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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

As pessoas mudam...

Alexandre Guerra, 28.02.08



A frase não é original, mas nem por isso deixa de constatar uma realidade inequívoca: as pessoas mudam ao longo de uma vida. Uma mudança que se pode verificar a vários níveis, seja no comportamento humano, nas convicções políticas e sociais, nas ideologias, no relacionamento com o próximo, entre outros...

Este pequeno apontamento refere-se, no entanto, apenas àqueles que política e ideologicamente foram-se metaforseando. Em Portugal, existem dois exemplos interessantes e, curiosamente, ambos implicaram um desvio mais à esquerda, relativamente às posições originais.

Freitas do Amaral, outrora um histórico e uma referência da Direita portuguesa, veio a integrar um Governo socialista (quem diria há uns anos), enquanto que Mários Soares deixou a via socialista moderada para adoptar um discurso mais esquerdista e, por vezes, radical.

As explicações para estes fenómenos não são simples nem evidentes. Porém, poderá ter-se a certeza de que muitas destas mudanças não estão condicionadas por factores externos, assumindo-se, assim, tratarem-se de atitudes sinceras, independentemente de serem válidas ou não. Efectivamente, Freitas do Amaral e Mário Soares parecem estar numa fase da vida em que agem mais por impulsos e convicções do que propriamente com base em modelos calculistas. 

Mas, tudo isto veio a propósito de um texto que o Diplomata leu na edição de 20 de Janeiro do Público, originalmente publicado no Wall Street Journal: "Manifesto, por um mundo livre de armas nucleares". O interesse não estava tanto no conteúdo do texto em si, já que pouco ou nada acrescentava, mas sim no facto daquele ser subscrito por Henry Kissinger, antigo secretário de Estado de Richard Nixon e Gerald Ford, e tido como um dos expoentes máximos do realismo político nas relações internacionais durante a Guerra Fria - uma espécie de Maquiavel do século XX. 

De facto, Kissinger foi sempre mencionado nos cursos de relações internacionais como uma das referências do pensamento realista. A sua obra de referência, "Diplomacia", é precisamente um exercício intelectual de elevada qualidade, com uma abordagem claramente realista à interpretação do sistema internacional dos séculos XIX e XX.

Não obstante ser um objectivo nobre e que todos gostariam de ver alcançado, Kissinger revela no texto uma ingenuidade idealista ao exortar por um mundo livre de armas nucleares. Por definição, o pensamento realista nunca se refere à problemática do controlo de armamentos nestes moldes. O autor destas linhas não tem dúvidas em afirmar que este era um texto que Kissinger jamais ousaria subscrever se fosse confrontado com ele no auge da sua carreira política.

Hoje, Kissinger surge ao lado de nomes como o senador democrata, Sam Nunn, ou como o antigo secretário de Defesa democrata, William J. Perry, defendendo ideias que, em muitos casos, estão mais próximas do paradigma idealista do que do realista. Alexandre Guerra

Leituras

Alexandre Guerra, 27.02.08


The most spied upon people in Europe é um interessante artigo da BBC On Line sobre os mecanismos e medidas de vigilância por alguns países europeus contra o terrorismo e crime organizado. Curiosamente, quando este artigo se refere ao caso italiano fica-se a saber que existem relações pouco claras entre a Italia Telecom e os serviços de segurança no que toca a escutas telefónicas, algo que faz lembrar histórias recentes a envolverem a Portugal Telecom.



Lidar de forma pragmática com a Rússia. É este o conselho que o New York Times, no editorial Vladimir Putin's Russia, deixa ao próximo Presidente dos Estados Unidos, dando os exemplos de Richard Nixon e George H.W. Bush.



O concerto histórico da New York Philharmonic em Pyongyang, na passada Terça-feira, é um excelente exemplo da aplicação do "soft power" nas relações internacionais. É sobre esta forma de poder que Donald P. Gregg, presidente da Korea Society, fala numa entrevista áudio (MP3) ao Council On Foreign Relations. A Soft Power Overture in Pyongyang a ouvir.


