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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Depois da euforia pós-eleitoral, a confrontação com a realidade afegã

Alexandre Guerra, 31.08.09

 

Uma escola na aldeia de Pul-i-Charkhi, que acolheu as urnas de voto/Tyler Hicks/NYT 

 

A euforia pós-eleitoral manifestada por alguns responsáveis internacionais sobre o processo de voto nas presidenciais do Afeganistão do passado dia 20 de Agosto contrariava todos os pressupostos racionais e lógicos que durante meses vinham a ser comprovados diariamente no terreno. 

 

Embora não fossem as primeiras eleições no país, a verdade é que o Afeganistão continuava sem reunir as condições básicas para proporcionar aos seus eleitores um processo eleitoral justo e digno. 

 

No entanto, a julgar pelas primeiras análises ao acto eleitoral, dir-se-ia que o Afeganistão teria vivido uma aceleração repentina na sua caminhada para a "democracia" de um dia para o outro.

 

Alguns jornais, veiculando diversas fontes, chegaram mesmo a escrever que as eleições tinham sido um sucesso, informando que não se tinham verificado actos de violência significativos, tendo o processo decorrido com relativa tranquilidade. 

 

De certa maneira, isto foi verdade, no entanto, a "segurança" não era o único factor em jogo.  Embora fosse talvez o mais importante para o processo eleitoral, houve outros factores, como a cultura democrática e cívica, que foram esquecidos na análise pós-eleitoral. 

 

Deste modo, foram tiradas conclusões demasiado cedo e de forma precipitada, sem se ter em consideração todos os factores.  

 

Assim, numa perspectiva de segurança é verdade que o processo decorreu de forma relativamente pacífica, mas com o passar dos dias foi-se percebendo que aconteceram outros fenómenos igualmente perturbadores na ordem eleitoral.

 

Diariamente vai aumentando a lista de casos de fraude e de corrupção eleitoral. Ainda ontem, as entidades responsáveis afegãs pelos resultados eleitorais informaram que o número de irregularidades graves duplicou, registando-se neste momento cerca de 550 casos, num total de mais de 2000 queixas.

 

Este cenário poderá provocar o adiamento da divulgação oficial dos resultados para depois de Setembro, já que por lei as autoridades são obrigadas a investigar todos os casos suspeitos de irregularidades graves.

 

Para Martine van Bijlert, analista no The Afghanistan Anlysts Network, estas alegações estão a ser levadas a sério pelas autoridades, parecendo ser cada vez mais evidente que o processo eleitoral do passado dia 20 ficou marcado por fraudes sistemáticas.

 

Caso se confirme esta possibilidade, ficarão em causa os resultados eleitorais, complicando ainda mais a disputa que já se verifica entre o actual Presidente Hamid Karzai, e o seu principal rival, Abdullah Abdullah, na qual ambos clamam vitória. 

    

Uma relação cada vez mais crispada

Alexandre Guerra, 28.08.09

 

Mahmoud Ahmadinejad e o ayatollah Ali Khamenei

 

Das entranhas do regime de Teerão veio um sinal interessante, que poderá, ou não, revelar o início de alguma divergência entre as duas principais figuras do Irão. O ayatollah Ali Khamenei revelou publicamente pela primeira vez uma posição diferente daquela que o Presidente Mahmoud Ahmadinejad assumiu.

 

No centro da celeuma está a possibilidade de vários representantes governamentais, jornalistas e académicos serem acusados pela justiça iraniana e com o apoio de Ahmadinejad de colaborarem com o Ocidente na tentativa de derrubar o regime do Irão.

 

Ahmadinejad tem sido um acérrimo dinamizador deste tipo de processos, independentemente da equidade e da justiça dos mesmos. O Presidente do Irão move-se claramente por vectores políticos que podem deturpar o enquadramento em que muitas acusações são feitas.

 

Desta vez, Ahmadinejad parece ter sido "travado" por Ali Khamenei que fez questão de informar que até ao momento não encontrou quaisquer provas que ligassem os acusados a Estados ocidentais, nomeadamente aos Estados Unidos e Reino Unido, com o objectivo de derrubar o regime iraniano. “I don’t accuse the leaders of the recent incidents of being affiliated with foreign countries, including the U.S. and Britain, since the issue has not been proven for me.”

 

Esta posição é bastante interessante, não tanto pelo conteúdo, mas pelo facto de contrariar peremptoriamente uma conclusão assumida por Ahmedinejad, que desde o início dos protestos nas ruas de Teerão após as eleições presidenciais não se coibiu de dizer que os manifestantes estavam a ser orquestrados e em conluio com as potencias ocidentais.

