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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Artigo 294º, nº 2 da Constituição Europeia

Alexandre Guerra, 12.07.07

O primeiro-ministro português tem salientado veementemente o facto da presidência alemã lhe ter facultado um mandato claro para redigir o novo Tratado Reformador. José Sócrates está confiante quanto ao sucesso da Conferência Intergovernamental que se irá prolongar nos próximos três meses, mas poderão efectivamente surgir alguns problemas.


Problemas esses que pouco ou nada terão a ver com a Polónia, mas que poderão decorrer da interpretação que se poderá fazer de alguns artigos que, entretanto, foram literalmente "copy/paste" da Constituição Europeia para o Tratado Reformador, já que as condições políticas em que foi negociado o primeiro texto constitucional e aquelas que se verificaram durante a elaboração do "mandato claro" mudaram.


No caso que interessa aqui referir, o Reino Unido foi quem mais contribuiu para um desajustamento entre a disposição de um artigo da Constituição e as conclusões saídas do último Conselho Europeu. Porque à luz do mandato para a CIG, o então primeiro-ministro Tony Blair conseguiu impor algumas reservas ao nível da política externa da União. 


O Artigo 294º, nº2, Parte I, Título V, Capítulo II da Constituição Europeia diz que "os Estados-Membros apoiam activamente e sem reservas a política externa e de segurança comum, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua". Sublinhe-se agora o "sem reservas" e eis que o problema surge, porque este artigo será copiado para o novo Tratado tal como está, criando uma situação claramente interessante do ponto de vista jurídico e político.


O autor destas linhas foi chamado à atenção por um diplomata de carreira sempre atento aos assuntos europeus, identificando sobretudo dois problemas, um técnico e outro político. Quanto ao primeiro, um tratado por definição pode contemplar a figura de "reservas", sendo um direito dos signatários. O segundo problema prende-se com a evidência de o próprio Reino Unido ter imposto várias reservas ao nível da política externa e segurança comum da União Europeia, começando pela rejeição da figura de Ministro dos Negócios Estrangeiros, optando antes por um Alto Representante da Política Externa e de Segurança. AG    

Quando o guitarrista mobiliza as pessoas...

Alexandre Guerra, 11.07.07

Uma pausa na política nacional e nos assuntos internacionais para o Diplomata informar que ontem à noite assistiu ao concerto de Steve Vai na Aula Magna, não perdendo a oportunidade de ver ao vivo e a cores um dos mais virtuosos intérpretes da guitarra eléctrica dos últimos anos. Acompanhado por músicos de excelência, Vai tocou com a mestria que se lhe reconhece, aliada à paixão e à garra que caracterizam a sua forma de compor e actuar.


Steve Vai, já próximo dos 50, tem evoluído constantemente e, apesar de já andar há alguns anos nestas andanças e de estar neste momento em tourné a tocar todas as noites em diferentes cidades europeias, apresentou-se ontem à noite totalmente apaixonado pela sua arte. Esta dedicação mobilizou as pessoas que viram e ouviram o guitarrista, apreciando a entrega sincera de um artista de excepção ao seu público. 


Fazendo a passagem para o âmbito deste espaço (talvez forçada, admite-se), é pena que na cena política nacional não existam actualmente "artistas" que ajam de forma apaixonada  e mobilizem as pessoas. Basta ver o alinhamento de candidatos à Câmara Municipal de Lisboa, onde todos querem aparecer como messias, quando na verdade parecem esquecer que, de uma forma ou de outra, foram os responsáveis pela actual situação na capital. 


O cenário é de tal forma desolador que em doze candidatos, não há um único que se paute pela excelência e pela paixão da causa pública. Existem mesmo alguns que roçam a patetice, como aliás ficou demonstrado no debate da RTP 1 de segunda-feira à noite.