Uma boa oportunidade de reunificação do Chipre que Barroso não quer perder

Alexandre Guerra, 25.02.08


A eleição de Demetris Christofias para Presidente da parte grega da ilha de Chipre pode ser uma boa notícia para alguns líderes europeus que deixaram em stand by o problema cipriota no âmbito do processo de adesão da Turquia à União Europeia.



Desde que a ilha foi dividida em 1974, após a invasão da parte norte daquele território por parte dos soldados turcos, que os líderes políticos não têm conseguido avançar no processo de reunificação, tendo mesmo o plano do antigo secretário-geral da ONU, Kofi Annan, sido derrotado em referendo há quatro anos pelos cipriotas gregos.



Para já, a eleição de Christofias cria perspectivas positivas quanto à evolução negocial entre os dois lados cipriotas. Mehmet Ali Talat, o chefe de Estado da auto-proclamada República do Norte do Chipre, apenas reconhecida pela Turquia, já felicitou o seu homólogo da parte grega da ilha e anunciou que "não seria surpresa se fosse alcançado um acordo até ao final de 2008". Christofias também mostrou de imediato disponibilidade negocial, tendo informado que contactara o representante das Nações Unidas no terreno para se começar a preparar um encontro prévio entre as partes.



Perante este cenário, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, exortou de imediato Christofias e Ali Talat a não perderem mais tempo e a iniciarem, quanto antes, as negociações. Além das razões históricas, Barroso tem a noção clara de que se estiver a lutar por um segundo mandato à frente do Executivo comunitário, um acordo cipriota poderá ser um importante trunfo a apresentar na hora dos líderes europeus escolher o novo presidente do colégio de comissários. Alexandre Guerra
  

O que se vai escrevendo...

Alexandre Guerra, 23.02.08

"É  igualmente responsável, mas pode-se compreender, a atitude dos Estados Unidos em relação ao Kosovo. Tem tanto com que se preocupar com o Iraque e com o Afeganistão para se estar a preocupar com os Balcãs que, segundo a perspectiva de Washington, deveria constituir sobretudo uma preocupação europeia."



Carlos Mendo in El País, "La des-Unión Europe" (22 de Fevereiro de 2008)


Montenegro e Kosovo, dois novos pobres actores no sistema internacional

Alexandre Guerra, 20.02.08


Miguel Ángel Bastenier, que o autor destas linhas teve o prazer de conhecer em Gaza há uns anos, escrevia ontem um texto interessante no El País sobre a questão do Kosovo, e que rematava de forma inteligente na última frase: "É provavelmente justo que os albano-kosovares tenham ganho a independência. Mas, isso não significa que seja uma grande ideia."



Efectivamente, não foi uma grande ideia, tal como também já não tinha sido a independência do Montenegro em 2006. Neste caso, esteve-se perante mais um entusiasmo cego de se criar um país "independente" de forma a corresponder ao chamado princípio da autodeterminação dos povos, tão eloquentemente consagrado na Carta das Nações Unidas.



A questão é que as relações internacionais não devem ser conduzidas por impulsos altruístas ou acções de pendor justicialista, mas, antes, por "grandes ideias", que permitam alcançar um equilíbrio sistémico. 



Timor Leste é talvez um dos melhores exemplos de como as emoções podem comprometer a médio e a longo prazo o bem estar de um povo e a estabilidade de uma região. Repare-se: no caso timorense estavam longe as condições políticas, sociais ou económicas para Timor Leste emergir como Estado independente. Nem sequer havia uma conjuntura internacional que impusesse tal solução. No entanto, as terríveis imagens do massacre de Santa Cruz e, mais tarde, a onda de solidariedade que se viveu em Portugal conduziramTimor Leste à independência sob um clima inebriado.



Essa precipitação, que no curto prazo deu em festa, é certo, afastou por completo uma solução que, embora menos poética, seria certamente e melhor ideia para Timor Leste: um modelo de organização de estrutura de Estado que contemplasse Timor Leste como parte da Indonésia, embora com ampla autonomia.



Neste sentido, o modelo da federação Sérvia e Montenegro, que durou apenas três anos, era uma fórmula perfeitamente víável e equilibrada. Era uma boa ideia em termos de relações internacionais. As duas regiões mantinham amplas autonomias, ao mesmo tempo que poderiam usufruir das sinergias criadas entre as entidades. Algo com o que o Montenegro tinha muito mais a ganhar do que a própria Sérvia. A par disto, a Sérvia e Montenegro continuariam a ser um único actor no sistema internacional.



