Salazar, Sócrates e sexo
Nas últimas semanas, muito se falou e debateu sobre a personalidade e o estilo de dois líderes políticos portugueses. Um, foi presidente do Conselho de Ministros, o outro é o actual primeiro-ministro. Tanto falatório em torno destas duas figuras ficou-se a dever, sobretudo, a duas razões: relativamente a António de Oliveira Salazar, a RTP, através do programa Grandes Portugueses, fez questão de ressuscitar tão polémico dirigente político, enquanto que no caso de José Sócrates, o balanço dos dois anos de mandato (associado ao tom intransigente adoptado nalgumas matérias governativas) serviu de pretexto para inúmeras prosas na imprensa e na blogosfera.
Não houve comentador ou analista, académico ou jornalista que não se precipitasse para doutas reflexões sobre o carácter daqueles políticos. O Diplomata não pretende aqui repetir esse debate, nem fazer eco do mesmo. Porém, poderá sucintamente dar o seu modesto contributo, através de uma "leitura" de quem pertence a uma geração nascida depois do 25 de Abril, e para quem o Estado Novo é "apenas" um capítulo da História portuguesa que se lê e compreende, mas que não apaixona ou sensibiliza.
Assim, escutando e lendo as opiniões de quem viveu duas realidades históricas e políticas foi possível encontrar um conceito comum entre Salazar e Sócrates no que concerne às suas figuras enquanto políticos: autoritarismo.
À primeira vista, isto é uma surpresa. Que o primeiro seja conotado como autoritário (note-se, não totalitário, e para quem tenha dúvidas sobre estes conceitos aconselha-se a consulta de qualquer manual de ciência política), é algo que dificilmente possa ser contestado, mas que Sócrates seja igualmente incluído, por muitos, nessa tristemente célebre categoria, ora aqui está algo de novo e estranho para uma democracia.
Terá então Portugal novamente um líder autoritário? Atendendo a algumas medidas governativas tomadas nos últimos tempos, há quem diga que Sócrates caminha subtilmente nesse sentido. Caso isto seja verdade, presume-se que seja um autoritarismo mais sofisticado, mais ao estilo do século XXI... "simplex" e com muitas novas tecnologias.
Mas, o que é mais estranho neste debate é que aquelas ilações são retiradas por pessoas que conheceram de perto um regime autoritário e o seu líder. O que conduz a duas possibilidades: Ou Sócrates reserva de facto uma predisposição para "tiques" anti-democráticos, ou então, o conceito "autoritário" tem sido utilizado levianamente, acabando, mais, por provocar ruído do que por esclarecer correctamente o público.
A juntar àquele conceito, o Diplomata avança com outro que, embora timidamente referenciado como intrínseco à personalidade dos políticos em questão, gerará talvez mais consenso quando aplicado a Salazar e a Sócrates: pragmatismo.
Aqui, não existem dúvidas de que Salazar e Sócrates partilham o pragmatismo como plataforma para os seus modelos de pensamento e governação. Mais do que a ideologia, o que importa são os resultados. Esquerda ou direita, pouco importa para governantes deste género. O lema é desconfiar de tudo e de todos e seguir o "instinto", mesmo que isso conduza ao desastre. O actual chefe do Governo tem dado alguns exemplos (Ota, encerramento dos SAP, SISI, etc).
As fontes literárias são instrumentos imprescindíveis para se compreender realidades que não se viveram. Foi neste contexto que o Diplomata leu recentemente as "Máscaras de Salazar" de Fernando Dacosta (edição de 1998) e se deparou com testemunhos preciosos, que expõem à luz do dia a plenitude do pragmatismo de Salazar.
O carácter funcional que Salazar atribuía ao sexo e à prostituição que, refira-se era legalizada, é talvez o melhor exemplo. "O interesse pelo sexo faz diminuir o interesse pela política", terá confidenciado o presidente do Conselho. Esta frase, além de ser um registo histórico delicioso, suporta a ideia de que a política está acima da moral (seria interessante aprofundar-se a relação que aquele político tinha com a obra de Maquiavel), na óptica governativa de Salazar.
Nos dois capítulos da obra de Dacosta dedicados a esta temática, torna-se evidente que para o presidente do Conselho, o sexo e a prostituição não eram mais do que meios para poder executar as suas políticas, independentemente das repercussões morais que daí pudessem advir. Na perspectiva de Salazar, a moralidade não era para aqui chamada, apenas a ordem social interessava e a função do sexo enquanto parte de um sistema de Governo. Alexandre Guerra