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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

Coreia do Norte e o seu programa nuclear (4)

Alexandre Guerra, 21.07.07

 

Se a Coreia do Norte queria dar o "grande passo em frente" no seu programa nuclear, as coisas dificilmente poderiam ter corrido pior. Em Julho do ano passado, Pyongyang preparava-se para anunciar ao mundo um novo míssil intercontinental com capacidade para atingir o território americano, mas um minuto depois de ter sido lançado acabou por cair. O descrédito não ficava por aqui.

Como escreve o especialista Jacques E. C. Hymans no Bulletin of the Atomic Scientists (Maio/Junho), "a Coreia do Norte acabou o ano [2006] com uma capacidade reduzida na sua credibilidade de dissuasão ao contrário do que acontecia antes, onde simplesmente deixava as coisas à imaginação do mundo exterior". 

Em Outubro de 2006, o regime norte-coreano esperava detonar um engenho nuclear que impusesse respeito à comunidade internacional, porém a explosão terá libertado apenas 10 por cento de energia das 4 quilotoneladas esperadas. É certo que se tratou de uma explosão superior a uma arma convencional, no entanto, esteve longe de se aproximar à potência desejada.

A verdade é que nada disto surpreende num país, onde entre outras coisas, o poder político nem sequer tem capacidade para iluminar as suas ruas à noite. Para Jacques E. C. Hymans, os resultados de 2006 são reveladores do "nível da incompetência técnica do programa de armas estratégicas que poucos analistas se atreveram a mencionar nos últimos anos".

Sendo a Coreia do Norte liderada por um regime no qual a autoridade reside num só homem, cuja  legitimidade advém do culto da personalidade, dificilmente conseguiria desenvolver um programa científico tão complexo e exigente. Veja-se o que escreve Jacques E. C. Haymans: "Estes regimes tendem a ser desastrosos na gestão de programas nucleares. Isto porque construir uma bomba não é só uma questão de dinheiro ou de acesso a alta tecnologia. É também a capacidade de gerir um comportamento profissional ético e uma perspectiva de longo prazo. Tal empreendimento é quase impossível para um regime de 'sultanato', dominado por um processo de decisão arbitrário, por intrigas palacianas e enganos e, acima de tudo, por um nível generalizado e radical de insegurança pessoal. O contraste histórico entre programas nucleares de regimes tipo 'sultanato' e outros tipos de regime é avassalador." Alexandre Guerra      

Coreia do Norte e o seu programa nuclear (3)

Alexandre Guerra, 20.07.07

 

Como já aqui foi dito, a Coreia do Norte jogou o seu prestígio militar e nuclear em 2006, tendo arriscado e falhado nos seus objectivos. Também em Washington se evidenciaram as falhas de "intelligence" e de análise ao programa nuclear de Pyongyang.

Uma delas foi precisamente ter-se colocado a Coreia do Norte ao mesmo nível de outros Estados nucleares, quanto às suas intenções e às suas capacidades. Isto deve-se em grande parte à influência de alguns "decisores" em Washington, que sempre defenderam uma lógica de confrontação com Pyongyang. 

Aliás, não é a primeira vez que os Estados Unidos fazem uma leitura errada e se deixam levar por um clima de histeria. Relembre-se que nos anos 70 e 80 Washington acusara o Governo da Argentina de estar a desenvolver um programa nuclear para produzir uma bomba. Mais tarde, e por mais vil que fosse o regime argentino, aquele cenário veio a revelar-se inconsequente e até absurdo.

Quando se parte para o exercício de análise ao programa nuclear norte-coreano é preciso ter em conta que este assenta em dois vectores: nacionalismo e segurança. O orgulho nacional levou a que a Coreia do Norte (tal como outras nações) procurasse no nuclear a afirmação do estatuto de potência no sistema internacional. Historicamente, o reino da Coreia foi a potência asiática que em tempos antigos fez frente ao grande império chinês. Isto aliou-se ao sentimento crónico de ameaça, sobretudo devido à guerra de 1950-53, que marcou indelevelmente a evolução do paradigma militar da Coreia do Norte.

Embora definindo objectivos concretos sobre o seu programa nuclear, a verdade é que não se pode acusar Pyongyang de ter desenvolvido o projecto à revelia das normas internacionais, bastando para isso constatar a sua adesão ao Tratado de Não Proliferação (NPT), em 1985. Também nunca é demais relembrar que até Dezembro de 2002 a Agência Internacional de Energia Atómica acompanhou de perto o trabalho desenvolvido nalgumas instalações norte-coreanas, sendo por isso de estranhar as ilações e as previsões de alguns organismos em Washington, que desde 2002 "dotaram" Pyongyang de várias bombas atómicas.