A diferença entre um artista que mobiliza e um político que não cativa é a seguinte: Os 30 euros dados para ver Steve Vai nem se sentiram a sair da carteira, mas o autor destas linhas não daria um chavo para ver ou ouvir qualquer dos "ilustres" futuros vereadores à Câmara de Lisboa. Alexandre Guerra  

Nicolas Sarkozy acena com programa de reformas sem precedente

Alexandre Guerra, 10.07.07

 

Nicolas Sarkozy chegou há poucas semanas ao Eliseu, mas a Europa já se lhe rende a seus pés. O Presidente francês conseguiu convencer os ministros das Finanças da Zona Euro a serem complacentes com uma eventual violação dos compromissos assumidos por Paris relativamente ao défice orçamental. O chefe de Estado gaulês assumiu claramente a possibilidade da França não conseguir cumprir a redução do défice ao nível zero até 2010.

Como se não bastasse, Sarkozy baixou as expectativas ao sublinhar que o défíce para este ano deverá situar-se nos 2,4 por cento do PIB, um valor bastante acima dos 1,8 por cento previstos pelo anterior Executivo. Em 2008, o Presidente francês prometeu um valor abaixo dos 2,4.

Seja como for, nada disto importa perante a promessa que foi ontem feita por Sarkozy: a França vai finalmente iniciar um programa de "reformas sem precedente". Um anúncio que foi bem recebido pelas chancelarias europeias e, certamente, pela própria Comissão, que desde há algum tempo tem travado algumas "guerras" com a França precisamente por causa dos seus modelos económicos e sociais muito conservadores.

Sarkozy só vai apresentar o seu plano em Setembro, porém, já fez saber que, acima de tudo, pretende fazer uma "aplicação inteligente do Pacto de Estabilidade", o que poderá significar um desafio às regras financeiras impostas pelo Banco Central Europeu, já que o Presidente francês quer dar ênfase à componente económica em detrimento da abordagem técnica defendida por aquela instituição. AG   

O que o Brasil ainda é...

Alexandre Guerra, 09.07.07

 

Maceió, dizem, é uma cidade muito bonita. A capital do estado brasileiro de Alagoas é banhada pelas águas do Atlântico e alberga quase um milhão de habitantes. Esta referência vem a propósito de uma reportagem que o Diplomata assistiu ontem à noite durante as notícias de domingo da TV Record (canal 12 da TV Cabo).

Através de uma reportagem de excelente qualidade, é revelado o que é ainda o Brasil de hoje, o mesmo que quer conquistar um assento no Conselho de Segurança e que neste momento já assegurou uma parceria estratégica com a União Europeia. 

Resumindo, o autor destas linhas ficou a saber que aquela cidade brasileira não tem um aterro sanitário, facto que tem levado à acumulação de lixo na periferia da cidade. De tal forma, que as autoridades já classificaram a situação de calamidade pública. Mas, o problema não fica por aqui. 

Dada a pobreza extrema, dezenas habitantes de Maceió fazem daquela lixeira (com uma bela vista para o mar) o seu "local de trabalho" diário, impondo o seu próprio horário e cumprindo-o rigorosamente. Os "trabalhadores" levantam-se cedo para ir à procura, entre o lixo, de tudo o que possa ser aproveitado, incluindo comida. Uma situação tão degradante que leva as pessoas a ingerirem alimentos encontrados junto de desperdícios hospitalares, de bolsas de sangue, de produtos químicos ou de todo o tipo de dejectos.

Imagens decadentes que são fruto de vidas miseráveis, numa cidade que é um destino de turismo e com um dos maiores PIB das capitais das regiões do Nordeste brasileiro. Para os "trabalhadores" da lixeira a vida que levam é "normal" e até mesmo honrosa. 

A verdade é que no século XXI o Brasil continua a apresentar traços de um primitivismo bárbaro, o mesmo Brasil que tem energia nuclear e aposta nos biocombustíveis, excelentes investigadores, uma elite esclarecida, uma classe média cada vez mais forte, uma indústria poderosa, etc. 

Ao fim de quatro anos e meio, muitos acusam Lula da Silva de não ter feito o suficiente para pôr termo a situações de particular gravidade humana, enquanto que outros afirmam que o Presidente tem contribuído para uma melhoria das condições de vida dos brasileiros.

