acidente no passado mês de Outubro, ao pisar uma mina durante uma patrulha de soldados americanos em Kandahar. Perdeu as duas pernas abaixo do joelho, estando actualmente a fazer trabalho de recuperação com próteses num hospital militar nos Estados Unidos.

 

Marinovich mantém-se no activo.

 

A morte de dois fotojornalistas na Líbia vem lembrar que aquilo é uma guerra a sério

Alexandre Guerra, 22.04.11

 

 

A morte de dois fotojornalistas de guerra e o ferimento de outros dois é um sinal de alerta para a comunidade internacional de que o que se passa na Líbia é mesmo a sério, e que se está entrar num processo de escalada que começa a ter contornos muito preocupantes.

 

Tim Hetherington, colaborador britânico da revista Vanity Fair, tendo também trabalhado com a CNN, e o americano Chris Hondros, da agência Getty, foram atingidos na terça-feira por tiros de  morteiro no centro de Misrata, cidade do oeste líbio.

 

Ambos tinham uma vasta experiência em cenários de conflito. Hetherington cobriu numerosos conflitos nos últimos dez anos e recebeu muitos prêmios, entre eles o World Press Photo Award, em 2007, pelas suas fotos de soldados americanos no Afeganistão. Foi também neste país que, em parceria com o colega de profissão Sebastian Junger, produziu o documentário "Restrepo", premiado no Festival Sundance em 2010 e nomeado para o Óscar. O documentário foi filmado durante dez meses no vale afegão de Korengal, um feudo talibã próximo da fronteira com o Paquistão.

 

O jornal i traz hoje um artigo interessante sobre Hetherington, citando umas declarações suas após as filmagens do Restrepo em que dizia que já não queria voltar a cobrir conflitos. Mas, a verdade é que não resistiu à tentação de mais uma guerra. 

 

Chris Hondros cobriu os conflitos de Kosovo, Angola, Serra Leoa, Afeganistão e Iraque. Ganhou em 2006 a medalha de ouro Robert Capa pela sua "coragem e iniciativa excepcionais" no Iraque.

 

Guy Martin, da agência Panos, e Michael Brown, freelancer, foram os outros dois fotojornalistas que ficaram feridos.

 

Tal como em Lisboa, também os senhores do FMI andam em Cabul a passar receitas

Alexandre Guerra, 20.04.11

 

 

A notícia que o Diplomata aqui dá conta passaria despercebida noutro contexto, já que relata apenas mais um caso de corrupção no Afeganistão, reflectindo o autêntico desgoverno que reina no país, estando com enormes dificuldades para erigir um poder central forte. Mas, ao ler os contornos mais detalhados de toda a situação, é com ironia que se estabelece uma "ponte" entre Cabul e Lisboa.

 

Recentemente foi posto a descoberto um escândalo no Kabul Bank, a maior instituição privada financeira do país, que tinha como alguns dos seus principais accionistas altas personalidades políticas afegãs. Veio-se a descobrir que aquela instituição emprestou avultadas quantias de dinheiro aos seus próprios accionistas, a maior parte de um bolo de 579 milhões, naquilo que os analistas classificaram de “bad loans”, começando aqui uma primeira analogia com Lisboa, mais concretamente com o caso do BPN.

 

Perante esta situação, as autoridades governamentais afegãs foram obrigadas a encontrar uma solução, tendo o Banco Central daquele país anunciado esta Quarta-feira em conferência de imprensa que o Kabul Bank vai ser separado em duas instituições: uma para lidar com a parte legítima do negócio e a outra para gerir a crise dos “bad loans”.

 

Agora vem mais um episódio que remete para a triste situação que se vive em Portugal. Com aquela decisão, Cabul espera sossegar os investidores, as entidades financeiras internacionais e os doadores ocidentais.

 

Porém, isso não vai chegar, tendo as medidas anunciadas por Cabul sido recebidas com alguma cautela. Para as instâncias ocidentais, em particular para os doadores, o que a verdadeiramente as sossega é mesmo é a revisão do programa do FMI naquele país. No âmbito deste processo, o FMI já passou algumas receitas.

 

Mas, se para as instâncias financeiras internacionais a presença do FMI em Portugal representa a falência do sistema de gestão das contas públicas, remetendo o país para o “lixo”, já para os doadores internacionais a intromissão do Fundo no Afeganistão é sinónimo de confiança, de que a sua “economy is relatively sound” (citado pelo New York Times para evitar más interpretações).

 

Ora, o Diplomata reconhece com desportivismo que a comparação aqui feita ou, se o leitor preferir, a "ponte" construída não é intelectualmente honesta, porque são óbvios os diferentes estádios de desenvolvimento do sistema económico dos dois países, mas não deixa de ser irónico constatar estas diferentes perspectivas relativamente à intervenção do FMI em diferentes Estados.

 

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