Os falhanços do lançamento do míssil intercontinental, em Julho do ano passado, e do teste da bomba nuclear, em Outubro último, só podem ter surpreendido aqueles que não analisaram com atenção o desenvolvimento do programa nuclear norte-coreano. AG

PS: As seis partes (Rússia, China, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos) não conseguiram ontem chegar a acordo em Pequim, para que o regime de Pyongyang desmantelasse todas as suas infra-estruturas do programa nuclear. Para já, a comunidade internacional terá que se contentar apenas com a desactivação do complexo de Yongbyon. A próxima reunião das seis partes será no mês de Setembro.

Coreia do Norte e o seu programa nuclear (2)

Alexandre Guerra, 19.07.07

 

Ao longo dos útlimos anos foi-se assistindo à mitificação do programa nuclear norte-coreano, sobretudo através de teses e teorias vindas de Washington, que encontraram eco na Europa, sem que as mesmas fossem algumas vez confirmadas ou rectificadas. No fundo, assistiu-se uma certa "neurose" relativamente ao regime de Pyongyang, liderado por Kim Jong Il, uma figura de contornos "hollywoodescos" que, diga-se, chegou a impressionar a antiga secretária de Estado, Madeleine Albright, quando esta o conheceu em Pyongyang, em Outubro de 2000. Aliás, na altura, a Time asiática descrevia Kim Jong Il como o "mestre das surpresas".   

Um grande erro cometido por alguns estrategos e decisores norte-americanos (os mais influentes) foi o de a determinada altura se deixaram envolver pelo folclore do regime norte-coreano. A imponência das paradas militares ou a excentricidade de Kim Jong Il parecem ter sido factores suficientes para convencer Washington de que um real e avassalador perigo emanava do Norte da península coreana. É certo que o regime de Pyongyang é detentor de técnica reconhecida no fabrico de vectores de lançamento, mas mesmo neste ponto convém ser objectivo e factual.  

A verdade é que poucos foram os que ousaram denunciar o "bluff" do regime norte-coreano e, ainda mais importante, da própria administração americana. Basta para isso constatar o que se passou no ano passado. Aos olhos da opinião pública, 2006 foi o ano em que a Coreia do Norte se afirmou como potência nuclear, justificando o seu lugar no "eixo do mal". A Casa Branca não perdeu tempo em instrumentalizar a seu favor o teste de um míssil (supostamente intercontinental) realizado em Julho e o teste nuclear de uma bomba efectuado em Outubro. 

O que quase ninguém disse ou escreveu foi que ambas as iniciativas revelaram-se autênticos fiascos. Além de terem destruído parte do mito que tinha sido construído em redor da Coreia do Norte, puseram a descoberto as lacunas do programa de investigação militar e nuclear. AG

Coreia do Norte e o seu programa nuclear (1)

Alexandre Guerra, 17.07.07

 

O acordo de 13 de Fevereiro alcançado entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, em Pequim, parece estar a dar os primeiros frutos, com o regime de Pyongyang a anunciar no domingo o encerramento oficial da central nuclear de Yongbyon (composta por um reactor de 5 MW, estando um outro de 50-200 MW em fase de construção). Um gesto presenciado por inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) que, pela primeira vez, regressam àquele país após a sua expulsão em Dezembro de 2002. Em contrapartida, foi prometido ao regime de Pyongyang, numa primeira fase, 50 mil toneladas de energia, sendo que neste momento já foram enviados dois navios com carregamentos de gasóleo.

O negociador americano, Christopher Hill, mostra algum optimismo com a actual situação, tendo-se reunido hoje com o seu homólogo norte-coreano, Kim Kye-gwan, em vésperas de mais uma ronda de negociações entre as seis partes (EUA, Rússia, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Japão e China). Ronda essa que visa definir a próxima fase do desmantelamento do programa nuclear, porque até ao momento foi apenas dado o primeiro passo. 

Convém relembrar que a central de Yongbyon é apenas uma parte do programa nuclear norte-coreano, não se sabendo com exactidão qual o seu nível de desenvolvimento e a qualidade das suas infra-estruturas. Seja como for, o acordo de Fevereiro prevê o fornecimento de mais 950 mil toneladas de energia se a Coreia do Norte encerrar todas as suas instalações.

