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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Missiva comprova os receios de Mitterrand e de Thatcher à reunificação alemã

Alexandre Guerra, 12.09.09

 

 

Em parte, os receios históricos da França e do Reino Unido perante a possibilidade de ressurgimento de uma Alemanha unificada e poderosa após a II Guerra Mundial acabaram por estar na génese do projecto europeu. Esta entidade, segundo a visão de alguns líderes europeus, seria uma espécie de regulador e inibidor de qualquer ímpeto ou tentação germânica.  

 

François Miterrand, antigo Presidente francês entre 1981 e 1995, foi um dos estadistas que assumiu como missão tornar a Europa forte para manter a Alemanha controlada. Na verdade, e ao contrário da visão americana, líderes como Miterrand tinham, apesar de tudo, mais receio de uma Alemanha poderosa do que da ameaça soviética.

 

Preferiam manter, na medida do possível, a Alemanha agrilhoada às condicionantes herdadas da II Guerra Mundial, sendo que a maior delas era a sua divisão territorial. Um país amputado no seu espaço geográfico está sem dúvida mais fragilizado num dos mais importantes factores de poder.

 

Miterrand estava consciente desse facto  e, por isso, o cenário da reunificação alemã era algo que o preocupava e, eventualmente, o assustava. O seu empenho na construção europeia tinha uma componente ideológica, mas também servia os interesses realistas da França. 

 

Documentos agora revelados pelo Foreign Office (Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico) revelam como Mitterrand estava preocupado com o processo que estava em curso para a reunificação da Alemanha. O Presidente francês deu o seu apoio à antiga primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, que se opunha com veemência à junção da RDA e da RFA. 

 

Mitterrand terá mesmo dito a Thatcher durante um encontro no Palácio do Eliseu a 20 de Janeiro de 1990, que a "Europa não estava preparada para a reunificação da Alemanha e que isto não poderia tornar-se prioritário sobre tudo o resto".

 

Apesar desta posição, Mitterrand tinha a perfeita consciência de que a reunificação alemã era um processo imparável e que seria apenas uma questão de tempo até isso acontecer.

 

Mais uma história de "interesses" sob a lógica do realismo político

Alexandre Guerra, 07.09.09

 

Foto PA

 

O acordo celebrado entre os governos da Escócia e da Líbia para a transferência do prisioneiro Adbelbaset Ali al Megrahi, o único a cumprir pena de prisão pelo atentado de Lockerbie ao voo da Pan AM em 1988, e do qual resultaram 270 mortos, está a revelar-se um verdadeiro embaraço para algumas figuras políticas britânicas. 

 

Inicialmente, havia uma versão oficial, na qual a decisão do Governo escocês assentara exclusivamente numa base de cariz humanitário, já que o prisioneiro, supostamente, se encontra num estado terminal de doença que não se deverá prolongar além dos três meses de vida

 

Por isso, não é de estranhar que num primeiro momento, após o conhecimento público do acordo, os contornos específicos do mesmo não tenham suscitado grande celeuma.  A situação altera-se radicalmente após a recepção apoteótica de al Megrahi em Tripoli, espoletando reacções de repulsa em diferentes sectores britânicos.

 

Além do argumento humanitário, começaram a surgir notícias que davam conta de um acordo secreto previamente negociado em 2007, inserido numa lógica alargada de aproximar a Líbia ao sistema internacional e de melhoramento das relações comerciais entre o Reino Unido e aquele país.

 

No âmbito desse acordo terá estado um negócio de 550 milhões de libras em favor dos britânicos, nomeadamente para a petrolífera BP se instalar na Líbia em condições mais vantajosas. 

 

Foto PA

 

O primeiro-ministro inglês Gordon Brown reiterou esta semana que não houve qualquer encobrimento de um acordo secreto. Efectivamente, o Executivo britânico já tinha libertado documentos que demonstravam a vontade do secretário de Justiça inglês, Jack Straw, excluir al Megrahi de qualquer acordo de transferência de prisioneiros. No entanto, em Dezembro de 2007 terá mudado de ideias. 