 

Uma das razões que terá levado Ali Khamenei a tomar esta posição está relacionada com a sua necessidade de voltar a ganhar alguma credibilidade e confiança junto de toda a nação iraniana, sobretudo após o conturbado período pós-eleitoral, no qual o ayatollah deu claramente o seu apoio a Ahmadinejad, ostracizando um sector da sociedade mais reformista que há muito que deixou de ser uma minoria.

 

E foi talvez esta constatação que Ali Khamanei terá feito, ao perceber que os críticos do regime são muito mais do que um mero grupo residual de pessoas.

 

Por outro lado, parece ser cada vez mais evidente que Ali Khamenei está a envidar todos os esforços para assegurar o poder enquanto figura máxima do regime. Não é por isso de estranhar que nos últimos tempos Khamenei e Ahmadinejad se tenham envolvido num clima de confrontação a propósito de várias nomeações para o novo Executivo, e agora também por causa de os processos judiciais contra alguns dos membros reformistas.

 

Ao New York Times, Abbas Milani, director de estudos iranianos na Universidade de Stanford, sintetizou a situação: “He [Khamenei] is stuck with Ahmadinejad, and he is stuck with the Revolutionary Guard and their daily demands to arrest [Mir Hussein] Moussavi. He is trying to calm them down.”

 

Momentos com história

Alexandre Guerra, 26.08.09

 

Chip Somodevilla/ Getty Images

 

A morte do histórico senador democrata Edward M. Kennedy (1932-2009) não foi inesperada, atendendo à crítica condição de saúde que o afectava há já algum tempo. Embora não sendo o último "Kennedy" de uma dinastia que atravessou quase todo o século XX da política norte-americana, Ted encerra com ele uma era, da qual foram fazendo parte homens que ajudaram a conceber um certo conceito idealista de poder.

 

Ted Kennedy era mais do que um representante no Senado, ele personificava a figura de verdadeiro Senador que mais se aproximava à ideia consignada nos tempos remotos da Antiguidade Clássica.

 

Mais do que o desaparecimento de um político, com a morte de Edward M. Kennedy perde-se um certo idealismo político e esbate-se uma visão nobre do papel do poder na sociedade.    

 

Uma esperança que nunca foi restaurada

Alexandre Guerra, 25.08.09

 

Coronel Mike Gish, Operação "Restoring Hope", Somália

 

A intervenção norte-americana na Somália, que culminou em Dezembro de 1992, na célebre operação "Restoring Hope", pode ser vista como o primeiro grande teste às capacidades e aos limites dos Estados  Unidos em cenários humanitários, num "novo mundo", no qual as relações internacionais estavam a viver um período de mudança e de incerteza imposto pelo fim da Guerra Fria.

 

Não teriam os Estados Unidos intervindo na Somália, acabariam por fazê-lo noutro sítio nas mesmas circunstâncias, escreveu em 2004 o já retirado Tenente Coronel, Frank G. Hofman.

 

A intervenção militar de cariz humanitário era algo que os Estados Unidos pura e simplesmente desconheciam (assim como os outros Estados), tendo em conta a natureza de conflito que durante quase 60 anos reinou no sistema internacional. Por mais longínquo, pobre e débil que fosse o palco do conflito, a natureza da intervenção era vista como uma estratégia inserida numa lógica bipolar de confrontação permanente com o inimigo soviético.

 

 

Fosse qual fosse a estratégia do conflito nunca estava em causa qualquer objectivo humanitário, mas sim de poder, ou melhor dizendo, de equilíbrio do mesmo no sistema internacional. 

 

É certo que a decisão do Presidente de então, George H. W. Bush, teve como base um interesse humanitário genuíno de auxílio ao contingente das Nações Unidas que se encontrava no terreno. Por outro lado, parte da estrutura político-militar em Washington, nomeadamente através do National Security Council (NSC), via no palco da Somália uma nova forma de conflito e na qual era necessário que os Estados Unidos estivessem presentes.  

 

 

 

Um dos problemas dramáticos desta equação foi a ingenuidade política em Washington e a descoordenação militar que sustentou toda a intervenção norte-americana na Somália, e que culminaria nos eventos trágicos de 3 de Outubro de 2003, com a morte de 18 americanos nas ruas de Mogadischo e 300 somalis.

