O District 9, um filme estreado no ano passado mas que só agora o Diplomata teve oportunidade de ver, correspondeu às expectativas criadas na altura do seu lançamento. De baixo orçamento e aclamado pela crítica, District 9 é muito mais do que um filme de alienígenas.
O recurso ao seres extraterrestres e a uma nave mãe a pairar sobre Joanesburgo durante toda a acção do filme foi apenas a forma encontrada para se abordar as temáticas contemporâneas da discriminação, da segregação, da xenofobia, da separação entre povos das intervenções humanitárias da comunidade internacional.
Contrariando os clichés cinematográficos, os extraterrestres de District 9 foram encontrados pelas autoridades sul-africanas no interior da sua nave depois desta ter parado misteriosamente nos céus de Joanesburgo. Famintos, sem liderança, sujos e com medo, os extraterrestres tornaram-se um embaraço para o Governo de Pretória, que os acomodou num campo de acolhimento nos arredores de Joanesburgo.
Aquilo que começou por ser um espaço circunscrito com arames farpados e algumas tendas, com o passar dos anos foi-se transformando num campo de refugiados de dimensões gigantescas, com 1,8 milhões de residentes. Uma situação que encontra paralelismo em muitos casos reais nas últimas décadas, tendo vindo à memória do Diplomata, por exemplo, o campo de refugiados palestiniano de Dheisheh, em Belém, criado em 1949, e que com os anos se tornou numa autêntica cidade.
Vinte anos depois da chegada dos extraterrestres, o District 9 era um local sem lei nem ordem, sem condições sanitárias e alimentares e um espaço de crime, onde facções de criminosos nigerianos aproveitaram para viver do comércio ilegal de armas (extraterrestres) e da exploração dos alienígenas.
O District 9 era assim um foco de violência, que muitas das vezes se repercutia nas ruas de Joanesburgo, fazendo relembrar algumas das incursões reais dos criminosos das favelas do Rio de Janeiro nas ruas desta cidade.
District 9 relata uma tensão crescente em Joanesburgo, que ao fim de 20 anos de convivência violenta, desaguou num ódio racial dos sul-africanos contra os extraterrestres, alcunhados de “gafanhotos”, trazendo à memória cenas do apartheid.
Um dos aspectos mais interessantes deste filme e que reflecte, mais uma vez, a realidade débil da arquitectura internacional no que diz respeito à gestão de crise com refugiados, deslocados ou minorias, é constatar-se que nunca houve uma verdadeira tentativa de inclusão dos extraterrestres na comunidade, fosse pelas autoridades sul-africanos, fosse pela Multi National Unit (MNU), uma espécie de Nações Unidas criada exclusivamente para lidar com esta problemática.
Aliás, uma das questões centrais dos extraterrestres quando chegaram a Joanesburgo foi precisamente o seu estatuto em termos de enquadramento jurídico na sociedade. O Diplomata recorre outra vez ao exemplo dos refugiados palestinianos, visto que apenas os de 1945 são considerados formalmente como tal aos olhos das Nações Unidas. Todos os “refugiados” resultantes das guerras de 1967 e 1973 não o são efectivamente em termos jurídicos.
Perante a pressão interna e internacional, o Governo sul-africano decide actuar através da MNU, em algo que se aproxima de uma “solução final”. Sob o argumento humanitário, é instituído um plano de realojamento massivo, com o objectivo de colocar os extraterrestres um novo campo a 200 quilómetros de Joanesburgo.
Com ordens de despejo obrigatórias, a MNU acenou aos extraterrestres com melhores casas e condições, mas nada disso era verdade, já que o objectivo era afastar os extraterrestres para um gueto mais longe de Joanesburgo. De certa maneira, uma solução com alguns contornos semelhantes àquela que o regime Nazi implementou para milhares de judeus, e reforçada com as palavras do coordenador do programa de realojamento do District 9, que admitiu numa conversa com um dos extraterrestres que o novo complexo não era mais do que um “campo de concentração”.
Apenas mais uma curiosidade. Toda a operação de realojamento desenvolvida pela MNU estava destinada também a ser uma manobra de relações públicas, muito ao estilo da operação “Restoring Hope” levada a cabo pelos marines americanos em Dezembro de 1992 na Somália.