 

Uma posição agora confirmada pelo próprio em entrevista ao Daily Telegrah. Jack Straw admitiu que afinal não estavam apenas em jogos razões humanitárias, mas também objectivos comerciaise políticos, numa tentativa de estreitar relações entre a Líbia e especificamente o Reino Unido: "Libya was a rogue stat. We wanted to bring it back into the fold. And yes, that included trade because trade is an essential part of it and subsequently there was the BP deal."

 

 

No meio disto tudo, o Governo escocês mantém a sua versão de que a libertação de al Megrahi não foi inserida em qualquer acordo secreto de transferência e que não houve qualquer negociação com Londres. O próprio Straw tinha evitado compromoter esta posição, porém, revelou ao Daily Telegrah que em Julho de 2007 esteve reunido com o secretário de Justiça e o primeiro-ministro escoceses para discutirem  o acordo (nesta altura, todos defendiam a exclusão de al Megrahi de qualquer acordo).

  

Mais tarde, Straw escreveu ao secretário de Justiça escocês, Kenny MacAskill, a informá-lo de que afinal al Megrahi teria que se incluído num acordo de transferência, sob o argumento de estarem em jogo "interesses avassaladores para o Reino Unido".

 

 

Straw estava claramente a mover-se numa lógica de realismo político, aproveitando a oportunidade de transferência de al Megrahi para defender os interesses do Reino Unido. Tratava-se de uma janela de oportunidade política e comercial que Straw considerou não estar em condições de recusar, sobretudo quando se está a lidar com um país que tem tanto para "oferecer" ao Ocidente, segundo alguns analistas citados pela AP. 

 

E, efectivamente, Straw acabou por alcançar os objectivos, ao conseguir estreitar as relações políticas com a Líbia, ao ponto do porta-voz daquele regime, Abdul Majeed al Dursi, ter tecido fortes elogios ao Reino Unido:  “This is a brave and courageous decision by the British, which shows its understanding of Libyan culture by allowing a sick man to be at home when he dies. It showed the relations between Britain and Libya are strong and deep. We in Libya appreciate this and Britain will find it is rewarded.”

 

Também em termos económicos, a BP nos últimos anos já contabiliza um investimento de mil milhões de dólares em projectos de exploração na Líbia.

 

O problema é que toda a estratégia desenvolvida por Straw tornou-se pública, criando um embaraço político para o Executivo britânico. Apesar de Straw ter revelado que Brown não teria conhecimento deste processo, a oposição está a instrumentalizar o assunto para atacar o primeiro-ministro. Também o Governo escocês acaba por ser associado ao assunto, já que terá alinhado com os intentos de Straw.  

 

O paradigma do realismo político assenta numa lógica de segredo e de discrição, por vezes longe da opinião pública, no qual os interesses do Estados se sobrepõem a outros factores igualmente meritórios, mas politicamente alvo de outras interpretações quanto à sua importância estratégica para o Estado.

 

Straw acabou por fazer aquilo que outros dirigentes teriam feito, ao perceber que podia potenciar uma oportunidade em favor de "interesses avassaladores". No entanto, os riscos políticos inerentes a estratégias deste género são muito altos, sobretudo quanto o assunto passa para o domínio público.  

 

Mahmoud Ahmadinejad passou o seu primeiro grande teste político

Alexandre Guerra, 06.09.09

 

 

Ao contrário do que se previa, e apesar das dificuldades com que se deparou, o Presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, acabou por passar o primeiro grande teste político desde que foi eleito no passado dia 20 de Agosto, ao conseguir ver aprovada a maioria da sua equipa ministerial no parlamento.

 

Dos 21 nomes propostos por Ahmadinejad, 18 foram aprovados pelo parlamento, incluindo uma mulher para a pasta da Saúde, sendo que as outras duas que estavam na lista do Presidente não tiveram a mesma sorte, e foram rejeitadas, tal com outro candidato para a Energia. 

 

Seja como for, a nomeação de Marzieh Vahid Dastjerdi, que se torna na primeira mulher a assumir uma pasta ministerial desde 1979, repesenta uma mais valia estratégica para Ahmadinejad, que pode assim enviar um sinal mais conciliatório aos sectores reformistas.