Muitos analistas e comentadores defenderam este tipo de fórmula para o Kosovo, como aliás se verifica no caso da República Sprska na Bósnia Herzegovina. O Direito Internacional prevê esta e outras formas de organização, porque, e citando Adriano Moreira no seu livro "Teoria das Relações Internacionais", "o Estado aparece na cena internacional como uma unidade, fonte de decisões, mas isso não significa que todos os Estados tenham a mesma estrutura, e a diferença das estruturas tem relevância para a vida internacional".



Do Estado unitário (Portugal) à federação (EUA), passando pela confederação (Suíça), várias são as soluções. O Montenegro devia-se ter mantido como parte integrante de uma federação enquanto que o Kosovo deveria ter procurado negociar esse estatuto. Depois das festividades da independência, o futuro destes recém Estados é tudo menos promissor. 



O problema é que o Kosovo, tal como refere Bastenier é um "Ulster em combustão nuclear para toda a região e mais além", enquanto que o Montenegro é apenas uma terra miserável de 600 mil pessoas, onde, segundo uma jornalista sérvia disse recentemente ao Diplomata, as estradas alcatroadas são poucas e os sistemas de fornecimento de água têm dificuldades em abastecer as casas que ficam situadas nas encostas das montanhas. Alexandre Guerra


Leituras

Alexandre Guerra, 19.02.08


Depois da declaração de independência proferida no Domingo pelo primeiro-ministro kosovar Hashim Thaci na Assembleia daquela região, as divisões no seio da União Europeia vieram ao de cima na reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos 27, com referia o Euobserver em EU fudges Kosovo independence recognition, ou o New York Times em Kosovo recognized by some but rebuked by others . Entretanto, Belgrado já mandou chamar o seu embaixador em Washington, como se pôde ler na BBC On Line.



Sobre esta assunto, ler ainda A postmodern declaration de John Laughland no The Guardian e a análise de Mark Tran, Kosovo carries heavy baggage into statehood, também no mesmo jornal.


Kosovo: Enquadramento de um erro histórico anunciado

Alexandre Guerra, 17.02.08



Em Novembro último, por altura das eleições legislativas no Kosovo, o Diplomata referiu-se ao dia de hoje como mais "um erro histórico" dos líderes europeus quando se trata de gerir a sua própria "casa". Na altura, ao contrário do regozijo manifestado pelos líderes kosovares albaneses, cujo eco se repercutiu em Washington e nalgumas capitais europeias, foi aqui escrito o seguinte:   

"A impetuosidade de Pristina foi acompanhada pela irresponsabilidade de Washington, com algumas vozes europeias à mistura. Esta corrente parece ter ganho ascendência sobre o realismo que, normalmente, é exigido nestas coisas das relações internacionais. De facto, um dos principais problemas que se tem verificado ao longo da gestão do dossier Kosovo nos últimos tempos, tem sido a ausência de realismo e pragmatismo por parte dos actores que têm conduzido o processo.

A liderança política tem cometido vários erros e neste ponto a União Europeia (UE) tem tido bastante responsabilidade, por não ter conseguido ainda adoptar uma posição comum veemente sobre um problema que, mais do que a Washington, lhe interessa. (...) Os actuais líderes políticos, sobretudo americanos e europeus, têm demonstrado uma profunda incompetência e leviandade na forma como têm abordado a questão do Kosovo. A longa e complexa História das Nações na Europa já demonstrou que não se 'brinca' com questões de fronteiras.

Mas, é isso que os principais responsáveis políticos por este processo têm feito. Preparam-se, agora, para cometer mais um erro histórico. E não é por falta de informação nem de avisos, basta para isso estar-se atento ao que tem sido escrito sobre este assunto por analistas, académicos, investigadores, diplomatas. Todos parecem estar de acordo: o caminho a seguir não deve ser a declaração unilateral da independência do Kosovo com o apoio de Washington."