De acordo com as informações disponíveis, o complexo de Yongbyon está focado para a produção de plutónio, material físsil que serve para a construção de armas nucleares. No entanto, desde 2002 que Washington acusa o regime de Pyongyang de estar também a desenvolver um programa de urânio enriquecido, outro tipo de material físsil que pode ser usado na produção de bombas.

Algumas das poucas certezas sobre o programa nuclear norte-coreano reportam-se a 4 de Maio de 1992, altura em que Pyongyang entregou uma declaração à AIEA das actividades nucleares desenvolvidas na Coreia do Norte: foram mencionados sete locais e 90 gramas de plutónio. Claro está que mais tarde estes valores não coincidiram com os que foram apurados pelos inspectores da AIEA.

Outra das certezas prende-se com o facto do Exército dos Estados Unidos ter preparado em 1994 um ataque militar cirúrgico ao complexo de Yongbyon, o que não se verificou obviamente. Na verdade, a 21 de Outubro desse ano, Washington e Pyongyang viriam a assinar um acordo que iria "congelar" o programa nuclear durante os anos seguintes, mais precisamente até ao dia 21 de Dezembro de 2002, quando as autoridades norte-coreanas removeram os selos e as câmaras da AIEA e expulsaram os inspectores. 

Esta atitude valeu à Coreia do Norte um lugar no tristemente célebre "eixo do mal", assim como alimentou todo o tipo de previsões sobre o número de bombas nucleares que o regime de Kim Jong Il poderia produzir. Quase todas elas sem qualquer tipo de sustentação factual, como aliás se tem vindo a verificar. Alexandre Guerra        

O que se vai dizendo...

Alexandre Guerra, 17.07.07

"Temos que ter a coragem de perceber que estamos gratos, e de ter a clarividência de reflectir sobre se faz sentido continuarmos na primeira linha do debate da intervenção política. O país está cansado de Marcelos Rebelos de Sousa, de Paulos Portas, de Monteiros de Marques Mendes e nós não temos consciência disso, em vez de andarmos entretidos com as nossas palmas e com as notícias que saem nos jornais."


Manuel Monteiro, líder do PND, em declarações ao Público (17/07/2007)

Ignorância

Alexandre Guerra, 16.07.07

Nos primeiros anos do século XX, Botros, avô do escritor libanês Amin Maalouf, deixara a grande custo o seu país para visitar as Américas, sabendo que nada faltava ao seu povo e que não sofria de qualquer tara "à excepção de uma só": a "ignorância".


Um mal que afectava "a grande maioria das pessoas" e que se manifestava através de variadas situações, como "as disputas e conflitos incessantes, a dissimulação e a linguagem ambígua, o embuste e a traição, a violência e a crise". Apesar deste cenário, Botros acreditava que a situação poderia ser alterada e que o "remédio" era sobejamente conhecido: o "verdadeiro saber". De tal forma, que aquando do regresso ao Levante, Botros sonhava com uma federação de diferentes províncias otomanas "onde os jornais andariam nas mãos de todos, e onde não mais reinaria a corrupção e o arbitrário".


No início do século XXI, também nada faltará a Portugal e, certamente, também não sofrerá de qualquer "tara" à excepção de uma: a ignorância. Tal como Botros, muitos jovens portugueses dotados de saber emigram à procura da tal sociedade onde as pessoas tenham por hábito andar com os jornais na mão e cultivar o verdadeiro saber.


Enquanto isso, neste cantinho, reina a ignorância e com ela os males que Botros há mais de 100 anos identificava nas províncias otomanas. Não é por isso de estranhar que muitos dos portugueses que vão para outras paragens e manifestem desejo de regressar ao seu país, rapidamente afastam essa ideia perante a pobreza intelectual que persiste em Portugal.


Ontem à noite, assistiu-se ao epílogo de uma triste história portuguesa, na qual houve quem clamasse vitória. Uma lógica difícil de compreender para o autor destas linhas, que vê na política uma arte nobre baseada no conhecimento e no saber. A única coisa que o Diplomata constatou foi uma homenagem à ignorância... dos governantes e dos governados. Alexandre Guerra

Leituras

Alexandre Guerra, 14.07.07

Neste espaço já por algumas vezes foi abordada a temática das tendências paternalistas que se estão a instalar nas sociedades pós-modernas, normalmente justificadas pela necessidade do "bem-estar comum". O discurso dos governantes é marcado por conceitos como o de "politicamente correcto", o de "tolerância" ou de "igualdade", mascarando em muitos casos iniciativas legislativas que pouco ou nada têm a ver com os preceitos e os princípios que sustentam as verdadeiras democracias liberais. 