 

Por outro lado, ao aprovar quase todos os nomes avançados por Ahmadinejad, incluindo as pastas mais mais sensíveis, o parlamento demonstrou o seu apoio ao Presidente, o que até ao momento era algo que estava por clarificar.

 

Perante este cenário, Mahmoud Ahmadinejad vê a sua legitimidade política reforçada e, de certa forma, acabou por conseguir tirar os dividendos de uma estratégia que era arriscada, como aqui o Diplomata escreveu, mas que se revelou frutuosa.

 

Jihadistas infligem golpe ao Governo do Ìémen com divulgação de imagens

Alexandre Guerra, 03.09.09

 

 

Embora distante dos noticiários internacionais e das manchetes dos jornais, o Iémen tem sido um dos palcos mais activos nas movimentações terroristas e antiterroristas desde os atentados do 11 de Setembro. Foi aliás neste país que a CIA procedeu pela primeira vez a assassinatos selectivos no âmbito da "guerra ao terrorismo" lançada pelo ex-Presidente George W. Bush.

 

O Governo do Iémen tem sido um aliado de Washington, mas também de Riade, que pretende conter o extremismo islâmico na sua origem. Porém, o alinhamento de Sanaa tem exacerbado o espírito insurgente islâmico contra o regime e impulsionado uma nova geração de jihadistas, que se têm feito sentir de forma violenta no território, nomeadamente com atentados contra interesses norte-americanos e ocidentais.

 

Desde Novembro de 2001, quando o Presidente do Iémen Ali Abdallah Saleh foi a Washington dar o seu apoio a Bush, que a situação no Iémen tem piorado, com o Governo e os jihadistas a envolverem-se numa verdadeira guerra, provocando centenas de mortes.

 

Apesar disso, o Governo do Iémen tem tentado transmitir para os seus aliados e para a comunidade internacional uma imagem de controlo da situação e de repressão eficaz dos terroristas. Ainda agora em Agosto, o Governo informou de que teria morto 100 rebeldes xiitas.

 

No entanto,  as imagens divulgadas agora pelos mesmos rebeldes xiitas do Iémen (caso se verifique a sua autenticidade), vêm demonstrar que os jihadistas estão mais empenhados e organizados do que aparentemente se pensaria.

 

70 anos depois será que a Rússia partilha o sistema de valores das nações europeias?

Alexandre Guerra, 01.09.09

 

Em comentário na SIC Notícias sobre o 70º Aniversário do início da II Guerra Mundial, que esta Terça-feira se assinalou na Polónia, Nuno Rogeiro fez uma observação muito pertinente quanto à evolução e identificação comum do sistema de valores dos Estados europeus.

 

Sete décadas volvidas sobre o começo do conflito mais devastador da História, existe hoje uma partilha de valores inequívoca na Europa, que impossibilitaria, mesmo ao mais pessimista dos analistas ou historiadores, prever qualquer guerra entre nações europeias.

 

Sendo certo que existem especificidades e sensibilidades diferentes em cada nação do Velho Continente, é inegável a criação de um tronco comum de valores na Europa fortalecido com a construção do projecto europeu.

 

Robert Kagan, na sua célebre obra Of Paradise and Power, foi lúcido quando referiu que a "Europa estava a virar as costas ao poder, ou a dar-lhe pouca importância, para mover-se para o mundo das leis e da ordem, da negociação transnacional e da cooperação". Com isto a Europa está a entrar num "paraíso pós-histórico de paz e relativa prosperidade".

 

De certa forma, é isso que se tem vivido na Europa nas últimas décadas, sobretudo a partir do fim da Guerra Fria. Os Estados europeus têm partilhado esta visão comum, de forma particularmente empenhada no projecto europeu.

 

Por isso, Nuno Rogeiro considera altamente improvável que os países do Velho Continente se voltem a envolver em conflitos armadas. Mas tal não se deve à inexistência de interesses divergentes ou de conflitos ideológicos (porque os há), mas precisamente porque existe uma base de valores partilhada e comum.

 

A grande dúvida que Nuno Rogeiro colocava, e a qual o Diplomata também partilha, é saber se a Rússia recriada à imagem de Vladmir Putin se revê no sistema básico de valores em que as nações europeias assentam.

    

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