António José Rodrigues, militar de profissão e arabista por paixão, é daquelas pessoas que por mais adjectivos virtuosos que o autor destas linhas enumere, nunca serão suficientes para descrever as suas capacidades profissionais, intelectuais, culturais e, sobretudo, humanas.
Com percursos profissional e cultural ímpares, enquanto militar ao serviço da NATO, onde esteve em cenários como o Paquistão e o Afeganistão, e na qualidade de um dos mais reputados arabistas nacionais, com obra publicada e reconhecida, António José Rodrigues inicia-se agora nas lides blogosféricas com o seu Um Certo Oriente.
O Diplomata aproveita o momento para recuperar aqui o prefácio que teve o privilégio de escrever para um dos seus mais recentes livros, Um Certo Oriente, o qual teve ainda a honra de apresentar a 5 de Junho de 2009 no Salão Nobre do Palácio da Independência, em Lisboa.
Prefácio Um Certo Oriente, por Alexandre Guerra
Os tempos que se vivem, conturbados mas interessantes, permitem-nos vislumbrar um mundo árabe para além daquele que a visão ocidental foi criando ao longo dos séculos. E não se trata de um exercício de revisionismo histórico, porque para isso tinha de assumir-se que haveria uma história árabe consignada nos compêndios europeus. Efectivamente, os árabes não fizeram parte da história mundial eurocêntrica que nos foi ensinada e que prevaleceu até à idade contemporânea. Hoje, porém, vários são os académicos e investigadores que tentam refundar o papel daquele povo na história da Humanidade a partir da matriz árabe e não da ocidental. O orientalismo foi, de certa forma, o primeiro passo nesse sentido ao caracterizar as sociedades árabes, fosse através de crónicas de viagens, de obras académicas ou artísticas. Os orientalistas eram em parte identificados como uma corrente de pintores europeus que no passado se deslocavam ao Médio Oriente e Norte de África para retratarem cenas do quotidiano, raramente encontradas na Europa. Eram igualmente tidos como orientalistas todos aqueles que se dedicavam ao estudo de línguas das regiões da orla Sul e Este do Mediterrâneo, sendo posteriormente esse campo alargado à Índia e à China.
Ao longo dos séculos XVIII e XIX as relações político-diplomáticas entre as potências imperiais europeias e os povos árabes foram contribuindo para um aprofundamento do conhecimento dos seus hábitos e costumes, mas nem por isso as duas civilizações deixaram de se olhar com desconfiança, medo e inquietação. De certa forma, uma realidade que se estendeu até aos nossos dias. Se durante séculos a Europa e o mundo árabe se regeram por aquilo que Bernard Lewis considera ser um padrão de conquista e reconquista, ataque e contra-ataque, alimentando os receios de parte a parte, nos tempos correm, é o fenómeno do terrorismo islâmico e a xenofobia no seio da sociedade europeia que contribuem para a descrença na política de boa vizinhança.
Neste sentido, a obra que António José Rodrigues traz à estampa assume-se com particular importância, por materializar a visão de um arabista e não de um orientalista, que como já foi referido carrega em si preconceitos históricos e ideias preconcebidas redutoras. Foi precisamente o mundo árabe visto de dentro que o autor deu a conhecer nas suas crónicas que com tanto empenho e dedicação foi desafiando ao longo de mais de quatro anos na secção internacional do Semanário e que agora estão compiladas em livro. Tal como os leitores daquele jornal, também os desta obra terão o privilégio de viajar pela civilização árabe, de uma forma que até então só seria possível pisando as tórridas areias do deserto arábico ou dormindo sob a mesma tenda do hospitaleiro beduíno. O que se lê em Um Certo Oriente foi o que António José Rodrigues vive e sentiu por aquelas terras, aliado a um vasto e incisivo estudo literário que lhe obrigaram a muitas horas de investigação, recompensadas com um prazer infindável e um conforto intelectual que só aqueles que têm a ânsia e o gosto pelo saber podem apreciar.
Trata-se de um interessante e enriquecedor olhar sobre um povo, ou se quisermos civilização, que contempla em sim uma riqueza de hábitos e costumes, que têm passado quase sempre despercebidos ao nosso mundo ocidental, toldado pelos preconceitos resultantes da visão histórica orientalista e, mais recentemente, da onda de choque do terrorismo internacional de inspiração literários, artigos jornalísticos e científicos que se alimentaram, sobretudo, da guerra ao terrorismo e do (pseudo) choque de civilizações para explorarem, por vezes mal, o arabismo. António José Rodrigues seguiu um caminho diferente ao abordar a temática de uma forma descomplexada e desprendida de qualquer modelo de análise previamente instituído. Assim, o leitor será devidamente recompensado ao vaguear pelas histórias e contos que se lhe apresentam, certamente, pela primeira vez.
O ano de 2003 precipitava-se para o seu término quando escorri os olhos pela primeira crónica de Um Certo Oriente e não tive dúvidas de que estava perante um trabalho inovador e envolvente, que dificilmente tinha paralelo nas realidades intelectual, jornalística e académica portuguesas. Ao referenciar estas três vertentes não estou a embarcar num mero elogio de circunstância, mas sim a verificar o facto dos textos de António José Rodrigues, agora complicados neste livro, comportarem técnicas, métodos e estilos diversos, que confluem numa escrita cuidada e fluida.
Militar de profissão e arabista por paixão, o autor das linhas que se seguem encarou sempre o seu trabalho com uma honestidade e dedicação irrepreensíveis, características que devem ser valorizadas, numa sociedade que, por vezes, tem dificuldades em destrinçar a qualidade da irrelevância. A simplicidade da sua pessoa contrasta com a densidade do seu conhecimento, tornando-o actualmente membro de uma elite cujos membros, em Portugal, se deverão contar pelos dedos de uma mão. Foi para mim um privilégio poder trabalhar com António José Rodrigues e uma honra fazer parte deste seu novo projecto. É por isso que lhe reitero o agradecimento por ter partilhado connosco, primeiro em artigos de jornal e agora em livro, a sabedoria e a experiência que nos levam ao conhecimento de um certo Oriente.