 

Este dia ditou o fim da "aventura" americana na Somália, sendo anunciado a 8 de Outubro já pelo Presidente Bill Clinton a retirada das forças militares para 31 de Março de 2004.

 

A Somália representou para os Estados Unidos o primeiro teatro de operações assumidamente sob a "bandeira" humanitária, com o devido enquadramento legal das Nações Unidas. Perante esta nova realidade, os soldados americanos viram-se num cenário novo, no qual tinham de partilhar autoridade e competências com as restantes forças integradas na UNOSOM (I e II) e na UNITAF.

 

Além disso, tratava-se de uma guerra bastante passiva, já que as forças americanas estavam fortemente condicionadas na sua actuação, nomeadamente na capacidade de abrir fogo contra o inimigo. Pelo meio, actuavam os homens da Delta dos Rangers.

 

A Somália pareceu um tubo de ensaio militar, onde se colocou tudo lá dentro à espera de uma solução, mas tal não aconteceu. Pelo contrário, o resultado foi explosivo e afectou profundamente o moral e a credibilidade das forças americanas. 

 

No próximo dia 3 de Outubro passam 16 anos sobre os acontecimentos de Mogadishu (retratados no cinema sob realização de Ridley Scott em Black Hawk Down), e apesar de tudo (ou quase tudo) ter corrido mal durante a intervenção americana na Somália, a verdade é que foram tiradas ilações que serviram para intervenções militares posteriores, nomeadamente nos Balcãs.   

 

Momentos com história

Alexandre Guerra, 23.08.09

 

 

É uma espécie de ressurreição. Pelo menos esta pode ser uma das interpretações para quem vê a mais recente fotografia de Fidel Castro, publicada no jornal Juventud Rebelde, na qual o histórico líder cubano surge aparentemente em melhor forma.  

 

De acordo com esta publicação, Castro esteve reunido com o Presidente do Equador, Rafael Correa, na passada Sexta-feira, mantendo um "diálogo amplo e sincero" sobre os avanços na sociedade equatoriana nas áreas da saúde, educação e economia.

 

Moderados e conservadores preparam-se para infligir derrota política a Ahmadinejad

Alexandre Guerra, 23.08.09

 

 

Aquilo que poderia ser interpretado como um gesto político astuto por parte do recém eleito Presidente Mahmoud Ahmadinejad para atenuar as críticas dos sectores mais progressistas da sociedade iraniana, poderá acabar por criar-lhe um problema vindo da ala mais conservadora.

 

A decisão inédita desde a Revolução Iraniana de nomear três mulheres para o novo Governo até poderá ir de encontro às expectativas de milhares de pessoas que durante dias se manifestaram nas ruas de Teerão exigindo uma "abertura" no regime, mas, uma coisa é certa, a iniciativa de Ahmadinejad é rejeitada em absoluto pelos clérigos mais conservadores do Irão.

 

Estes já assumiram publicamente o seu descontentamento com a decisão do Presidente, tendo Mohammad Taghi Rahbar, um dos deputados da "linha dura", sido peremptório:"There are religious doubts over the abilities of women when it comes to management".

 

Segundo Rahbar, esta posição é defendida pela ala dos clérigos no parlamento, ou seja, é o mesmo que dizer pela maioria daquela câmara. Caberá a este órgão votar no final do mês de Agosto os 21 nomes propostos por Ahmadinejad para ocupar as pastas do Executivo.

 

Perante este cenário, adivinha-se um combate interessante entre o Presidente e o parlamento, podendo Ahmadinejad sofrer a primeira derrota política do seu mandato já nos próximos dias. 

 

Uma derrota que poderá ser dupla, já que também os moderados do parlamento dificilmente validarão o novo Executivo, por considerarem que carece de legitimidade democrática. 

  

Talibã poderã impor barreiras em estradas remotas para impedir afegãos de ir às urnas

Alexandre Guerra, 19.08.09

 

Daniel Berehulak/Getty Images

 

Com as eleições presidenciais do Afeganistão em pano de fundo, o autor destas linhas via ontem à noite o noticiário da CBS News, no qual a correspondente desta televisão em Cabul dava conta dos enormes desafios que por estes dias se confrontam as forças de segurança da ISAF e as autoridades afegãs.
 
Não obstante o esforço destas, assiste-se neste momento à intensificação da violência perpetrada pelos talibã, sendo que esta manhã já se registavam confrontos, explosões e tiroteios em Cabul.
 