Numa altura em que a própria opinião pública parece embarcar numa histeria colectiva contra os "desalinhados" do sistema, são sempre bem vindos textos como o "Um Mundo Inconveniente" de João Pereira Coutinho, publicado ontem no Expresso.


A propósito, vale a pena ler no The GuardianTintin's Congo book moved out of children's section in race row.

Dois mundos na "jangada de pedra"

Alexandre Guerra, 13.07.07

A Espanha parece querer acompanhar as grandes potências na conquista do Espaço, inaugurando hoje um dos maiores telescópios do mundo. Localizado a 2 400 metros de altitude na ilha espanhola de La Palma, o Gran Telescopio Canarias (GTC) tem uma potência que lhe permitirá detectar objectos e "luzes" no Universo longínquo. Os cientistas espanhóis esperam poder recolher informação que lhes ajudem a compreender a evolução do cosmos.


O GTC, que só estará a funcionar em pleno dentro de um ano, é composto pela mais recente tecnologia disponível, incluindo uma enorme lente de infravermelhos, o que possibilitará a identificação da atmosfera dos planetas, ao contrário do que tem sido feito até aqui, já que tal tarefa tem sido realizada com base em especulações matemáticas.


A Espanha demonstra, mais uma vez, que quer ser uma potência no mundo globalizado do século XXI. Para isso, é preciso investir no conhecimento, porque só nessa base é que os países e as suas sociedades evoluem. Neste momento, a Espanha já é mais do que que uma mera potência económica. É, por exemplo, uma potência cultural que exporta a sua música, a sua literatura ou o seu cinema. Várias universidades espanholas são internacionalmente reconhecidas, contribuindo para o desenvolvimento de projectos científicos e patentes.


Muitos dos projectos nacionais em Espanha prendem-se com a afirmação do país no mundo e com a evolução da sua sociedade, ao contrário de Portugal, onde raras vezes se discutem projectos nacionais que não sejam feitos de betão.    


Portugal tem a sua capital de "rastos", a Espanha aposta num projecto científico de 130 milhões de euros numa ilha do Atlântico. À partida o leitor poderá achar descabida esta comparação, mas não deixa de ser ilustrativa da diferença entre os dois mundos que coabitam nesta "jangada de pedra". Alexandre Guerra 

Comissão dá pequenos passos para a concretização da política comum do desporto

Alexandre Guerra, 12.07.07

A Comissão Europeia aprovou ontem o Livro Branco sobre o desporto, que inclui várias medidas para regular a actividade no espaço comunitário. Como seria de esperar da parte do colégio de comissários, o documento reforça a ideia de que o desporto em geral e o futebol em particular devem obedecer às mesmas regras que regem as outras políticas europeias.


Embora Bruxelas admita algumas excepções para o desporto, a Comissão Europeia recusa-se a ir mais longe nas cedências, ao contrário do que a UEFA tem exigido, assim como alguns Estados-membros. Esta é aliás uma das guerras assumidas pelo presidente da UEFA, Michele Platini, que tem presionado nos últimos meses a Comissão para atribuir um regime de total excepção ao futebol, no entanto, Bruxelas recusa-se a aceder aos pedidos do antigo jogador francês. 


Entre as várias propostas avançadas pelo documento, encontram-se recomendações para a regulamentação de contratos televisivos, para o combate à violência, ao racismo e ao doping. A Comissão pretende ainda adoptar um modelo comunitário de regulação da actividade dos agentes de jogadores.


Um dos grandes objectivos da Comissão é ganhar mais competências na gestão do desporto em geral e do futebol em particular, algo que tem sido rejeitado pelos ministros nacionais que tutelam aquelas áreas. Estes têm relembrado Bruxelas do compromisso assumido pelos líderes políticos em Nice, em 2000, sobre as "características específicas do desporto e da sua função social na Europa, que devem ser tidas em conta aquando da implementação das políticas comuns".


Tem sido aliás este o argumento utilizado por Michele Platini para pressionar a Comissão no sentido de travar a comunitarização do desporto e do futebol em concreto.  


De acordo com os números da Comissão, o desporto representou 3,4 por cento do PIB Europeu em 2004, gerando 407 mil milhões de euros e criando 15 milhões de empregos. Alexandre Guerra