Para escrever estas palavras, o Diplomata teve apenas de recuar a um passado muito recente e tirar as devidas ilações da História. A isso junta-se uma formação em relações internacionais e os condimentos de informação necessários para se encontrar uma fórmula clara que permita fazer uma análise prospectiva honesta.  

Um exercício que João Marques Almeida também fazia a 19 de Novembro, num artigo publicado no Diário Económico, e reproduzido no sítio do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), e intitulado de "Regresso ao Passado?".  João Marques de Almeida, assim como Vasco Rato e também Paulo Gorjão (todos da Universidade Lusíada), foram alguns dos poucos investigadores em Portugal que escreverem textos de elevado valor académico sobre os conflitos dos balcãs dos anos 90, e a partir dos quais se pôde compreender a realidade daquela região.

No seu escrito de 19 de Novembro, João Marques de Almeida conclui isto:

"Das sucessivas crises e guerras nos Balcãs, os países europeus retiraram a única conclusão possível: é necessário construir uma defesa europeia para impor a estabilidade na Europa. Negociações e perspectivas de integração europeia, por si só, podem não ser suficientes. Mais de oito anos depois, estamos praticamente no mesmo ponto. Resta menos de um mês para evitar que se possa repetir uma nova tragédia na Europa. E, desta vez, já não serve culpar simplesmente Belgrado e olhar para as outras partes como vítimas da 'agressão sérvia'.

A realidade é bem mais complicada. Os países europeus devem assumir as suas responsabilidades e dizer a Washington, de um modo firme e decidido, para mudar a sua política de apoio dogmático aos kosovars e condenação permanente da Sérvia. Ao contrário do que acredita a administração norte americana, a independência unilateral do Kosovo não contribui para a estabilidade regional, mas apenas para agravar os conflitos e poderá ser mesmo o início de uma crise grave na Europa, com implicações no Cáucaso e na Ucrânia."


Mais interesssante, mas também mais preocupante foram os avisos lançados pelo próprio Martti Ahtisaari, enviado especial da ONU à região, que, através do seu plano, pretendia um processo mais moderado e que não tivesse cedido às vozes independentistas que se fizeram ouvir em Pristina e apoiadas por Washington e por algumas cidades europeias.

Também no Público, a 17 de Novembro, Antonio Cassese, primeiro presidente do Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia (ICTY), rejeitava por completo as ideias de Pristina e propunha uma outra solução mais moderada e realista. 

Em Portugal, pessoas como José Cutileiro ou Adriano Moreira têm-se debruçado muito sobre o assunto, rejeitando por completo esta ideia irresponsável de se criar mais um Estado independente no Velho Continente, sem que se tenha em consideração os princípios basilares de equilíbrio do sistema internacional.
 
No início desta tarde, o primeiro-ministro kosovar Hashim Taci proclamará unilateralmente a independência daquela província face à Sérvia. Ironicamente, com as ruas de Pristina cheias de bandeiras americanas e albanesas, mas com muito poucas da UE . O que não é de estranhar, porque como a História já está farta de ensinar, no que diz respeito aos balcãs, a  União Europeia tem sido uma mera espectadora. 

Sem realismo e pragmatisno no processo negocial do Kosovo, caminha-se para um erro histórico mesmo às portas da Europa, mas tal acontece não por falta de informação e sérios avisos. Alexandre Guerra
 

A entrevista de George W. Bush à BBC World: a primeira àquele canal em sete anos

Alexandre Guerra, 14.02.08


Antes de partir esta Sexta-feira para um périplo em África, George W. Bush deu a primeira entrevista à BBC World em sete anos. Em conversa com o jornalista Matt Frei, o Presidente americano percorreu um amplo leque de temas da sua administração, desde a guerra do Iraque ao seu compromisso com África, passando pelo comentário à recente crise espoletada pelo realizador Steven Spielberg, que decidiu retirar o seu apoio aos Jogos Olímpicos de Pequim, em protesto contra a política chinesa levada a cabo no Sudão.



Bush abordou ainda questões internas fracturantes como o papel da religião e da moral nos Estados Unidos. Mas, acabaram por ser as declarações de Bush em relação ao conflito de Darfur a marcar esta entrevista. O Presidente americano defendeu a sua política de não intervenção naquela região africana, apesar de admitir estar-se perante um genocídio.


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