A jornalista da CBS News referia um apontamento interessante e bastante importante, sublinhando que em zonas remotas do Afeganistão, onde vilas e aldeias se perdem no meio das montanhas e do terreno inóspito da Ásia central, basta que os talibã cortem uma simples estrada ou caminho de cabras para que o acesso às urnas se torne uma missão impossível para os eleitores.
 
O boicote eleitoral por parte dos talibã nestes locais pode passar apenas pela imposição de checkpoints ou barreiras na estrada, sendo o suficiente para intimidar qualquer humilde cidadão de sequer ousar atravessar tais obstáculos.
 
Ora, uma vez que as forças internacionais e nacionais no terreno jamais conseguirão cobrir todos os acessos aos locais com as urnas, é muito provável que muitos eleitores se vejam impossibilitados de exercer o seu voto amanhã.   

 

A acção dos governantes e a questão política em pandemias anunciadas (2)

Alexandre Guerra, 18.08.09

 

A enfermeira Jacqueline Spaky iniciou a 12 de Outubro de 1976 em Nova Iorque a campanha de vacinação nacional "Roll Up Your Sleeves, America"

 

Apesar dos cenários especulativos sobre os impactos de pandemias, Laurie Garrett é certeira ao referir que quando a comunidade internacional se vê perante o medo de um potencial surto, então volta-se para os Estados Unidos, Canadá, Japão e Europa. O autor destas linhas acrescentaria que em última instância, os Estados viram-se para as farmacêuticas.
 
E é precisamente esta fase que se está a atravessar no âmbito da problemática da Gripe A. A autêntica “corrida” das farmacêuticas para a produção de vacinas até ao final do Verão, início de Outono, tem sido sobretudo alimentada pelos Estados que já garantiram encomendas de milhões.
 
De modo a dar uma resposta aos seus clientes, as farmacêuticas estão a correr contra o tempo, suscitando algumas questões pertinentes quanto à fiabilidade dos processos de testes. Por isso, convém salientar que os exemplos do passado são suficientes para aconselhar prudência nas estimativas lançadas e na eficácia das soluções apresentadas.
 
A propósito, Laurie Garrett relembrou uma história que, mais do que nunca, deve ser tida em conta pelos governantes e pelas autoridades nacionais e internacionais de saúde.
 
Quando em Janeiro de 1976 um soldado de 18 anos, destacado na base de Fort Dix, morre após regressar ao quartel, terminada uma marcha de treino, o Exército Americano e o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) descobriram que a causa se ficou a dever ao vírus da Gripe Suína.  
 
Na altura mais nenhum caso foi registado em Fort Dix, mas o pânico instalou-se nas chefias das entidades de saúde, com particular destaque para F. David Matthews, então responsável do Governo pela pasta da Saúde. Foi então que Matthews disse o seguinte: “There is evidence there will be a major flu epidemic this coming fall. The indication is that we will see a return of the 1918 flu virus that is the most virulent form of flu (…) The projections are that this virus will kill one million Americans in 1976.”
 

O Presidente Gerald Ford a ser vacinado contra a Gripe Suína a 14 de Outubro de 1976

 
Apoiado pelo CDC, Matthews conseguiu convencer a Casa Branca de que os Estados Unidos estavam perante uma ameaça de epidemia. A 24 de Março de 1976, o Presidente Gerald Ford vai à televisão para informar os americanos da iminência de uma epidemia no próximo Outono e Inverno. Consequentemente, pediu ao Congresso uma verba extraordinária de 135 milhões de dólares para produzir vacinas para todos os americanos.
 
As farmacêuticas avisaram de imediato que não avançariam com a produção em tão pouco tempo sem terem uma protecção especial em termos de responsabilidade civil. Em Abril, o Congresso aprovou uma “bill” que ilibava as farmacêuticas de qualquer responsabilidade em qualquer problema, transferindo-a para o Governo.
 
Quatro meses após ter-se iniciado o programa de vacinação começaram a surgir os primeiros efeitos secundários, originando processos legais no valor de 3,2 mil milhões de dólares, embora muitos deles tenham sido retirados ou resolvidos. No entanto, o Governo americano ainda teve de pagar 90 milhões em indemnizações.
 
E como a história demonstrou, nunca se veio a verificar uma epidemia de Gripe Suína. O chefe do CDC foi obrigado a demitir-se, o Presidente Gerald Ford ficou altamente fragilizado e, mais importante, o Congresso nunca mais considerou a possibilidade de isentar de qualquer responsabilidade as farmacêuticas em períodos de epidemia.
 

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