Seja como for, Lula da Silva, aquele que defende acerrimamente os interesses do Brasil no âmbito da Doha Round, não pode deixar de ser responsabilizada pela agressão dos direitos mais elementares que se verifica diariamente no País. Sobretudo quando no caso em concreto da lixeira de Maceió a solução está perfeitamente ao alcance das autoridades federais. AG      

Os livros (2)

Alexandre Guerra, 08.07.07

Retomando o desafio lançado pelo Carlos, o Diplomata optou por orientar as seguintes escolhas em critérios cronológicos. Assim sendo, são referidos dois romances, um acabado de ser lido ou outro ainda em fase de leitura. Ambos têm uma particularidade comum, porque reflectem experiências de vida bastante fortes, sobretudo em termos sociais e políticos.


Predadores do Pepetela, que foi prémio Camões em 1997, teve a sua primeira edição em Setembro de 2005 e é um excelente retrato da sociedade angolana, nomeadamente, da elite política, claramente dominada pelo "aparelho" do partido. O que é interessante ao ler este livro é constatar-se, apesar de tudo, a evolução que se verificou em Angola desde a independência até aos dias de hoje. Uma evolução ao nível de pensamento e costumes.


Ainda em leitura, Origens de Amin Maalouf descreve o percurso dos antepassados daquele escritor. O relato dos acontecimentos começa com as histórias do seu avô no Líbano e com a perspectiva de ir para Cuba, sob influência do irmão a viver em Havana. Por mais que amassem o "país dos cedros", os antepassados de Maalouf (tal como o próprio) acabaram por ser "empurrados" para o estrangeiro. AG      

Os livros (1)

Alexandre Guerra, 06.07.07

Aceitando o repto do Carlos, o Diplomata dedica algumas linhas a quatro livros que, por razões diferentes, merecem aqui referência. Sendo a escolha de livros "preferidos" uma tarefa inglória e injusta, o autor deste espaço "aproveita" as ideias já apresentadas pelo bloguer do Tugir


Por isso, os dois primeiros livros só podiam ser o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e Mil Novocentos e Oitenta e Quatro de George Orwell. Embora os escritores tenham sido responsáveis por outras prosas de grande qualidade, foram aquelas obras que os catapultaram para a galeria dos escritores eternamente citados.


Deixando a análise aos livros para outra altura, o Diplomata apenas gostaria de sublinhar o facto daquelas obras estarem mais actuais do que nunca. O que só evidencia o carácter visionário de quem os escreveu, já que Huxley o fez nos anos 30 e Orwell nos anos 40. Escritos em forma de romance, os dois livros são acima de tudo referências bibliográficas da Ciência Política, na categoria das chamadas "utopias negativas".


Um dos exercícios mais interessantes será, talvez, identificar as questões que trazem aquelas obras para a actualidade. Da ciência aos comportamentos sociais e políticos, Huxley e Orwell apresentam modelos de sociedade aparentemente perfeitos, mas que espelham tipos de regime contrários àquele que é prezado nos dias de hoje pelo Ocidente.


No entanto, o grande aviso é que muitas das "leis" (autoritárias ou totalitárias) que regem os mundos de Huxley e Orwell são resultado de um processo evolutivo, que em algum momento degenerou. A grande questão é saber quando e de que forma foi atravessada essa fronteira. A resposta não é fácil de obter, porém é cada vez mais necessário estar atento à legislação que vai sendo adoptada, numa altura em que as tendências "paternalistas" imperam crescentemente na sociedade pós-moderna.


Sobre isto, o Diplomata convida a uma leitura de O Big Brother Cavaco, um texto aqui colocado a 10 de Fevereiro.


Quanto aos outros dois livros, a reflexão ficará para o próximo texto. Alexandre Guerra  

Leituras

Alexandre Guerra, 04.07.07

O Los Angeles Times revela hoje alguns números sobre a guerra do Iraque que vale a pena conhecer. Em Private contractors outnumber US troops in Iraq fica-se a saber que mais de 180 mil civis estão a trabalhar em solo iraquiano sob contratos americanos. Ou seja, neste momento a administração norte-americana gasta mais dinheiro com os contratados privados do que com as suas forças militares. É a privatização da guerra.

