O Big Brother Cavaco
Londres – 1984
Winston Smith descobre, por acaso, uma loja situada num bairro esquecido da cidade mais importante da Pista Um, a terceira província mais populosa da Oceânia. Lá, encontra artigos, objectos e recordações de outros tempos. Tempos, esses, em que a Humanidade não era perfeita e era assolada por males sem remédio. As vicissitudes e os defeitos eram uma constante e as pessoas viviam, muitas das vezes, num estado de tensão e conflitualidade. O Homem não se libertava do pecado original e estava condenado à redenção eterna. Mas, este era o preço a pagar por uma sociedade “humanizada” entregue ao livre arbítrio e, na qual, cada um era livre para decidir o que fazer com os seus destinos.Na maioria dos casos, os homens e mulheres entregavam-se aos prazeres da vida, independentemente das consequências de tais actos. No fundo, cada um pensava aquilo que entendia, namorava com quem gostava, comia aquilo que lhe apetecia, praticava o desporto que lhe agradava e “vegetava” quando queria.
Ao “descobrir” essa Londres, Winston ficou fascinado e libertou-se do modelo de pensamento dominante, entretanto, instituído pelo Big Brother, que formatava uma sociedade quase pós-humana. Winston decide, também ele, entregar-se aos “pequenos prazeres” de outras vidas. Nesta altura, volta a sentir-se humano.
Lisboa – 2007O Presidente Cavaco Silva, em declarações na Academia Portuguesa de Medicina, alertou para a “necessidade de legislação e procedimentos administrativos claros, não só sobre o tabagismo, mas no combate ao consumo excessivo de álcool, obesidade e estilos de vidas sedentários.” Nesta frase existem duas ideias que combinadas são potencialmente perturbadoras: “Necessidade de legislar” e “estilos de vidas”.
Ou seja, Cavaco Silva apelou aos legisladores para produzirem leis que impeçam uma pessoa de poder passar o dia inteiro sentado no sofá a ver televisão ou a jogar consola. Esta problemática não passou despercebida ao Diplomata nem a dois comentadores, ambos do jornal Público.Constança Cunha e Sá, no seu artigo de opinião de sexta-feira (9-02-2007), sublinha que a saúde se transformou na nova religião do Estado, o qual obriga os cidadãos a “ter uma vida longa e saudável e a morrer tarde e a más horas, com os pulmões limpos e os músculos em forma”. A saúde e a técnica surgem como o primado da sociedade.
Vasco Pulido Valente complementa, hoje (10-02-2007), este raciocínio com uma crítica feroz a Cavaco: “Não ocorreu com certeza a nenhum homem público do Ocidente, em nenhuma época e em nenhum sítio, uma ideia deste inexplicável teor.” Alexandre Guerra