Leituras

Alexandre Guerra, 02.07.07

No primeiro dia de trabalhos da presidência portuguesa da União Europeia, a imprensa inglesa dá destaque à questão do Zimbabwe a propósito da cimeira com África. Portugal takes EU helm with suprise invitation to Mugabe escreve o The Independent, assim como o The Guardian apresenta em título Mugabe invited to Lisbon despite ban. No mesmo registo, lê-se Mugabe to be invited to EU summit na BBC On Line e Lisbon unveils priorities for EU presidency no Financial Times.

Império russo parte à conquista do último pedaço de terra sem dono

Alexandre Guerra, 01.07.07

 

Estranhamente, a notícia passou despercebida. Pela primeira vez, em muitas décadas, a Rússia assumiu uma posição objectivamente imperialista (à maneira antiga, refira-se). Sem rodeios e de forma directa, o Kremlin voltou à velha e clássica forma de afirmação de poder de um Estado: a conquista de território. Mas neste caso, trata-se de plataforma continental correspondente a 460 mil milhas quadradas (Lomonosov Ridge).   

Contrariamente ao que seria expectável, a Rússia não quer expandir-se para Ocidente, Leste ou Sul, mas sim para Norte. Em termos práticos, as autoridades russas pretendem anexar parte da placa de gelo do Oceano Ártico. Com esta medida, Moscovo quer estender o território russo ao Pólo Norte, área que à luz do Direito Internacional não pertence a qualquer Estado. A Convenção das Nações Unidas do Direito do Mar de 1982 é clara sobre esta matéria: os Estados têm direito a 200 milhas de zona económica exclusiva, havendo, no entanto, a possibilidade de aumentá-la caso a plataforma continental assim o permita (aliás, neste momento, o Governo português tem em curso um processo para apresentar nas Nações Unidas com o objectivo de aumentar a sua plataforma continental e, consequentemente, a ZEE).

A Rússia pretende aumentar a plataforma continental, o problema é que o Pólo Norte tem um estatuto especial de administração internacional e neutra, que o organismo International Seabed Authority tenta assegurar. Além de que a área que a Rússia pretende anexar tem o tamanho da Alemanha, da França e da Itália juntas.

Convém referir, no entanto, que as pretensões russas ganharam sustentação científica nos últimos dias. Na segunda-feira passada, um grupo de geólogos russos regressou de uma expedição de 45 dias a bordo de um submarino nuclear por águas árticas com "notícias sensacionais". De acordo com os cientistas, a área reclamada por Moscovo está ligada ao território russo, ou seja, trata-se da plataforma continental. Os investigadores estimaram ainda que existem 10 mil milhões de toneladas de gás e de petróleo na zona, com a vantagem da plataforma estar apenas a 200 metros de profundida, o que tornaria fácil a extracção das matérias primas.

Apesar do entusiasmo manifestado pelas autoridades e por alguma imprensa, nem toda a comunidade científica partilha a euforia, até porque primeiro é preciso provar que o material geológico da plataforma é igual ao do território russo. Além disso, esta iniciativa abre espaço para que países como o Canadá ou os Estados Unidos tenham as mesmas pretensões.

A Rússia já tinha feito o pedido às Nações Unidas em 2001, mas a verdade é que todos os países contíguos ao Pólo Norte têm estado de olho naquele vasto território e, ao que tudo indica, com reservas energéticas interessantes. Por exemplo, o Canadá e a Dinamarca consideram que a área pretendida pela Rússia, pertence antes à plataforma continental canadiana e dinamarquesa (via Gronelândia).

Independentemente das pretensões de cada país e dos seus argumentos, uma coisa é certa: já começou a corrida à conquista da última região do planeta sem dono. Alexandre Guerra  

PS: Mais sobre esta matéria: Kremlin lays claim to huge chunk of oil-rich North Pole no The GuardianOil race at top of the world no Chicago Tribune, Russians Scientists Say Say the Artic is Theirs,  blogue The Lede (The New York Times) e As Polar Ice Turns to Water, Dreams of Treasure Abound no The New York Times. Mapas: The Lomonosov ridge, BBC maps e The New York Times maps 

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